06/10/2019 - 9:01
O comerciante Rodrigo Rodrigues, de 33 anos, já havia quebrado algumas vezes. Vindo de uma família que atua na área, na última delas investiu demais na reforma da loja de pneus e acabou com suas reservas, numa hora em que as contas não fechavam. Priorizou o comércio eletrônico, mas tinha dificuldade de negociar preços com atacadistas. Até que viu na tela do computador uma oferta de crédito de R$ 130 mil, em sua loja no Mercado Livre. “Estava na sala de casa, ao lado da minha mulher, e decidimos pegar tudo o que ofereceram”, diz Rodrigues. “Já tomei mais dois empréstimos depois disso.”
Com os recursos, partiu para a ofensiva. Comprou tudo em mercadoria por preços melhores, as portas de vários fornecedores se abriram – e o jeito como era tratado mudou. Saiu de 450 encomendas mensais para 3.500. “O banco tradicional nem me recebia”, diz. “Quando há alguma pendência (em relação a dívidas), eles negam o crédito, não importa sua experiência ou vontade de trabalhar.”
Rodrigues é um exemplo da transformação pela qual o mercado de crédito vem passando no País: a desintermediação dos empréstimos corporativos, que têm crescido fora dos bancos.
Alguns fatores estruturais estimulam esse novo momento. Entre eles, a redução do Estado no financiamento a empresas, antes feito via BNDES e bancos públicos. Também a perspectiva de longo prazo para os juros baixos que fazem investidores buscar rentabilidade – e oferecer mais capital a quem precisa. Bem como, a tecnologia.
“Temos o insumo mais importante numa operação de crédito: informação”, diz Pedro de Paula, responsável pelo Mercado Crédito, área de crédito do Mercado Livre. “Sabemos quanto o lojista vende, o que o cliente pensa dele e como ele o atende. Com isso, conseguimos inverter a lógica dos empréstimos com modelos estatísticos que entendem os vendedores a quem vamos oferecer crédito e o disponibilizamos online, colocando o dinheiro imediatamente na conta dele.”
No caso do Mercado Pago, os empréstimos vão de R$ 300 a R$ 1,5 milhão, mas a média é de R$ 25 mil. Há antecipação de recebíveis e capital de giro e os juros começam a partir de 2% – nem é preciso dizer que é um porcentual muito inferior ao cobrado pelos bancos e um outro estímulo a esse mercado. “Não precisamos ter a estrutura de agências nem o custo imposto pela regulação aos bancos”, diz de Paula.
Oxigênio
A desintermediação do crédito corporativo também tem explodido no mercado de capitais, seja por meio de emissões de papéis que representam dívidas ou certificados de recebíveis variados. Os maiores beneficiados são empresas de médio porte, que veem na redução de custos uma nova linha de oxigênio para suas necessidades.
Para negócios menores – e mesmo de algum porte, porém, há uma oferta crescente do que é chamado de empréstimo direto. É como se fosse o Uber do crediário, no qual uma pessoa ou empresa que tem dinheiro empresta a outra pessoa ou empresa que não tem.
“A diferença é que o dinheiro não vai de uma mão para a outra, evidentemente”, diz Margot Greenman, presidente e cofundadora da Captalys, que faz a infraestrutura para o sistema de crédito direto. “Os recursos ficam em fundos por segurança.”
Uma das maiores empresas do setor, em dez anos de existência a Captalys já movimentou R$ 50 bilhões em empréstimos. Com o avanço da tecnologia dos últimos tempos, porém, o negócio ganhou outra proporção. Hoje, a empresa processa 1,5 milhão de operações de créditos por mês e, apenas em 2018, sua plataforma deu origem a quase R$ 2 bilhões em operações de crédito. “O modelo tradicional está em xeque e há uma tendência crescente de democratização do acesso ao crédito”, diz Margot.
Nesse efeito multiplicador, mais uma vez o Mercado Pago é apenas um dos clientes da Capytalis. Estão lá também Bunge, PayPal, Pague Veloz, a empresa de alimentos Enova e a de fretes CargoX, entre outras, todas emprestando a seus clientes. “O que a tecnologia nos permitiu foi desenvolver soluções customizadas às necessidades de cada empresa, da captação à gestão de recursos, passando pelos riscos e plataformas completas”, diz Margot.
Nos números, a mudança começa a aparecer. Apenas em fundos creditórios, que dão direito a receber receitas futuras de empresas, o volume de recursos foi de R$ 5,3 bilhões para R$ 7,9 bilhões entre 2017 e 2018. O número de fundos foi de 41 para 52 no período. Ainda é menos de 1% do mercado total de crédito, mas a linha é ascendente. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.