02/07/2025 - 16:12
Se aprovada, proposta permitirá que Estados-membros comprem créditos de carbono de países em desenvolvimento para dar alívio à indústria europeia, além de viabilizar meta de emissões zero até 2050.A Comissão Europeia apresentou nesta quarta-feira (02/07) uma meta climática de reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa na União Europeia (UE) em 90% até 2040, em comparação com os níveis de 1990. O intuito de manter a UE no rumo certo para atingir seu maior objetivo climático: reduzir a zero as emissões até 2050.
Após meses de intensas negociações, foi estabelecido que, pela primeira vez, os Estados-membros poderão utilizar créditos de carbono de países em desenvolvimento para financiar projetos fora da Europa que visam reduzir as emissões de CO2 – por exemplo, a restauração florestal no Brasil.
A estratégia reflete uma posição defendida pela Alemanha nas negociações, segundo a qual, até 3% da meta para 2040 poderão ser cobertos por créditos de carbono adquiridos de outros países por meio de um mercado apoiado pela ONU, de modo a reduzir o peso sobre as indústrias nacionais do bloco.
A proposta da Comissão oferece aos países mais flexibilidade para decidir quais setores deverão contribuir para a meta de 2040.
Os créditos de carbono seriam implementados gradualmente a partir de 2036. A UE proporá uma legislação no próximo ano para estabelecer os critérios de qualidade que eles devem atender e as regras sobre quem poderá adquirir esses créditos.
Contexto geopolítico “extremamente difícil
A UE tem uma das metas climáticas mais ambiciosas do mundo. Até o momento, esses objetivos eram inteiramente votados para a redução das emissões domésticas. Contudo, após a resistência de países como França, Alemanha, Itália, Polônia e República Tcheca, a Comissão flexibilizou alguns pontos de modo a suavizar a meta de 90% das emissões para as indústrias europeias.
Bruxelas afirma que a UE já reduziu as emissões de gases de efeito estufa em 37% em relação a 1990, mas sua agenda verde enfrenta resistência em meio a uma guinada política à direita e o crescente ceticismo climático em muitos países europeus.
“Hoje, demonstramos que mantemos firmemente o nosso compromisso de descarbonizar a economia europeia até 2050”, comemorou a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.
O comissário da EU para o clima, Wopke Hoekstra, reconheceu a dificuldade das negociações com os países mas céticos, mas destacou que Bruxelas mantém uma meta “ambiciosa” mas, ao mesmo tempo, é “pragmática e flexível sobre como alcançá-la”.
Hoekstra ressaltou que a meta foi elaborada em um contexto geopolítico “extremamente difícil”, mas deve criar segurança de investimento para as indústrias.
“Faz sentido, do ponto de vista econômico, de segurança e também geopolítico, garantir que mantenhamos o rumo em relação ao clima”, disse Hoekstra. “Trata-se de proteger nossa população de eventos climáticos extremos”, acrescentou.
O Parlamento Europeu e os Estados-membros da UE devem ainda negociar e aprovar a meta estabelecida para 2040.
Continente aquece com maior rapidez no mundo
As mudanças climáticas tornaram a Europa o continente que aquece mais rapidamente no mundo. Nesta semana, uma onda de calor extremo causou incêndios florestais e uma série de perturbações em toda a região.
Ainda assim, as políticas ambiciosas da Europa para combater o aumento da temperatura alimentam tensões dentro do bloco das 27 nações.
Soma-se a isso o fato de a aplicação de medidas climáticas rigorosas em nível global ter sido dificultada pelo governo dos Estados Unidos. O presidente americano, Donald Trump, retirou o país das negociações climáticas globais no início deste ano e gerou novas tensões no comércio global com a imposição de tarifas aos parceiros internacionais, o que também prejudica os esforços em prol do clima.
Alguns governos e legisladores europeus avaliam que a indústria do bloco, afetada pelas tarifas de importação americanas e pelos altos custos de energia, não podem arcar com regras de emissões mais rígidas.
Por outro lado, o ministro do Meio Ambiente da Alemanha, Carsten Schneider, afirmou que a meta é um forte sinal para outras grandes economias e destacou que a Europa manteve um alto nível de ambição climática. “Isso pode motivar China, Índia, Brasil, África do Sul e outros a seguirem o exemplo”, observou.
A UE tem até meados de setembro para apresentar à ONU uma nova meta climática para 2035 que, segundo a Comissão, deve ser derivada da meta de 2040.
Críticas de grupos ambientalistas
Entidades ambientalistas temem que a estratégia dos créditos internacionais possa prejudicar os esforços da UE para abandonar os combustíveis fósseis.
“Embora este seja um passo na direção certa, ao introduzir sorrateiramente compensações internacionais e se apoiar fortemente em supostas remoções futuras de carbono, a Comissão Europeia criou brechas no coração da proposta”, afirmou o braço da ONG WWF na UE.
“Três por cento não é insignificante”, ecoou Neil Makaroff, especialista do think tank Strategic Perspectives, que trata de temas relacionados o clima. “São somas potencialmente consideráveis que serão gastas no exterior em vez de financiar a transição” na Europa.
Para atingir os objetivos de 2040 e 2050, a indústria e os cidadãos europeus terão que empreender grandes transformações, como o aumento da utilização de carros elétricos, a eliminação gradual dos combustíveis fósseis e a construção de edifícios mais eficientes em termos energéticos.
Próximos passos
Os ministros do Meio Ambiente da UE discutirão a meta em uma reunião em meados de julho, antes de votarem a proposta em 18 de setembro.
Os europarlamentares também precisam dar sinal verde para a proposta, que requer o apoio do maior grupo parlamentar, o Partido Popular Europeu (PPE), de centro-direita.
Para conquistar os outros grupos, Bruxelas propõe torná-la mais atraente financeiramente para as empresas que capturam e armazenam CO2.
A esperança da Comissão é que a meta para 2040 seja aprovada antes da Conferência Climática da ONU (COP30), em novembro, em Belém. Isso, porém, dá pouco tempo para negociações com os Estados-membros mais céticos, com os quais o comissário Hoekstra passou meses tentando chegar a um acordo.
Para alguns países, incluindo a República Tcheca, a meta de 90% é irrealista. Ao mesmo tempo, outros, como Itália e Hungria, preocupam-se com o peso da descarbonização da indústria, em um momento em que a Europa trabalha para fortalecer o setor diante da forte concorrência dos Estados Unidos e da China.
rc (Reuters, AFP)