Por Bernardo Caram e Marcela Ayres e Anthony Boadle

BRASÍLIA (Reuters) – Representantes da União Europeia buscaram o governo brasileiro, por meio do Itamaraty e do Ministério da Economia, com o objetivo de avançar nas negociações sobre o acordo com o Mercosul, após longo período de tratativas paralisadas, informaram à Reuters duas fontes com conhecimento do assunto.

O indicativo de reaproximação dos europeus após uma série de entraves para efetivar o acordo é visto no governo brasileiro como um sinal do redesenho das cadeias globais de valor, especialmente após a pandemia e a guerra na Ucrânia, que teria ampliado o poder do Brasil nas negociações.

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Desde 2021 a Uniao Europeia vinha falando em enviar uma proposta de carta complementar ao acordo com demandas na área ambiental, em meio ao aumento nos índices de desmatamento na Amazônia que tornaram o governo do presidente Jair Bolsonaro alvo de críticas contundentes no exterior. Essa proposta, no entanto, nunca chegou a ser efetivamente enviada.

Há cerca de duas semanas, integrantes do governo tiveram uma conversa preliminar com emissários do bloco e uma nova reunião está prevista para ocorrer até o fim de setembro para traçar um cronograma de encontros, disse uma das fontes, que é do governo e falou sob condição de anonimato porque os debates são privados.

“Essa discussão estava enterrada, eles voltaram a discutir o acordo entre Mercosul e União Europeia justamente porque precisam de commodities agrícolas, minerais e energéticas, não podem contar mais com a Rússia, há o problema de disrupção da cadeia de suprimentos, excessiva dependência da Ásia”, disse.

Um diplomata europeu confirmou à Reuters a retomada do contato para efetivar uma nova rodada de conversas com o Brasil.

De acordo com a fonte do governo brasileiro, os europeus disseram que estão interessados em ratificar o acordo e os dois lados da mesa discutirão os termos. A previsão dessa autoridade é que a carta com a proposta de compromissos adicionais na área ambiental seja recebida até o fim deste ano.

“O movimento tomou nova dinâmica. Estava paralisado e voltou a andar”, afirmou.

O contato ocorre às vésperas das eleições presidenciais de outubro, com o principal candidato nas pesquisas, o ex-presidente de esquerda Luiz Inácio Lula da Silva, indicando que pediria à UE que reabra as negociações sobre o acordo para adicionar pontos sobre proteção ambiental, direitos humanos e tecnologia.

Membros da atual gestão, por outro lado, acreditam que o acordo de 2019 representa uma concertação de interesses e que reabri-lo, em vez de apenas analisar a carta paralela, levaria a negociação a retroceder substancialmente, disse a fonte do governo.

QUESTÃO AMBIENTAL

Após 20 anos de negociações, o acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia foi fechado em 2019, no início do mandato de Bolsonaro. A entrada em vigor, porém, depende do aval dos parlamentos dos países, ponto que não avançou diante da pressão dos europeus alegando piora de indicadores ambientais do Brasil.

No mês passado, a parlamentar europeia Anna Cavazzini e dois outros deputados do grupo político Verdes/Aliança Livre Europeia visitaram o Brasil para avaliar a ameaça à Amazônia da mineração ilegal de ouro e da extração de madeira sob Bolsonaro. Ela disse à Reuters que não há como o acordo comercial passar com Bolsonaro no cargo porque seria ruim para o meio ambiente.

O movimento contrário à finalização do acordo, liderado pelo governo francês, colocava a destruição da Amazônia como ponto determinante. Em fevereiro do ano passado, ainda durante a pandemia e antes da eclosão da guerra no leste europeu, embaixadores do bloco afirmavam que o acordo só seria concluído após avanços concretos do Brasil nessa área.

Dados oficiais mais recentes mostram que o desmatamento na floresta amazônica atingiu recorde nos primeiros sete meses deste ano, enquanto o país caminha para o pior período da temporada anual de queimadas.

O fato de emissários da UE terem procurado o Brasil denota, para ala do governo, que a questão ambiental vinha sendo utilizada para retardar a implementação do acordo em nome de interesses protecionistas agrícolas de alguns países do bloco europeu, e que não seria mais determinante.

Em evento na semana passada, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que a França está se tornando irrelevante para o Brasil, fazendo uma comparação com o aumento da corrente de comércio brasileira com a China.

Ao citar conversa com um ministro francês, ele disse que “é melhor vocês nos tratarem bem, se não vamos ligar o foda-se para vocês”. “Ou eles abrem o mercado para nós, Mercosul, nós, os argentinos… ou eles vão ficar irrelevantes para nós”, acrescentou.

Após a declaração, sem citar Guedes, a embaixada da França em Brasília disse, em publicação em redes sociais, que o país europeu é a terceira economia que mais investe no Brasil, com mais de mil companhias empregando quase 500 mil brasileiros.

 

(Reportagem adicional de Isabel Versiani)

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