Comprado pelo Facebook em 2014 por US$ 19,2 bilhões, o WhatsApp ainda não rendeu um centavo sequer à companhia de Mark Zuckerberg, apesar de ser altamente popular, tendo 120 milhões de usuários somente no Brasil. Essa realidade pode mudar nos próximos meses, pois o aplicativo de mensagens deve começar a oferecer serviços a empresas.

Segundo Brian Acton, cofundador do WhatsApp, alguns testes neste sentido já são feitos no Brasil, com pequenas e médias empresas. “Pequenos negócios precisam de uma boa plataforma para lidar com clientes”, disse Acton ontem, em entrevista ao Estado.

Segundo o executivo, as empresas poderão ter perfis especiais dentro do aplicativo. Por exemplo: uma pizzaria poderá ter em seu perfil informações como horários de funcionamento, endereços e preços das pizzas, enquanto reservas e recibos poderão ser enviados diretamente pelo aplicativo.

Essa longa busca por uma opção para gerar receita tem a meta de fugir da forma adotada por boa parte dos aplicativos e redes sociais: a venda de publicidade. “A última coisa que quero é inserir qualquer forma de propaganda no WhatsApp”, afirmou.

Em sua primeira visita ao Brasil, o executivo tentará resolver uma questão jurídica. Vai participar hoje no Supremo Tribunal Federal (STF) de uma audiência pública que discute os bloqueios judiciais ao WhatsApp no País. “Quero mostrar o que podemos e o que não podemos fazer pelo governo e explicar o uso de criptografia”, disse.

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:

O WhatsApp foi comprado por bilhões, mas ainda dá prejuízo. Como o app vai gerar receita?

Vamos definir isso nos próximos 18 meses. Por enquanto, estamos fazendo testes de produtos para pequenos e grandes negócios, inclusive no Brasil. No ano que vem, vamos experimentar como cobrar por eles, de forma que o WhatsApp continue sendo relevante para os usuários. A última coisa que quero é inserir qualquer forma de propaganda no WhatsApp.

O que vocês podem oferecer para um comércio local, por exemplo?

Pensamos em oferecer perfis especiais para as empresas. Ter um número de telefone não é suficiente para dar identidade ao negócio. Cada empresa terá um perfil próprio, com informações, como cardápio e horas de funcionamento. Além disso, vamos criar uma área de pesquisa no aplicativo: nela, o usuário poderá pesquisar restaurantes ou lojas em sua região. A ideia é que a conversa sempre comece pelo usuário. Estamos trabalhando para que uma empresa não possa falar com um usuário que nunca conversou com ela. Odeio spam e quero trabalhar para evitar isso.

O sr. está no Brasil para tratar dos bloqueios do WhatsApp pela Justiça. Qual é a posição da empresa sobre o tema?

Temos diálogo aberto com as autoridades. Melhoramos nosso relacionamento com o Brasil. Um exemplo é o sistema de coleta de IPs (identidade do aparelho) dos nossos usuários brasileiros. Começamos a guardar esses IPs de acesso por pelo menos seis meses, como pede a lei brasileira. Podemos construir sistemas assim, mas precisamos olhar caso a caso para entender o que podemos fornecer às autoridades. Além disso, contratamos no ano passado um time de advogados no Brasil, o que tem tornado as coisas mais fáceis para nós.

O WhatsApp diz não ter acesso ao conteúdo das mensagens.

Exato. Não temos nenhum acesso ao conteúdo de mensagens, assim como o governo e o Facebook. Ninguém tem. Foi uma escolha nossa: só precisamos guardar as mensagens dos nossos usuários até elas serem entregues. É tanto uma questão de segurança quanto econômica. Assim, não precisamos gastar com servidores para armazenar as mensagens. Se um usuário deletar uma mensagem, ela nunca mais vai estar disponível. Hoje, só temos acesso a alguns dados, como os endereços IP.

Vocês poderiam isolar o conteúdo das mensagens de uma conta com IP específico, caso a Justiça peça isso?

Não. Não conseguimos ter acesso ao conteúdo das mensagens, porque usamos criptografia de fim a fim. Mesmo que nós tivéssemos o IP e o telefone do usuário, não poderíamos ter acesso às mensagens. Esse é o meu trabalho amanhã: explicar a criptografia. Espero que os juízes sejam capazes de entender a importância disso.

Que providência o Facebook tomou para que Messenger e WhatsApp não se canibalizem?

A maioria dos usuários usa vários aplicativos. Eles têm usos específicos para o WhatsApp e o Facebook Messenger. Não queremos mudar isso ou unir os dois aplicativos em um só. O WhatsApp é construído em torno de um número de telefone, enquanto o Messenger usa perfil do Facebook. Na hora de atender o mercado corporativo, no entanto, a história é outra. Isso porque as empresas precisam de uma experiência unificada, para que os empreendedores e seus funcionários não precisem lidar com vários canais de comunicação ao mesmo tempo.

O sr. crê que vamos parar de digitar mensagens no WhatsApp, à medida que o tempo passa?

O usuário brasileiro adora as mensagens de voz. Muito. Só entendi isso quando cheguei aqui no Brasil e vi as pessoas falando com seus telefones. Mas acho que há espaço para texto e para áudio. O texto é silencioso, o que tem suas vantagens, especialmente em ambientes corporativos. Um pedido frequente que recebo é a transcrição de mensagens em áudio em texto, para que elas possam ser respondidas durante reuniões. Há desafios que teríamos de enfrentar para fazer isso, mas seria uma função útil.

Hoje, o Brasil concentra 10% dos usuários do WhatsApp no mundo. O aplicativo também entrou no imaginário coletivo: “vem de zap”, por exemplo, é hoje uma expressão usada por jovens brasileiros para dar início a um flerte – ou algo mais. Como o sr se sente fazendo parte da vida cotidiana das pessoas?

Tecnologia e cultura estão muito ligadas nos últimos cem anos. Pense em telefone, televisão, internet, computadores… Mas a condição humana não mudou. Os seres humanos querem conversar, se relacionar, e claro “flertar ou algo mais” (risos). A tecnologia ajuda nesse ponto. Fico feliz que o WhatsApp reduza distâncias.