São 18h da quinta-feira 9 e os banqueiros André Esteves e Persio Arida sobem ao palco do hotel Sheraton em Porto Alegre. Os dois estão na capital gaúcha queimando sola de sapato, gastando saliva e prospectando clientes para o BTG Pactual, hoje o maior banco de investimentos da América Latina. 

 

Falam a uma plateia de empresários e investidores, como se fossem apenas dois vendedores. Quem os visse naquele encontro, sem nenhum pompa, não imaginaria que ambos haviam acabado de cruzar os salões mais luxuosos do mundo para fechar um negócio épico, anunciado apenas três dias antes. 

 

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André Esteves, controlador do BTG Pactual

 

Por US$ 1,8 bilhão, um consórcio formado pelos três maiores fundos soberanos globais – os da China, de Cingapura e de Abu Dhabi, nos Emirados Árabes – e por algumas dinastias poderosíssimas, como as famílias Rothschild, Agnelli e Santo Domingo, havia acabado de adquirir 18% das ações do banco BTG Pactual. 

 

Isso significa que o banco, que ainda não completou três anos de vida, já vale US$ 10 bilhões. André e Persio, certamente, poderiam estar saboreando a vitória. Mas preferiram não cancelar o compromisso gaúcho. 

 

“Quem me garante que a próxima fortuna global não está nascendo neste instante em Porto Alegre?”, disse Esteves à DINHEIRO, pouco antes de iniciar sua palestra. “Nossa cultura é de muito trabalho; não tem descanso.”

 

Pela primeira vez em sua história, o BTG Pactual reuniu alguns de seus principais sócios para um encontro com uma publicação. O objetivo: revelar os detalhes e as minúcias da peculiar cultura da instituição (aviso aos navegantes: se alguém quiser copiá-la, é de graça e eles nem se importam).

 

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“Se outros fizerem o que fazemos, teremos boas empresas e melhores negócios pela frente”, diz Esteves. Dessa mesa-redonda, participaram Persio Arida, chairman do banco e um dos “pais” do Plano Real, Roberto Sallouti, o COO (chief operational officer, uma espécie de diretor-geral), Marcelo Kalim, o chefe dos comitês executivos no Brasil e no mundo, Antônio Carlos Porto, um sócio sênior, e Claudio Galeazzi, um notório reestruturador de empresas, recrutado recentemente.

 

Aos 70 anos, Galeazzi se juntou ao time justamente em função da cultura do banco. “Vim porque acredito na meritocracia”, diz ele. “E sei que isso pode ser levado às empresas do setor real da economia.” 

 

Em dois anos, o BTG comprou diversas empresas – de hospitais a estacionamentos e postos de gasolina. E a missão de Galeazzi é transportar a cultura do banco a essas companhias.

 

Se uma única frase das que foram ditas em três horas de mesa-redonda pudesse resumir essa cultura, talvez a mais simbólica tenha sido lapidada por Persio Arida. “O egoísmo é irracional”, disse ele.“Ganha mais dinheiro quem divide e distribui riqueza.” 

 

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Persio Arida, o chairman: ”O egoísmo é irracional. Ganha mais dinheiro quem sabe dividir a riqueza”

 

Persio dá como exemplo a contratação de Galeazzi. Para que o homem que ajudou a recuperar empresas como o Pão de Açúcar viesse a integrar o time do banco, os sócios tiveram de abrir mão de parte de suas ações. 

 

“Diluímos nossa participação, mas ganhamos muito mais”, diz Arida. Bem ali ao lado, Galeazzi fez questão de logo emendar. “Mas nada aqui é dado de graça. Eu estou comprando as minhas ações”, afirma. 

 

Outro que chegou recentemente foi José Luiz Acar Pedro, ex-Bradesco. “A regra aqui é contratar só craques”, diz Antônio Carlos Porto, ex-BCN, chamado carinhosamente no mercado de Totó. 

 

Segundo Esteves, o banco que atrai sócios e promove talentos se multiplica com mais rapidez. Ganha o que ele chama de “escalabilidade”. E a multiplicação, de fato, tem ocorrido.

 

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O Pactual havia sido vendido por Esteves ao banco suíço UBS por US$ 3,1 bilhões em 2006. Na crise de 2008, os suíços colocaram os ativos à venda e a turma de Esteves decidiu recomprar o banco pagando menos: cerca de US$ 2,5 bilhões. Hoje, o banco vale quatro vezes mais.

 

Dos suíços, o único que talvez não se arrependa da venda é Huw Jenkins, que faz parte do grupo de acionistas do banco. Atualmente, o BTG Pactual tem cerca de 50 sócios, dentro de um universo de 1,1 mil funcionários. Pode parecer pouco, mas a questão é que qualquer pessoa ali dentro sabe que pode vir a integrar esse grupo seleto – além disso, todos recebem bônus generosos. 

 

“Aliás, se não tiver essa ambição, não serve para trabalhar conosco”, diz Marcelo Kalim. E a percepção de que todos são iguais dentro da instituição está em cada detalhe. Os cartões de visita, por exemplo, não indicam a posição de ninguém. Apenas nome, telefone e endereço. 

 

Na distribuição de espaços, há mais doses de simbolismo. Os cinco principais sócios – Esteves, Arida, Sallouti, Kalim e Totó – sentam-se próximos uns aos outros, rodeados por outros executivos do banco. Nenhum tem sala ou qualquer privilégio especial – nem mesmo uma mesinha maior. 

 

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Com o aporte dos fundos soberanos de Cingapura, da China (comandado 
pelo Partido Comunista) e de Abu Dhabi, o BTG Pactual se torna um banco global

 

E quando eles querem se reunir, basta virar as cadeiras. Persio Arida lembra que, nos bancos de investimento dos Estados Unidos, há uma simbologia na direção inversa. Os escritórios que indicam prestígio são os “corner offices” – os que ficam nos cantos dos edifícios. 

 

Ou seja, para chegar aos chefes, é preciso atravessar longos corredores, em geral ladeados por obras de arte caríssimas – no BTG Pactual, não há uma única tela nas paredes. Arida conta até que uma vez visitou o Bear Stearns, em Nova York, e ficou impressionado com o desenho do prédio. 

 

Havia várias pontas nos andares, como se aquilo fosse um monumento ao modernismo. Na prática, era apenas algo criado para atender à altíssima demanda por “corner offices” – com chefes demais, o Bear Stearns quebrou.

 

Há também um outro fator que distingue o BTG Pactual dos bancos de investimento tradicionais, especialmente dos norte-americanos. Trata-se da expressão “alinhamento de interesses”. O que isso significa? Roberto Sallouti, o COO, explica. “Todo o nosso dinheiro está aqui”, diz ele.

 

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“E nos fundos em que há dinheiro de investidor também há dinheiro nosso”. Ou seja: o interesse do dono é idêntico ao do cliente – há muitas instituições em que o dinheiro dos sócios está em um fundo, enquanto o dos demais investidores é aplicado em outros. 

 

No BTG Pactual, o alinhamento reforça a confiança. E a maior demonstração de que isso vai além do discurso aconteceu em 2008. Naquele ano, os sócios já tinham acumulado um vasto patrimônio com a venda do Pactual ao UBS – alguns já eram até bilionários. 

 

Em vez de simplesmente desfrutar la dolce vita, decidiram colocar tudo de volta na recompra do banco. E como são diretores estatutários, de acordo com a lei brasileira eles responderiam, com todos os bens, numa (apenas hipotética) insolvência da instituição – no primeiro trimestre deste ano, o banco lucrou R$ 336 milhões. “Eu perderia até minha casa”, diz Sallouti.

 

Como é público e notório que os sócios do BTG Pactual farão de tudo para multiplicar ainda mais o capital que já acumularam, a venda dos 18% do banco para os fundos soberanos e as famílias de bilionários globais foi relativamente simples. 

 

“Aconteceu em seis meses”, diz Kalim. “E nenhum dos membros do consórcio se conhecia previamente.” Com os recursos e os relacionamentos construídos, o banco poderá, efetivamente, se transformar num titã com escala global. Basta descrever os sócios. 

 

A família Agnelli é dona, por exemplo, da Fiat, hoje comandada por John Elkann, neto do fundador. Os Rothschild foram uma dinastia de banqueiros com mais de 200 anos de história – e que ajudaram a financiar as guerras napoleônicas. Julio Santo Domingo é o homem mais rico da Colômbia – um país que, segundo Arida, “já está acontecendo”. 

 

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E os fundos soberanos são os mais poderosos do mundo – com mais de US$ 2 trilhões em ativos. Vinculados aos governos da China, de Cingapura e do mais rico emirado árabe, eles podem abrir portas em várias regiões do mundo. “Queremos nos consolidar como a maior plataforma de banco de investimento em países emergentes”, diz Sallouti.

 

Para quem conhece a ambição, a história e a cultura do Pactual, parece pouco. Na primeira entrevista que concedeu em toda a sua vida – à DINHEIRO, logo após a venda ao UBS –, André Esteves revelou qual era seu sonho. “Um Brasil em que, no futuro, suas empresas possam comprar seus concorrentes lá fora”, dizia. 

 

Ele se referia à Natura, cujo IPO havia sido feito pelo Pactual. À época, o valor de mercado da companhia brasileira de cosméticos era uma fração do valor da Avon. 

 

Hoje, ambas valem a mesma coisa e, numa eventual fusão, os dois grupos teriam o mesmo peso. No mundo dos bancos de investimento, quem está no topo é a Goldman Sachs, avaliada em US$ 80 bilhões, oito vezes a mais do que o BTG Pactual. Mas será que existe um teto para a turma de André Esteves e Persio Arida? “Não enxergamos limites”, diz o sócio Kalim.