01/10/2003 - 7:00
DINHEIRO ? O sr. tem defendido a tese de que a elevação da taxa de juros no Brasil provoca inflação…
JOAQUIM ELÓI DE TOLEDO ? É a pura verdade. No Plano Verão de 1989 o governo pagou juros reais acima de 90% ao ano e a inflação explodiu. Será que explodiu apesar dos juros altos? Não, explodiu por causa dos juros altos. A dívida pública cresceu explosivamente e deixou claro para todo mundo que algo estranho seria feito. Na época eu já dizia que a elevação dos juros não fazia sentido.
DINHEIRO ? Mas desde então lá se vão 20 anos e o BC continua pagando uma taxa de juros imensa. Por quê?
TOLEDO ? Porque se acredita que, frente à situação de inflação, não importa qual a taxa de juro que já se tenha, deve-se praticar taxas de juros ainda mais altas. Acha-se que é assim que se faz política monetária. Isso foi tentado no Plano Verão e não deu certo. Foi tentado também quando o Marcílio (Marques Moreira) era ministro, em 1992. Naquela época praticou-se juros terrivelmente elevados e o máximo que se conseguiu foi estabilizar a inflação em 20%. Ao mês, sempre com grande custo em termos de dívida pública. É o juro jabuticaba: o Brasil é o único país do mundo que paga essa taxa de juros absurda e nós é que estamos certos. Todos os países que têm taxas menores estão errados.
DINHEIRO ? Mas há justificativas. Dias atrás o Pérsio Arida, um dos economistas de maior prestígio do País, fez um discurso afirmando que o patamar natural de juros no Brasil é mais elevado que em outros países…
TOLEDO ? O Pérsio está errado. Não é assim e há muitos exemplos. Quando o BC surpreende o mercado e reduz a taxa de juros além do esperado, cai o risco Brasil e cai a taxa de câmbio. Por quê? A única explicação é que a alta taxa de juros induz uma percepção de risco. Portanto, quando o BC reduz a taxa de juros ele reduz o risco na economia, reduzindo a taxa de câmbio e a inflação. Dizer que não podemos diminuir os juros senão a inflação acelera é absolutamente contraditório com os fatos.
DINHEIRO ? Mas o BC elevou a taxa de juros no final do ano passado, por causa da eleição, e aos poucos a inflação caiu. Isso mostra que o remédio funciona.
TOLEDO ? Não mostra, não. Quando a taxa de inflação subiu foi porque o câmbio subiu fortemente. Quando caiu, também. O fator relevante foi o câmbio. E o que levou o câmbio para cima ou para baixo foi o risco Brasil. Quando o risco Brasil sobe, o câmbio sobe. Quando ele cai, o câmbio cai. E o risco está em queda desde outubro de 2002. Passado o temor sobre o Lula o risco entrou em queda e tem caído deste então. O fator determinante da inflação brasileira foi o câmbio, que é comandado pelo risco Brasil. Mas será que a taxa de juros reduziu o risco Brasil? Não. O que reduziu o risco Brasil foi o que o governo não fez. Achava-se que ele faria um monte de loucuras e ele não fez.
DINHEIRO ? Então o sacrifício monetário desde o final do ano passado foi inútil?
TOLEDO ? Não inteiramente, porque ele talvez tenha servido como um sinal de que o governo faria uma gestão sensata. Foi a homenagem que o governo teve de pagar à falta de compreensão de múltiplos agentes do mercado.
DINHEIRO ? Qual a seu ver é o juro possível no Brasil?
TOLEDO ? A gente deveria olhar o exemplo internacional. Nos Estados Unidos e na Europa a taxa de juro tem sido de 2 a 3% reais ao longo do século. O Chile paga dois pontos porcentuais acima disso, como o Brasil pagava na década de 20. O México paga um pouco acima do Chile. Mas nós estamos pagando sete pontos porcentuais e achando que isso é uma beleza. Uma das razões pelas quais o risco Brasil não cai é que toda vez que chega em 700 o governo emite novos títulos. É claro que isso estabelece um piso. Ele dá sinais à economia de que essa é a taxa que ele considera adequada. Mas nós deveríamos olhar o resto do mundo. O Chile fez moratória e paga pouquíssimo. A Rússia fez uma moratória recente e paga menos que o Brasil.
DINHEIRO ? Mas o País não precisa de juros altos para atrair o capital externo?
TOLEDO ? Isso não funciona assim. Vou dar um exemplo microeconômico. Quando eu vim para a Nossa Caixa, em 1995, tínhamos taxas de remuneração de depósitos muito elevadas. Eu reduzi e muito gente previu que os investidores fugiriam. Mas a verdade é que os depósitos aumentaram. Logo depois eu falei desse assunto com o presidente do Lloyds do Brasil e ele fez o seguinte comentário: ?Eu sei que vocês reduziram as taxas. Por isso meu banco agora está fazendo aplicações com vocês. Antes vocês pagavam demais?. É isso. O banco que paga muito, assim como o país que paga muito, fica mal visto, atrai desconfiança, perde aplicadores. Pagar juros demais não é uma boa política.
DINHEIRO ? Quanto deveria ser a Selic, a taxa de juro básica do Banco Central?
TOLEDO ? Olhando a projeção do mercado para a taxa de juro, ela está em torno de 18% ao ano, considerando uma inflação de 6%. Isso dá uma taxa de juro real acima de 11% ao ano. Mas estou convencido que a nossa taxa de juros real pode ser coisa de 4, 5 ou 6% ao ano. Temos, portanto, um espaço mínimo de queda de 5 pontos sem nenhum problema para a economia. Ao contrário, porque a redução dos juros reduziria o custo fiscal, faria com que a dívida pública entrasse em queda rápida, sinalizaria para os investidores que não há problema de crescimento explosivo da dívida.
DINHEIRO ? Então o sr. receita uma redução drástica da taxa de juros?
TOLEDO ? Não, eu recomendo uma redução drástica paulatina. Vai reduzindo devagar, mas com uma grande queda final. Se pensarmos que no fim deste ano teremos uma expectativa de inflação de 5% para os próximos 12 meses, a taxa de juros poderia ser de 12% no final de fevereiro. Pode até se alongar um pouco mais essa queda. O erro está em dizer que abaixo de 9% ou 10% reais não pode ser. Pode sim. Olhe todos os países em volta.
DINHEIRO ? Não existe um tipo de veto político à redução de juros? Afinal, há
um vasto setor da economia ganhando dinheiro às custas de transferência de renda do Estado…
TOLEDO ? Acho que a coisa é mais simples. Se o governo reduzir a taxa de juros ninguém irá provocar uma contra-revolução. A economia irá se adaptar e conviver com juros menores. É evidente que isso terá efeito sobre a distribuição de renda. Muita gente que está acumulando riqueza rapidamente com aplicação financeira vai acumular menos, mas não haverá movimento orquestrado contra. Não é como desapropriar fazendas, que faz tremer toda a sociedade. Vendem aos brasileiros a idéia de que não se pode baixar as taxas de juros. Isso é um mito, uma espécie de Saci Pererê.
DINHEIRO ? O que o sr. acha da declaração do ministro José Dirceu, de que o Congresso teria de intervir se os bancos não reduzissem os juros seguindo a queda de Selic?
TOLEDO ? Há pelo menos duas coisas envolvidas. A primeira é que houve um discurso enganoso, feito por especialistas, garantindo que o governo, se fosse bom aluno e seguisse uma certa receita de bolo, seria recompensado. Mas as coisas não acontecem bem assim. Por melhor aluno que você seja, a recompensa não é garantida. A receita do bolo pode ser ruim e isso causa decepção. Afinal as coisas não estão caminhando tão bem e nem tão rápido como o governo gostaria. A outra leitura da fala do ministro é que ela põe um pouco de pressão sobre os bancos, tenta induzi-los a serem mais cautelosos com os juros, insinuando que o governo pode instituir novas regras. A minha leitura é que o governo está incomodado com algumas taxas de juros do sistema bancário e deu um sinal político. Mas não acho que vá tomar nenhuma medida específica, legal, formal. Isso já foi tentado pelo (ex-ministro Antônio) Delfim Netto, na década de 70 e, como sempre acontece, criaram-se dezenas de formas para fugir à regulamentação. É bobagem acreditar que por uma mera ordem se obtém o que se deseja na economia.
DINHEIRO ? Qual é o limite à expansão do volume de crédito
no Brasil?
TOLEDO ? Neste momento faltam bons tomadores. É absolutamente falso que os bancos não se interessam em dar crédito porque já estão ganhando com os papéis do governo. Mas quando você tem taxas de juros elevadas, como nós tivemos sistematicamente no Brasil, coisas como o crédito habitacional, que é comum no mundo inteiro, ficam distorcidas. Nos EUA é razoável dar crédito contra a garantia de uma hipoteca, porque o imóvel sempre vai valer mais do que a dívida e o tomador nunca vai ter interesse em deixar de pagar. Mas no Brasil, com a taxa de juro elevada, é muito comum que no meio do caminho a pessoa fique sem condições de pagar ? ou que a dívida fique maior que o valor de mercado do imóvel. Aí o mutuário pára de pagar. O nível da taxa de juros mata um setor inteiro de mercado.
DINHEIRO ? As margens de lucros dos bancos brasileiros, quando comparadas aos bancos estrangeiros, são excepcionais, não são?
TOLEDO ? A taxa de lucro normal do sistema financeiro no Brasil é de 17 a 20% ao ano. Em alguns momentos extraordinários, quando se teve muita turbulência, ela ficou mais favorável ao banco. Mas é absurdo dizer que todo o resto da economia tem uma taxa de lucro minúscula e que só os bancos ganham muito. Basta olhar em volta. Outro dia li uma história sobre um empresário do setor de comércio que começou com uma lojinha nos anos 90 e hoje tem 50 lojas. Será que em 13 anos alguém acumula um capital desses tendo um lucro minúsculo? Pegue a história de algumas das fortunas brasileiras atuais e veja o que elas eram na década de 60 ou 70. Como alguém podia não ter nada há 30 ou 40 anos e hoje ser bilionário se as margens de lucros fossem pequenas?
DINHEIRO ? Qual é a verdade, então?
TOLEDO ? Na realidade, a taxa de lucro de toda a economia brasileira é bastante elevada.
DINHEIRO ? Se os bancos ganham com os juros altos e o resto da economia se adapta, quem perde?
TOLEDO ? Perde o trabalhador, evidentemente. Se a taxa de juros é muito alta o poder de compra dos salários tem de ser baixo. Isso é conhecido. Quem paga a conta final da taxa de juros é o trabalhador, que é simultaneamente consumidor.