No início dos anos 90, os executivos da Caterpillar no Brasil foram colocados diante de uma escolha. Ou ganhavam produtividade ou as portas da subsidiária local poderiam ser fechadas. A primeira opção, claro, foi a eleita. A empresa superou a herança do atraso provocado pelo mercado fechado, investiu em produtividade e tornou-se o centro global de produção de dois modelos de motoniveladoras. Hoje, os produtos são vendidos para 120 países, garantem uma receita de US$ 450 milhões à Caterpillar e fizeram da filial brasileira o centro de excelência no desenvolvimento e produção desses equipamentos. ?Somos imbatíveis nos custos e na tecnologia e, por isso, ganhamos o mundo?, diz João Carlos Maranha, diretor de operações e desenvolvimento da Caterpillar.

Tome-se a frase de Maranha, coloque-a na boca de um executivo da Wallita, Ford, Siemens, Xerox e outras dezenas de empresas e ela continuará válida. Aos poucos, mais e mais multinacionais estão transformando o território brasileiro em base de fabricação e exportação de seus produtos para todo o mundo. Não se trata de mero modismo ? na realidade, pode estar aí o espaço que cabe ao Brasil no latifúndio da globalização. Poderia ser um espaço maior, muito maior, pondera Ricardo Gomez, sócio da PricewaterhouseCoopers. ?Os altos custos nos portos, a burocracia para exportar e a logística deficiente ainda inibem muitos investimentos?, diz ele. ?Os exemplos dessas empresas poderiam ser multiplicados às centenas, se esses obstáculos fossem removidos. Por causa deles, esses casos ainda são uma exceção e não a regra, como ocorre nos países asiáticos.?

Mesmo assim, o Brasil apresenta vantagens capazes de seduzir grandes corporações internacionais. O mais recente caso é o da alemã BS. Fabricante dos eletrodomésticos com a marca Continental, a empresa transformou sua unidade de produção de freezers comerciais em uma companhia independente, a Metalfrio. Será a única a produzir esse tipo de produto no mundo. ?A independência nos dará flexibilidade para atender mercados em qualquer parte do planeta?, diz Luiz Eduardo Caio, presidente da Metalfrio. Os freezers made in Brazil já podem ser encontrados na Argentina, Uruguai e Bolívia. O passo mais ambicioso, porém, será dado a partir de maio com a exportação para os Estados Unidos.
Até 2003, Caio espera despachar para bares e armazéns americanos cerca de 25 mil máquinas. ?Não foi à toa que a  Bosh-Siemens nos escolheu?, diz Caio. ?Estávamos prontos para nos tornarmos globais.?

Há muitos atrativos para empresas como a Bosh-Siemens. Em primeiríssimo lugar está o item custo. As motoniveladoras da Caterpillar custam 15% menos do que se fossem fabricadas em qualquer outra parte do mundo. A Xerox também se sensibilizou com esse argumento. A unidade brasileira tornou-se a única do grupo a produzir equipamentos para grampear e separar cópias reproduzidas nas máquinas Xerox. Essa atividade foi responsável pelo faturamento de US$ 100 milhões no ano passado, dos quais 45% vieram de contratos com o exterior. ?Fabricamos aqui no Brasil porque conseguimos os menores custos?, diz João Batista Borges, diretor-executivo de operações industriais da Xerox.

Raramente uma multinacional monta uma estrutura aqui para atender apenas clientes de fora. ?A existência de um mercado consumidor gigantesco como o brasileiro é necessário nessa estratégia?, afirma Gomez. ?Isso garante escala e uma espécie de escudo contra o vaivém do mercado internacional.? É o caso da Wallita, controlada pela gigante holandesa Philips. A empresa é a única do grupo a fabricar alguns tipos de liqüidificadores. Da linha de produção, localizada em Varginha (MG), eles são exportados para países da América Latina, Europa e Ásia. ?Escolhemos o Brasil porque aqui é onde mais se usa esse tipo de equipamento, por conta do clima tropical, que incentiva o consumo de vitaminas?, diz Nelson Kenso, gerente industrial. Cerca de 35% da produção de 5,5 milhões é despachada para fora do Brasil. O pessoal de Kenso aprendeu tanto sobre essa área que agora exporta esse conhecimento. Unidades da Philips na China e na Indonésia fabricam modelos desenvolvidos por técnicos brasileiros. A mais recente novidade foi uma versão digital, capaz de escolher a velocidade das lâminas mais adequada para este ou aquele tipo de suco ou vitamina.

Na hora de espalhar sua produção pelo mundo, multinacionais como a Philips farejam outras vantagens, além da força do mercado consumidor. A proximidade de fontes de matérias-primas e uma boa rede de fornecedores também pesam, e muito, na escolha. ?É um fator essencial para manter os custos competitivos?, argumenta Gomez, da PricewaterhouseCoopers. Quando concentrou a montagem do utilitário Courrier em sua planta de São Bernardo do Campo, a Ford levou em conta esses dois fatores. ?Aqui, temos do aço às autopeças e isso foi fundamental na decisão de fabricar o veículo só no Brasil?, explica Arnaldo Brazil, gerente de importação e exportação. A caminhonete, equipada com motor 1.6 e capacidade de 700 quilos, roda hoje em ruas e estradas de diversos países sul-americanos e até no México. Desde 2000, mais de 13,3 mil unidades foram enviadas para essas localidades e sua fabricação é feita unicamente no Brasil.

As múltis só aceitam ungir o Brasil como pólo mundial de produção no caso de setores fortemente desenvolvidos internamente. ?Assim, eles sabem que os investimentos em tecnologia sempre continuarão acontecendo, por uma questão de necessidade?, lembra Gomez. Por exemplo: ao longo da década de 70, os investimentos na área de energia elétrica criaram por aqui o que os consultores chamam de ?centro de excelência?, ou seja, profissionais supertreinados, conhecimento de como produzir, capacidade de resolver problemas na área, entre outras habilidades. Por isso, quando se casaram mundialmente, a alemã Siemens e sua conterrânea Voith escolheram São Paulo como sede da nova empresa. Aqui, as duas fabricam turbinas e geradores para equipar hidrelétricas de todo o mundo. A unidade foi um dos três fornecedores selecionados para a usina de Três Gargantas, na China, a maior hidrelétrica do planeta. Mais: a Siemens-Voith participará da montagem da usina chinesa. ?É um novo conceito?, explica Adilson Primo, presidente da Siemens do Brasil. ?Não somos mais meros fornecedores de equipamentos e isso é decisivo na hora de disputar os projetos.? No ano passado, a Siemens-Voith gerou negócios da ordem de US$ 230 milhões, dos quais 30% entraram pela porta do mercado externo ? uma porta que o Brasil pode transformar na grande saída para solucionar o problema de sua claudicante balança comercial.