Comemorado em 17 de abril (data em que publico este texto), o Malbec Day tem sido assunto de boa parte da mídia especializada em vinho ao longo da última semana. Por isso mesmo, meu assunto aqui é outro: um vinho feito com uva branca, cultivada no Chile por um produtor brasileiro. Trata-se do Avid Sauvignon Blanc 2016, que David Giacomini produz em sua “boutique” La Recova Vineyard, situada em um dos pontos mais frios do Valle de Casablanca, a Quebrada del Pulgar, no setor de Las Dichas. Pelo quinto ano consecutivo, o rótulo foi eleito entre os 100 melhores chilenos pelo crítico e Master of Wine Tim Atkin, que nesta safra o considerou “impressionante”. “Além da boa pontuação, o que me deixou feliz foi o comentário”, afirma o produtor de 47 anos que não é enólogo e sim engenheiro de produção — e divide seu tempo entre os cuidados com os vinhedos, a vinícola e o trabalho como gerente de contratos em uma companhia japonesa do setor de navegação oceânica. O Avid 2016 obteve 91 pontos no guia “Best of Chile 2019” e a seguinte descrição de Atkin: “Mineral e tenso, com um frescor pedregoso, notas de salsinha e endro, e um final longo que dá água na boca.”

Ainda que a modéstia de David o leve a insistir em dizer que “quando se tem uma boa uva, o vinho será bom”, chegar a esse resultado não foi tão simples assim. A história começou em 2003, ano em que escolheu o terroir para o projeto que seria seu “plano B”: uma ocupação para depois de se aposentar. As videiras foram plantadas em 2005, com altíssima densidade (9,8 mil plantas por hectare, mais que o dobro da média no Chile), como fazem alguns dos grandes châteaux de Bordeaux, na França. “Uma videira feliz não dá bom vinho”, afirma David. “Ela produz uvas de melhor qualidade quando está estressada, brigando por nutrientes.” Em seu vinhedo, elas também disputam água, já que a irrigação que David adota equivale a menos da metade do que se usa na região. “O resultado é uma uva pequena e muito concentrada. Colhi bem menos do que poderia. Como minha preocupação é com a qualidade, preferi menor volume.” A primeira safra foi em 2010, com toda a produção vendida para a vinícola Viu Manet, que usou a Sauvignon Blanc da La Recova como componente do rótulo Secreto. A partir de 2015, último ano em que forneceu para a Viu Manet, a produção passou a ser toda vinificada por ele mesmo, nos dois contêineres em que instalou seus tanques de inox e, mais tarde, de cimento, em formato de ovo, muito usados por seguidores da produção orgânica e biodinâmica.

O rótulo foi chamado D, de David. O nome precisou ser mudado quando outra vinícola enviou uma notificação dizendo que o nome já estava registrado. Depois de uma negociação, chegaram a um acordo: a parte litigante concordou em fazer uma doação para um projeto social e David rebatizou seu vinho com o nome Avid (David sem D). A produção atual fica entre 10 mil e 15 mil garrafas por ano. “O Sauvigon Blanc de clima frio tem uma expressão aromática maravilhosa. Aqui eu tenho o clima mais frio do Valle de Casablanca. Morando na vinícola, adquiri uma intimidade com as minhas uvas. Entendo o potencial dela, os detalhes de cada parcela do vinhedo”, afirma.

Essa dedicação, somada ao aprendizado constante (David é também Winemaker pela Escola do Vinho Miolo) fazem com que sua produção autoral mereça ser reconhecida não só pelo Master of Wine Tim Atkin, que adotou no Chile a mesma classificação dos vinhos de Bordeaux, como também pelo guia Descorchados (que atribuiu 92 pontos já na segunda safra do extinto D) e pelo crítico James Suckling (91 pontos). Hoje, contudo, David só apresenta seus vinhos a quem estiver disposto a beber com ele. “O Tim Atkin sempre foi muito generoso comigo e faz questão de provar meu vinho comigo.” Que mais críticos se disponham a fazer o mesmo e continuem dando ao Avid as devidas premiações.

O Sauvignon Blanc da Quebrada del Pulgar: de dar água na boca
O Sauvignon Blanc da Quebrada del Pulgar: de dar água na boca (Crédito:Divulgação)
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