Reviravoltas e desencontros não são surpresa em histórias de divórcio. Mas alguns casos vão longe demais. O gigantesco Bank of America, o segundo maior dos Estados Unidos, e seus antigos sócios no Banco Liberal, os banqueiros Aldo Floris, Antônio Carlos Lemgruber e Lauro de Luca, chegaram a ensaiar um fim amigável para a sociedade que os uniu no banco de investimento carioca. Mas a paz só durou até que um dos lados descobrisse a vida secreta que o parceiro levava, nos últimos anos do matrimônio. Quando os sócios brasileiros venderam sua parte de 30% e deixaram o Liberal, no início de agosto, os auditores do Bank of America fizeram uma verificação de rotina nas contas do banco. Levaram um susto. À primeira vista, a auditoria identificou um desfalque na casa dos US$ 30 milhões ? o que, traduzido para moeda nacional, significa quase R$ 80 milhões. Passadas algumas semanas, descobriu-se que o buraco total era ainda maior. Haviam desaparecido cerca de US$ 50 milhões.

Contas de ?laranjas?. As digitais encontradas nas operações suspeitas apontaram inicialmente para Lemgruber, economista célebre por ter presidido o Banco Central no governo Sarney. Floris e Luca, inicialmente poupados, não tardaram a entrar na linha de tiro dos investigadores. Depois de dois meses de trabalho, técnicos e executivos do Bank of America estão convencidos de que, no banco então comandado de perto por Floris, sócio nenhum teria como deixar tanto dinheiro se esvair sem que o outro se desse conta. Agora, estão todos sob suspeita. Procurados por DINHEIRO, Lemgruber, Floris e Luca preferiram não se manifestar. O presidente do Bank of America, Ian Dubugras, também declarou através de sua assessoria que não se manifestará sobre o assunto.

Fontes que acompanharam as investigações explicam que Lemgruber foi o primeiro suspeito porque era o responsável pela área internacional. O desfalque aconteceu através de transferências de dinheiro de contas do Liberal Bank ? uma empresa das Bahamas que pertencia ao Bank of America, mas que servia como veículo para o Liberal trazer dinheiro de investidores estrangeiros para o Brasil. As contas do esquema, em nome de ?laranjas?, ficavam no vermelho por algum tempo, mas depois eram cobertas com o uso de CDBs de outros bancos do Caribe. O detalhe é que os papéis, com números e timbres das supostas instituições emissoras, eram falsos.

Títulos falsificados. Transações assim foram feitas às centenas entre meados de 1999 e julho de 2001, época em que o Bank of America já controlava o capital do Liberal, mas ainda não tinha a gestão do banco (os americanos entraram como sócios em 1997). Os auditores deram com o rombo e encontraram a assinatura de Lemgruber nas autorizações para a maior parte das operações. O que eles não conseguiram achar foi uma boa explicação para que tamanho estrago passasse tanto tempo despercebido pelos controles do banco ? e, sobretudo, sem
que Lemgruber jamais fosse incomodado por Aldo Floris, que,
além de ter a maior participação acionária dentre os brasileiros,
era também o presidente.

O poder de Floris dentro do Liberal, segundo executivos que conheciam a casa, era total ? e ele fazia questão de exercê-lo em todas as áreas da instituição. ?O banco era gerenciado com mão de ferro?, sublinha uma fonte do grupo americano. ?Era como uma empresa familiar. Ele tinha contratos que lhe garantiam autonomia enquanto o controle não fosse todo passado para o Bank of America?. Fácil de entender. Floris comprou ele mesmo a antiga corretora Liberal, nos anos 70, transformou-a em banco de investimento, em 1990, e negociou com a instituição americana a lenta transição em seu controle, completada em julho. Estar no banco sem ter as rédeas era impensável para ele. Foi ele quem levou Lauro de Luca, em 1989, e depois Lemgruber, em 1992, como parceiros minoritários.

Chá de sumiço. Quando os três se preparavam para deixar o banco chegaram a cogitar a montagem de um novo negócio, juntos. Dois meses antes, porém, Lemgruber decidiu permanecer no banco. Seus ex-colegas montaram um escritório de negócios, onde compram e vendem participações em empresas e gerenciam a participação que Floris tem no controle da Vale do Rio Doce. Lemgruber ficou até 21 de agosto, quando os auditores do Bank of America convocaram uma reunião com Floris e Luca ? e relataram suas descobertas.

Daí para frente os três ex-sócios, depois de quase dez anos de convivência diária, se tornaram inimigos não declarados. Nunca mais se falaram ? mas não foi necessário. Nos contatos que eles e seus advogados mantêm com a equipe de auditoria, eles se acusam abertamente. ?Um aponta o dedo para o outro?, diz um executivo que acompanha o processo. Num coquetel na semana passada, Floris comentou a amigos que pretendia pôr Lemgruber ?na cadeia?. As acusações mútuas serviram para ampliar a área de alcance das investigações. Os auditores, com o apoio de um dos escritórios de advocacia com mais prestígio no mercado internacional, o Shearman & Sterling, de Nova York, já encontraram indícios de irregularidades em outras operações além das contas fraudadas nas Bahamas. As investigações parecem próximas do fim. Deverão estar concluídas até o fim do mês. O Banco Central do Brasil e o FED, seu equivalente nos Estados Unidos, foram informados das suspeitas e aguardam resultados. O Ministério Público anunciou, ainda na semana passada, que vai abrir inquérito sobre as denúncias.

Mesmo antes, porém, a vida de Lemgruber, o mais atingido, já entrou em pane. Apaixonado por cavalos, o ex-banqueiro começou a evitar as cocheiras de sua equipe de corrida, o Stud Rio Aventura, no Jockey Club Brasileiro, no Rio. Decidiu leiloar 80 de seus 150 animais e trocar a agitação social das corridas pela pacata criação de cavalos em um haras que arrendou em Bagé, no Rio Grande do Sul. Sua ausência é o assunto das últimas semanas no Jockey, onde ele freqüentava o círculo dos banqueiros ? com Júlio Bozano e José Carlos Fragoso Pires ? e consagrou-se por três vezes como dono da equipe campeã da temporada.