09/02/2005 - 8:00
Ao anunciar dias atrás um déficit orçamentário de US$ 427 bilhões para este ano, o governo do presidente George Bush mostrou ao mundo, dólar por dólar, que está cada vez mais profundo, largo e escuro o buraco na economia americana. E, por tabela, a do resto do mundo – Brasil incluído. A previsão da Casa Branca, feita oficialmente ao Congresso dos Estados Unidos, indica que a diferença entre o que a administração arrecada e gasta será pelo menos US$ 15 bilhões maior do que o consolidado no ano passado, um crescimento de quase 4%. Desconfia-se, porém, que Bush e sua equipe econômica estejam sendo propositadamente otimistas. Bancos centrais de diferentes países estimam que o déficit americano possa ir além de US$ 510 bilhões em 2005. Em matéria de contas, é certo que não há muitos motivos para confiar na atual gestão americana. Durante a campanha presidencial, em julho, Bush autorizou seus assessores a divulgar a cifra de US$ 331 bilhões para o déficit deste ano, o que representaria uma forte inversão na curva de gastos. Sabe-se agora que, em lugar de tapar o rombo, o presidente empunhou a pá para cavar mais fundo.
Para o Brasil, quanto mais o déficit americano aumenta, maior é o risco de fuga de capitais. A taxa de juros nos Estados Unidos, que era 1% há dois anos, já está em 2,25 %. ?A tendência natural do Federal Reserve é aumentar as taxas para remunerar melhor o capital necessário a cobrir o déficit orçamentário?, avalia o economista Carlos Langoni, ex-presidente do Banco Central. ?Isso pressiona o BC brasileiro a aumentar os juros aqui para não deixar que os recursos estrangeiros saiam em busca de maior retorno lá?. O problema só vai aumentar se os gastos da administração Bush não forem controlados. O cenário, neste caso, aponta para um aumento acentuado dos juros, a maxidesvalorização do dólar e o mergulho dos EUA numa recessão sem precedentes. ?O desempenho do dólar é preocupante?, registrou o ministro das Finanças da França, Herve Gaymard. Tensos, os representantes dos países mais ricos do planeta se reunirão este mês no G-7 e, desde logo, os americanos vão sofrendo cobranças. ?A portas fechadas, temos muito a discutir sobre isso?, afirmou o ministro alemão das Finanças, Hans Eichel.
O medo dos ricos é que o descontrole das contas americanas transforme o atual buraco orçamentário num túnel recessivo que encubra economias do mundo todo. Diante da magnitude do rombo orçamentário americano ? o maior desde 1980, representando perto de 3,5% do PIB ?, os economistas mais pessimistas alertam para o risco de perda de credibilidade do país. ?Se fosse um emergente, os Estados Unidos seriam candidatos a um programa do FMI?, ironiza Langoni. Somado ao déficit comercial, de cerca de US$ 600 bilhões, os Estados Unidos têm uma necessidade anual de financiamento externo de US$ 1 trilhão. Por enquanto, o país tem conseguido atrair esses volumes de capital graças ao que o general Charles De Gaulle chamava de ?privilégio extravagante? ? emitir títulos em dólar. Hoje, 60% do déficit são papéis em poder do mercado.
John Snow, secretário americano do Tesouro, se comprometeu a apresentar um plano para cortar o déficit pela metade até 2009, mas até agora nenhuma idéia foi colocada no papel. Ao contrário. O que se conhece é a disposição do presidente Bush de prorrogar sua política de cortes de impostos e manter em alta os gastos militares. Na previsão atual de quebra orçamentária já estão computados US$ 80 bilhões destinados à guerra no Iraque. A comissão de orçamento do Congresso americano divulgou que, se os cortes de impostos forem ampliados e prorrogados conforme Bush prometeu em palanque, o déficit orçamentário poderá atingir US$ 2 trilhões dentro de 10 anos. Os congressistas estimam em US$ 285 bilhões os gastos a serem feitos na cruzada americana contra o terrorismo nos próximos cinco anos. Um cenário econômico por todos os ângulos desastroso, quanto mais quando se sabe que, em 2001, ao assumir o governo das mãos do democrata Bill Clinton, Bush encontrou no caixa do Tesouro um superávit de US$ 236 bilhões.
Há, entretanto, quem enxergue na política de Bush um estímulo ao crescimento da economia americana. Argumenta-se que o crescimento médio do PIB do país, numa análise histórica, é de 4,4% em períodos de alto endividamento, contra 3,1% nas fases de contas controladas. Isso porque, segundo os defensores da atual política econômica americana, impostos menores estimulariam mais os empreendimentos do que o incremento das cobranças públicas à sociedade. A favor deles há o fato de os Estados Unidos, com seu PIB de quase US$ 12 trilhões, terem crescido 4% no ano passado e apresentado uma taxa de produtividade mais de duas vezes superior à dos países europeus. Números que estão longe de responder à pergunta objetiva que coloca os mercado sob tensão: quando o déficit americano vai parar de crescer?