O bairro da Mooca está localizado na fronteira entre a região central e a periferia da cidade de São Paulo. Meio século atrás, era uma área tipicamente operária, com muitos bares onde se podia encontrar cerveja, cachaça e o mais típico cardápio de botequim – do prato feito ao ovo colorido. Muitos deles continuam lá, vendendo exatamente a mesma coisa e recebendo os mesmos fregueses, como o jardineiro Márcio Guerra. Encostado no balcão do Toninho Lanches, na rua Taquari, Guerra veste uma calça e uma camisa de manga curta que foram bege e há muito tempo perderam a cor. 

 

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Bar Taquari: Castro Neves (à esq.), da Ambev, foi recebido por Dionísio, o dono do bar. 
Ele achava que o CEO da companhia era somente o chefe dos vendedores

 

Agora, são apenas manchadas e encardidas. Mal olhou o expositor de salgados cheio de linguiças fritas, coxinhas e esfihas. Olhou mesmo em direção à balconista Luciana Silva, e vagarosamente ergueu o indicador direito. 

 

Ela já sabia o que significava: por apenas R$ 1, Guerra iria tomar a segunda das oito doses de cachaça que bebe ali no boteco todos os dias. E ainda eram 8h45 da manhã. Bem atrás dele, o CEO da Ambev, o carioca João Castro Neves, 43 anos, num jeans marrom, camisa listrada azul e branca e mocassim marrom, acabava de colar sobre os azulejos amarelados da entrada um cartaz estampando uma sorridente foto do jogador Cafu. 

 

O título do cartaz dizia “A regra é clara: menor de idade não pode beber.” Foi o segundo bar que Castro Neves visitava nna quarta-feira 15, com mais oito pessoas de sua equipe, numa cruzada corporativa pelo consumo responsável de bebidas alcoólicas.

 

 

DINHEIRO acompanhou com exclusividade o percurso do CEO da Ambev, de bar em bar pelas ruas do bairro, e presenciou o esforço de Castro Neves em difundir o consumo responsável de bebidas alcoólicas justamente em um ambiente no qual ocorre a maior parte da venda de seus produtos. 

 

No primeiro bar, o Fica Esperto, o dono Lúcio Alcântara, contava os trocados no caixa sem se preocupar com o único cliente que cochilava, esparramado na cadeira de plástico. A chegada da equipe da Ambev interrompeu a calmaria que pairava no local.

 

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Assustado, Alcântara se surpreendeu com o séquito que acompanhava Castro Neves. Com ele, o diretor de vendas Eduardo França, o vice-presidente, Milton Seligman, mais o vendedor responsável pela área, assessores, um cinegrafista e dois fotógrafos. Alcântara, atordoado, saiu do balcão para receber o aperto de mão do homem que se apresentava como o presidente da empresa.

 

“E aí, Lúcio? Vendendo bem? A gente tá te atendendo direitinho?”, perguntou Castro Neves. As respostas foram afirmativas. O presidente da Ambev explicou, então, a campanha que a empresa está fazendo pelo consumo responsável de bebidas alcoólicas.

 

Pediu para colar os cartazes e não chegou a ser incomodado por “Alemão”, um rapaz magro de 1m80, com as calças quase caindo e que, de bêbado, mal conseguia parar de pé. Insistia apenas em permanecer perto do grupo, mas acabou sendo discretamente empurrado para fora pelo dono do bar.

 

Não é a primeira vez que Castro Neves visita botecos. Já esteve em outros, inclusive de favelas brasileiras, e também de outros países onde trabalhou, como Argentina e Venezuela. “Nessas visitas, podemos sentir de perto as necessidades dos clientes e ver como a concorrência trabalha”, diz. 

 

Depois de mais uma pequena caminhada pela rua Taquari, o CEO da Ambev desviou de uma grande mancha de óleo de cozinha na calçada e entrou no bar Taquari, do pernambucano Dionísio Silva. Cumprimentou Silva sorrindo e novamente explicou a campanha.

 

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Toninho lanches: com um de seus funcionários, o presidente da Ambev 
aplica fita adesiva para colar um cartaz na entrada do bar

 

“Dionísio, agora a gente vai pregar alguns cartazes da campanha aqui. Pode ser?” O dono do bar concordou e foi para o fundo do estabelecimento. Castro Neves subiu em uma cadeira e pregou outro cartaz de Cafu com fita adesiva. “Ajudamos esse pessoal pintando o bar e até pagando a tevê”, contou o presidente da Ambev.

 

Dionísio, na verdade, não sabia quem era aquele homem. “Esse aí é o chefe dos vendedores. Ele faz campanha contra a bebida”, disse com aparente timidez. Ao descobrir que se tratava do presidente da Ambev, indagou: “É o presidente da Brahma?”, lembrando apenas da marca mais famosa da empresa. 

 

Ao receber a confirmação, esboçou mas, um ar de espanto. Mas sim, de certa forma, era o presidente da Brahma. O tema básico da campanha tem três pontos, explica Castro Neves: só tomar bebidas alcoólicas após os 18 anos, não beber em excesso e não dirigir depois de beber. 

 

A campanha é paradoxal para uma empresa que precisa sobreviver vendendo muita cerveja (responsável por 82% do faturamento da Ambev em 2009, que foi de R$ 14,6 bilhões). Milton Seligman, vice-presidente da companhia, explica que, segundo a Organização Mundial de Saúde, é possível, sim, fazer consumo responsável de bebidas alcoólicas.

 

Mas a professora Andrea Galassi, da Universidade de Brasília, doutora na área do consumo de álcool, afirma que infelizmente não é possível consumi-lo sem risco, “porque é uma substância psicoativa. O efeito varia de acordo com a quantidade ingerida e os prejuízos também”, afirma.

 

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Bar fica esperto: Alcântara, atrás do balcão, ficou espantado com a chegada de Castro Neves e de sua equipe

 

Guerra, o freguês, que bebia cachaça no Toninho Lanches, não faz parte do público-alvo da campanha, explica Castro Neves: “É para proteger os menores de idade”, diz. A indústria de cigarros, por exemplo, não tomou iniciativas desse tipo e foi muito pressionada no mundo inteiro, explica Júlio Moreira, da consultoria de marcas Top Brands. 

 

“Como a do cigarro, a categoria das bebidas está ficando malvista, e todos sabemos que existem grupos de pressão que podem prejudicar o comércio. O que a Ambev está fazendo é tomar uma atitude antes que alguém se levante contra ela e contra a indústria.” E prossegue: “O que aconteceu com os cigarros pode acontecer com a indústria de bebidas alcoólicas”, diz ele. 

 

Guerra, o freguês, que bebia cachaça no Toninho Lanches, não faz parte do público-alvo da campanha, explica Castro Neves: “É para proteger os menores de idade”, diz. A indústria de cigarros, por exemplo, não tomou iniciativas desse tipo e foi muito pressionada no mundo inteiro, explica Júlio Moreira, da consultoria de marcas Top Brands. 

 

“Como a do cigarro, a categoria das bebidas está ficando malvista, e todos sabemos que existem grupos de pressão que podem prejudicar o comércio. O que a Ambev está fazendo é tomar uma atitude antes que alguém se levante contra ela e contra a indústria.” E prossegue: “O que aconteceu com os cigarros pode acontecer com a indústria de bebidas alcoólicas”, diz ele. 

 

 

O risco escondido nos copos

 

Vício: 12,3% da população brasileira tem dependência de álcool

 

Abuso: 18,9% da população adulta do Brasil abusa do consumo de bebidas alcoólicas

 

Acidentes: 47% das mortes no trânsito estão associadas à ingestão de álcool

 

 

CEOS que vão as ruas

 

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Marcelo Rabach: o presidente da Arcos Dourados, que representa o 
McDonald’s, vai aos restaurantes ouvir clientes

 

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Luiza Trajano: a presidente do Magazine Luiza faz questão de ir aos 
pontos de venda para saber o que o público quer 
 

 

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José Galló: uma vez por ano, o presidente da Lojas Renner une-se 
aos funcionários e trabalha no balcão