EM 130 ANOS DE HISTÓRIA, a General Electric tornou-se um mito corporativo. A empresa criada pelo inventor Thomas Edison ajudou a iluminar o mundo, ensinou a várias gerações de executivos o valor da inovação e, mais que tudo, transformou-se na mais respeitada escola prática de gestão em todo o planeta. Quem prosperava lá, sob o mesmo teto que os venerados ex-presidentes Jack Welch e Reg Jones (eleito, em seu tempo, o mais admirado CEO de todos os tempos pelos presidentes das 500 maiores empresas dos Estados Unidos), ganhava um diploma de administração que nenhuma universidade é capaz de dar. Seu modelo de gestão foi o mais estudado de todos os tempos e serviu de inspiração para milhares de companhias. A GE, tida como a empresa mais bem administrada da história, era o exemplo a ser seguido. Os ancestrais pilares da companhia, porém, podem ter sido seriamente abalados pelo vendaval da crise financeira que varre a economia global. Embora ainda dirijam um negócio poderoso e lucrativo, nunca antes os gestores da empresa comandada por Jeff Immelt estiveram sob tamanha pressão. A razão? O mundo mudou em tempo recorde e, de repente, a fórmula GE de entregar aos seus acionistas resultados sempre dentro das mais altas expectativas parece não mais se encaixar nele.

JEFF IMMELT, PRESIDENTE: ele não entregou os resultados prometidos e agora sofre uma pressão sem precedentes

Se, de um dia para o outro, investidores passaram a olhar com desconfiança para a antes tão amada GE é porque a empresa, também mais do que qualquer outra, transformou-se ao longo das últimas décadas em um espelho da economia mundial. Embora consumidores de todos os continentes a considerem um conglomerado industrial que produz das antigas lâmpadas inventadas por Edison a turbinas de aviões, locomotivas e equipamentos médicos, a verdade é que a área que deu origem à GE foi perdendo peso dentro dos negócios do grupo para o setor de serviços. Sobretudo, os serviços financeiros, hoje seu maior e mais lucrativo ramo de atuação. Ou melhor: a GE é a maior empresa de serviços financeiros do mundo. A GE Capital, sua subsidiária financeira, é uma potência impressionante, capaz de oferecer desde crédito popular no Brasil a leasings de 1.800 aviões para 225 companhias aéreas ou administrar cartões de crédito para a rede varejista Wal- Mart. Contribuiu com US$ 12,2 bilhões dos US$ 29 bilhões de lucro obtido pelo grupo no ano passado. E estava no centro da estratégia de gestão da companhia. O problema é que, quando o sistema financeiro global desmoronou, revelou-se o lado escuro dessa dependência.

 

A GE Capital surgiu como um eficiente canal de financiamento para os negócios da área industrial da companhia. Graças ao modelo gerencial exemplar do grupo, ela conseguia captar recursos ao menor custo disponível no mercado ? é uma das seis únicas empresas nos EUA com rating triplo A, o que dá a ela nível de risco zero ? e, assim, podia oferecer crédito atraente aos compradores de seus produtos. Com o tempo, entretanto, transformou-se em uma fantástica máquina de produzir resultados sob demanda para os balanços da companhia. Funcionava mais ou menos assim: dias antes da divulgação, se havia dificuldades em atingir as expectativas do mercado, bastava acionar a GE Capital. Com a incrível liquidez de seus títulos, era fácil e barato fazer caixa e entregar aos acionistas o prometido. A roda da fortuna funcionou até o início de 2008. A primeira surpresa ocorreu em abril, na divulgação dos resultados do primeiro trimestre. Os lucros vieram US$ 700 milhões abaixo do que o presidente Immelt prometera apenas 18 dias antes. Foi um baque (mais moral do que numérico) tão grande que o próprio antecessor, Jack Welch, ameaçou ?pegar uma arma e atirar (em Immelt) se não cumprir o que prometeu? nos próximos trimestres.

O que deu errado? Entre a promessa e o anúncio do resultado, o Bear Stearns, um dos principais bancos de investimento dos EUA, ruiu, num prenúncio da grande crise que viria meses depois. Então, justamente quando a máquina de produzir resultados deveria funcionar para entregar o prometido por Immelt, o mercado travou e o dinheiro não veio. ?Os investidores entendem agora que a GE usa as últimas duas semanas do trimestre para fazer a sintonia fina de seu portfólio financeiro e assegurar que os lucros almejados serão atingidos?, escreveu, então, Nicholas Heymann, analista da consultoria Sterne Agee. A situação se agravou para Immelt. Quando ficou claro que o esquema GE Capital não é eficiente em tempos turbulentos, ele buscou fazer caixa vendendo ativos ? entre eles a histórica linha de produção de lâmpadas e a unidade de cartões de crédito. Com a economia já desacelerando e os problemas de crédito se agravando, nenhum comprador se apresentou.

Em meados de setembro, quando o mundo entrou em parafuso após a quebra do banco Lehman Brothers, Immelt mais uma vez foi posto à prova. Novamente com lucros aquém do previsto, afirmou a investidores que a situação da companhia não exigiria injeções de capital ou venda de ações. Cinco dias depois pedia socorro ao megainvestidor Warren Buffett, que arrematou US$ 3 bilhões em ações da GE. Além disso, colocou no mercado outros US$ 12 bilhões, a um preço de US$ 22 por ação. É cerca da metade do que valiam há um ano. E pior: era uma virada de 180 graus em sua gestão. Desde setembro de 2007, ele havia gasto US$ 17 bilhões na recompra de ações, pelas quais pagou um preço médio acima de U$ 30. Immelt, assim como os mercados que sustentaram os balanços da GE durante anos, vive agora uma crise de confiança. Para resgatá-la, já anunciou que vai redimensionar o peso das finanças dentro do grupo e incrementar controles. Comandará uma prova de fogo para a a escola GE de gestão.