25/01/2002 - 8:00
No final de outubro passado, o presidente da Varig, Ozires Silva, e três outros diretores da empresa voaram até os Estados Unidos para negociar o pagamento do leasing atrasado de aviões. Foram dias nervosos de discussão com diretores da GE, maior empresa de aluguel de aviões do mundo. A GE queria entrar com pedido na Justiça de arresto de 27 aviões, um terço da frota da Varig. Por pouco, o conflito não saiu do controle e foi parar nos tribunais. Ao final da batalha, porém, a Varig saiu com uma boa notícia. Ali, começou a ser desenhado o plano de salvação financeira da empresa. A GE não só desistiu de pedir o arresto dos aviões, como aceitou baixar o valor do leasing. Segundo pessoas envolvidas com o novo plano de vôo da Varig, a colaboração da GE teria ido além. A empresa americana estudaria a troca de débitos por ações e ajudaria a Varig a buscar novos sócios. Em troca, a GE cobrou uma mudança radical no comando da companhia. A Fundação Ruben Berta, dona da Varig, teria de mudar a gestão e abrir mão do poder absoluto que tem na empresa.
Na semana passada, surgiram sinais de mudança na administração da Varig, que está nas mãos da fundação, controlada por um colegiado de funcionários da companhia. A diretoria de planejamento, que havia sido incorporada à área de vendas, foi recriada. Para ocupar o cargo, não houve nomeação política. Foi contratada uma empresa de headhunters, a Spencer Stuart, com a missão de buscar executivos dentro da própria Varig. Se a Spencer Stuart concluísse que não havia ninguém na companhia habilitado para a posição, o recrutamento seria feito no mercado. Essa possibilidade foge da tradição da empresa, de manter os cargos-chaves nas mãos de prata da casa. Ao final do processo foi escolhido para a diretoria de planejamento o piloto e engenheiro Alberto Fajerman, que ocupava a diretoria de operações. Para substituí-lo foi aberto novo concurso interno na Varig organizado também pela Spencer Stuart. Nos corredores da empresa, fala-se que esse é só o início do processo de mudança na administração, para diminuir o peso da fundação nas decisões e aumentar a participação de técnicos. Outros nomes seriam trocados na cabine de comando da Varig.
Além das mudanças de gestão, esperadas até o fim do semestre, a Varig deve ganhar novos sócios. Ozires Silva diz que a Varig pode vender parte de seu capital e de empresas do grupo, como a companhia aérea Rio Sul, a rede de hotéis Tropical e a prestadora de serviços em aeroportos Sata. Mas Ozires sustenta que o objetivo na Varig é vender 20% ? percentual máximo permitido por lei para um acionista estrangeiro numa companhia aérea. Dentro da fundação, é quase consenso que o negócio pode ir mais longe. A fundação deixaria de ter 87% das ações com direito a voto para reduzir sua participação para 40% ou 45%. Para que a participação dos novos sócios estrangeiros seja maior do que 20%, é preciso que ocorra uma mudança no Código Brasileiro do Ar, em estudo pelo Ministério da Defesa. Se os novos sócios entrarem na empresa como se imagina, ainda assim a fundação quer continuar como o maior acionista individual. Mas seu poder seria diluído. Membros do colegiado que controla a fundação discutem ceder cargos de comando da Varig para outros sócios, o que é uma novidade. O tabu que continua de pé é a venda do controle da empresa, assunto que provoca choques elétricos na fundação.
A instituição aceitou receber novos sócios porque a situação da Varig é muito difícil. ?É isso ou o buraco?, diz um analista que prefere não se identificar. Nos nove primeiros meses do ano, segundo o último balanço divulgado, a empresa acumulou prejuízo de cerca de R$ 600 milhões. Seu patrimônio líquido estava negativo em R$ 756 milhões, sem contar os itens que os próprios auditores do balanço ressalvam que poderiam ter sido contabilizados de outra maneira. A dívida da empresa soma mais de R$ 2 bilhões. No último trimestre, os resultados devem melhorar graças a um acordo com a Boeing. A empresa fez uma operação em que comprou aviões da Varig e os alugou de volta para a empresa por meio de um contrato de leasing, o que permitiu um alívio financeiro. Essa operação poderá reverter um prejuízo de R$ 100 milhões a R$ 200 milhões no último trimestre de 2001 para um lucro contábil de R$ 300 milhões, pelas contas de Carlos Eduardo Albano, analista de aviação do Unibanco. Segundo se comenta na Varig, a Boeing também ajuda a buscar sócios para a empresa e encomendou um estudo sobre uma possível troca de dívida por ações ou debêntures conversíveis ? papéis que rendem juros e podem ser trocados por ações.
Em comunicado enviado à DINHEIRO, a Boeing nega interesse na operação. ?Não temos interesse em investir na Varig agora ou no futuro próximo.? Segundo o porta-voz da GE Capital Aviation Services, Eric Jones, a empresa não possui companhias aéreas e ?não temos intenção de comprar participação na Varig?. Ozires Silva também é categórico. ?Nossas negociações com a GE e com a Boeing já estão completas?, diz o presidente da Varig. Segundo ele, também não há acordo para mudar a administração da empresa ou plano para tirar poder da fundação Ruben Berta. ?O mandato para buscar novos sócios é meu e não abro mão disso?, diz Ozires. Ele adianta que negocia ?uma série de opções? e uma delas ?pode estourar? a qualquer momento. Segundo Ozires, a participação dos investidores estrangeiros deve ficar restrita a no máximo em 20% do capital da empresa. ?Já estou mais do que satisfeito com a participação do capital estrangeiro na economia brasileira?, completou o presidente da Varig.
Seja com 20% ou mais, especialistas acham difícil que a fundação escape incólume da nova sociedade. ?Ninguém vai aceitar ser sócio da Varig com essa estrutura de poder?, diz Telmo Schoeler, sócio da Strategos Consultoria, especializada em estratégia de empresas. Schoeler foi membro do Conselho de Administração da Varig. Na sua avaliação, a estrutura da fundação prejudica a companhia. No ano passado, por exemplo, a fundação comprou um prédio, avaliado em R$ 6 milhões, para receber sua sede em São Paulo, além de ter reformado a academia de ginástica da sede de Porto Alegre. ?Esse dinheiro não salvaria a Varig, mas é o sinal de que há uma inversão de valores. A prioridade da fundação não é dar lucros e fortalecer a empresa, mas propiciar lazer e assistência para os funcionários.?, diz. Um dos problemas, diz Shoeler, é que o complexo sistema eleitoral para formar o colegiado que manda na fundação privilegia os jogos de poder, a instalação de feudos na empresa, e dificulta a cobrança de responsabilidades e avaliações de performance. Outra peculiaridade é que os integrantes da cúpula da fundação acumulam cargos na Varig. Isso cria uma situação inusitada: como funcionário da empresa, a pessoa teria de se subordinar aos superiores, mas como ocupa cargo na fundação acaba tendo mais poder do que o próprio chefe. ?Tivemos conversas no passado, com a Lufthansa e com a Star Alliance, que poderiam ter ajudado a Varig a superar as dificuldades, mas esbarraram na resistência em mudar da fundação. Agora é uma oportunidade para virar a situação da empresa?, diz Schoeler.