28/10/2009 - 8:00
Boa ação : a ideia do acordo é combater a obesidade infantil, que atinge 30% dos brasileiros
No intervalo do desenho animado, a criança não consegue desgrudar os olhos da televisão. Primeiro, ela vê uma propaganda em que aparecem meninos e meninas felizes, lindos e serelepes. Enquanto brincam, os pequenos devoram um pacote inteiro de bolacha – e dizem que querem mais, muito mais. A cena a seguir é a de um fast-food lotado.
As crianças correm, gritam, pulam e, claro, ficam mais bonitinhas ainda depois de saborear uma montanha de calorias. Comerciais de televisão como os descritos acima estão com os dias contados. A partir de 1º de janeiro de 2010, 24 grandes indústrias do setor de alimentos e bebidas vão mudar a forma de fazer propaganda para crianças.
Um acordo assinado pela Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia) e pela Associação Brasileira de Anunciantes (ABA) criou restrições à publicidade dirigida ao público infanto-juvenil. A partir do ano que vem, de acordo com a autorregulamentação do setor, os comerciais serão dirigidos aos adultos e não mais para os seus filhos.
Sempre que anunciarem um alimento ou bebida, as empresas terão de falar das características nutricionais do produto. Entre as signatárias da proposta estão gigantes como Coca-Cola, PepsiCo, Kraft, Unilever, AmBev, Batavo, Kellog’s, Nestlé e McDonald’s – ou seja, um time de peso. “A decisão das empresas ajudará os pais a fazerem escolhas conscientes”, diz Otto Von Sothen, presidente da divisão de alimentos da PepsiCo Brasil.
Trata-se de uma grande mudança, que obrigará as companhias a transformar a forma de divulgação de seus produtos. “Estamos adaptando nossos anúncios, além de já contarmos com regras internas para propagandas que são veiculadas no mundo todo”, afirma Fábio Acerbi, diretor de assuntos corporativos e relações governamentais da Kraft Foods Brasil.
A Kraft, por exemplo, não mais fará publicidade em que crianças aparecem comendo bolachas demais. Em vez disso, vai reforçar o valor nutricional dos produtos – justamente para fisgar os pais. A Coca-Cola não vai realizar anúncios em programas em que mais de 50% da audiência seja composta por crianças menores de 12 anos.
Isso inclui televisão, material impresso, rádio, internet e outras mídias. Para o mercado publicitário, a nova regulamentação também implicará em ajustes. “A partir de agora, em vez de apenas estimular a compra do produto, queremos mostrar aos pais como a criança deve consumir e a importância daquele alimento ou bebida para ela”, afirma Milton Mastrocessário, diretor de criação da McCann Erickson, agência que detém as contas de empresas como Nestlé, Cadbury e Grupo Bimbo
Nos países desenvolvidos, há regras severas de publicidade dirigida às crianças. Por isso mesmo, muitas das multinacionais que assinaram o protocolo se comprometendo a cumprir as novas determinações para o mercado brasileiro já são comedidas no anúncio de bebidas e alimentos destinados aos pequenos.
No Brasil, como havia liberalidade excessiva, alguns abusos foram cometidos nos últimos anos. O mesmo processo foi observado na indústria de fumo. As restrições para a publicidade de cigarro começaram nos Estados Unidos, chegaram à Europa e acabaram desembarcando no Brasil com alguns anos de atraso. Hoje, o fumo foi banido dos anúncios.
Na área de alimentos e bebidas, algo similar poderá acontecer no futuro próximo graças ao aumento impressionante do número de obesos infantis. Segundo o Ministério da Saúde, 30% das crianças brasileiras estão acima do peso. O índice cresce a cada ano. Isso é resultado principalmente da má alimentação e do consumo exagerado de bebidas de alto valor calórico.
A esperança é de que as novas orientações possam mudar esse quadro. “A adesão ao compromisso mostra que as empresas estão dispostas a melhorar a maneira como divulgam seus produtos”, afirma Isabella Henriques, do Instituto Alana, entidade de defesa do consumidor infantil.