O maior mercado de internet do País, São Paulo, está fervendo. Quase metade de todos as pessoas que usam a rede no País estão no Estado. A operadora hoje hegemônica na área, a Telefônica, está envolvida em uma cruzada contra o tempo. O alvo são as empresas que oferecem acesso gratuito à internet como o iG, da Telemar, o Ibest, da Brasil Telecom. Ainda no primeiro semestre, esses provedores deixarão a rede de cabos da companhia espanhola e passarão a utilizar a infra-estrutura que os seus acionistas estão montando dentro de
São Paulo. Significa, a partir desse momento, que a Telefônica
terá de pagar uma taxa, na linguagem técnica conhecida como interconexão, aos concorrentes todas as vezes que um de
seus clientes se conectar a um desses provedores em território paulista. A lógica vale no sentido inverso, quando a Telefônica decidir atuar na área dos concorrentes, mas nada se compara em tamanho e volume de negócios ao mercado paulista. É tudo que a Telefônica quer evitar. Duas reuniões públicas previstas para a próxima quinta e sexta-feira, na qual a Agência Nacional de Telecomunicações pode mudar as regras do jogo, está colocando mais combustível nesse motor.

No atual modelo, um cliente que use a rede da Telefônica para se conectar ao iG durante 38 horas mensais no horário mais barato vai pagar à operadora R$ 2,10, que corresponde aos pulsos usados. Em contrapartida, a Telemar receberá da Telefônica R$ 57 pelo tráfego gerado na rede da operadora espanhola. ?Não podemos arrecadar de uma maneira e pagar de outra?, afirma Eduardo Navarro, vice-presidente de Estratégia Corporativa da Telefônica. A despesa da companhia pode chegar a R$ 100 milhões por mês. ?Não somos os únicos atingidos?, afirma. Nos seus cálculos, todo o setor corre o risco de ter de desembolsar R$ 1,5 bilhão por ano. O real desejo da Telefônica é acabar com esse desembolso. Ela não quer pagar nem receber um único tostão envolvendo interconexão na internet. A companhia passou os últimos dezoito meses tentando convencer a Anatel a alterar o modelo. No final do ano passado, a agência fez uma consulta pública considerando essa possibilidade.

Uma das principais dores de cabeça da Telefônica é o iG. Com 5 milhões de clientes no País, o provedor tem quase 2 milhões em São Paulo. Por trás das dificuldades da Telefônica há uma questão estratégica. Ao contrário dos concorrentes, a empresa sempre acreditou que a internet gratuita seria passageira. A Telemar tornou-se sócia do iG, enquanto a Brasil Telecom criou o iBest com o mesmo objetivo ? defender-se da interconexão. Só no final do ano passado, a Telefônica acordou e lançou o seu acesso gratuito, o iTelefonica, apenas em operação no interior de São Paulo. ?Parece um jogo de futebol no qual um time que está perdendo tenta mudar as regras aos 46 minutos do segundo tempo?, afirma Matinas Suzuki Jr, co-presidente do iG.

Bastidores. Entre os aliados da Telefonica contra os provedores gratuitos estão as companhias que cobram por esse serviço. São cerca de 1200 no País. ?Quem paga a conta da internet grátis são os clientes das operadoras ?, afirma Roque Abdo, da Associação dos Provedores de Internet. A entidade entrou com uma ação no Conselho Administrativo de Defesa Econômica contestando o contrato entre o iG e a Telemar. Na quinta-feira 10, a Abranet e os representantes dos provedores tinham uma reunião marcada com o presidente da Anatel, Luiz Schymura, para tentar encontrar uma solução antes das audiências de quinta e sexta. A guerra pública tem bastidores interessantes. As três operadoras ? Telefônica, Brasil Telecom e Telemar ? contrataram a consultoria do ex-presidente da Anatel Renato Guerreiro para elaborar um estudo propondo uma solução para a crise.

Desde o surgimento da onda gratuita, em dezembro de 1999, muitas empresas abriram e fecharam portas. Já foram onze e hoje são nove, e sem dúvida as mais sólidas estão ligadas a empresas de telefonia. ?Desconheço um mercado onde uma companhia vende um produto e seu concorrente oferece de graça?, diz Fernando Madeira, diretor do Terra Brasil. O fato é que depois dessa cruzada, a internet brasileira nunca mais será a mesma.