Tornou-se pública, na semana passada, uma bilionária disputa que envolve adversários desiguais. De um lado, está o maior banco privado do País, o Bradesco. Do outro, o filho de um simples correntista. Em 1994, o aposentado Walter Vital Bandeira de Mello teve seu cartão magnético roubado em um caixa automático do banco e viu R$ 4,5 mil desaparecerem de sua conta. Ele abriu um processo de ressarcimento contra a instituição na Justiça do Rio de Janeiro, mas morreu há dois anos sem conhecer o desfecho. Agora se sabe: a Justiça determinou que a família seja reembolsada de maneira surpreendente. Estabeleceu-se a aplicação de juros compostos (juros sobre juros, como se diz popularmente), o que pode transformar os R$ 4,5 mil de 1994 em mais de R$ 2 bilhões nos dias de hoje. O Bradesco recorreu da decisão ao Superior Tribunal de Justiça, considerando o procedimento inaceitável. Equivaleria, nos termos francos de sua defesa, a rebaixar o banco ?ao mesmo desconforto a que se submetem seus devedores?. Perdeu por 22 votos a zero.

Como se chegou a este ponto? Marcelo Fontes, o advogado do escritório Sérgio Bermudes encarregado da defesa do Bradesco, explica: ?Esta era uma ação sem nenhuma importância. Ninguém atentou para o risco de ela virar este monstro.? Por cinco anos, o processo foi acompanhado pelo próprio departamento jurídico do Bradesco. Em 1999, porém, o banco se deu conta de que os juros compostos de cheque especial já haviam transformado os R$ 4,5 mil em quase R$ 1 milhão. ?Foi só então que eles nos chamaram?, lembra Fontes. A banca de Bermudes aconselhou, então, o Bradesco a depositar aquela quantia em juízo e, ao mesmo tempo, entrou com uma ação rescisória no STJ, pedindo a revogação da sentença.

Esta ação ainda não foi julgada. Se o banco ganhar a causa, calcula-se em cerca de R$ 100 mil a indenização à família Bandeira de Mello. Em caso de nova derrota, o máximo que o Bradesco perderá, na visão de seus advogados, é o valor depositado em juízo. Um prejuízo e tanto, é verdade, já que, mesmo aplicado em um fundo de renda fixa dos mais conservadores em setembro de 1999, aquele milhão de reais hoje valeria R$ 2,665 milhões. Mas, ainda sim, mil vezes menos do que os bilhões gerados pelos juros compostos. ?A parte contrária está fazendo barulho para negociar um acordo milionário com o Bradesco. Mas não haverá trato. Isso abriria um precedente perigoso para todo o setor bancário?, afirma Fontes. ?Não queremos acordo. Queremos fazer o Bradesco falar a verdade?, rebate o advogado João Augusto Basílio, do escritório Andrade & Fichtner, que representa os Bandeira de Mello. ?O banco se vale de argumentos alarmistas para ridicularizar a sentença que pesa contra ele?, acusa.

O litígio, qualquer que seja a palavra final, interessa a todo o sistema financeiro nacional. Na última lista do Procon com os setores da economia que mais provocam reclamações por parte dos consumidores, as instituições financeiras aparecem em segundo lugar ? atrás apenas das empresas de telefonia. Foram 2,3 mil queixas só em 2004. A maioria, relativa a saques e transferências com o uso de cartões não reconhecidas pelos correntistas. No ranking de reclamações do Banco Central, os primeiros postos são ocupados por Unibanco, ABN Amro e Santander Banespa, mas praticamente todos os grandes bancos têm pendências com seus clientes. Os protestos são tantos que o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor lançou há duas semanas o guia ?Defenda-se Online ? Bancos?. A cartilha esclarece que a cobrança de juros muito elevados pode caracterizar prática abusiva e é passível de contestação judicial. Daí o medo de um precedente. ?Se os bancos podem cobrar juros compostos no dia-a-dia, nada mais natural que o cliente se sinta no direito de pedir a mesma remuneração?, observa o advogado Rodrigo Guedes, que tem cerca de duas mil ações contra instituições financeiras. ?Quem sabe com isto os bancos aprendem uma lição?, diz.