21/10/2009 - 8:00
“NÃO VEJO FELICIDADE EM MUDAR DE EMPRESA SEMPRE.
QUERO RECRIAR O QUE JÁ TEMOS”
JOSÉ GALLÓ, PRESIDENTE DA LOJAS RENNER
No escritório de 50 metros quadrados onde trabalha o presidente da Renner, José Galló, dois televisores de 42 polegadas ficam ligados o dia inteiro. No aparelho à esquerda da entrada da sala é possível acompanhar, em tempo real, os gráficos de vendas da Renner em todas as 117 lojas no Brasil. No televisor à direita, a tela é dividida em quatro partes. Cada uma delas mostra imagens ao vivo captadas nos corredores dos pontos de venda da cadeia varejista. Com um simples toque no controle remoto, Galló pode escolher que endereço quer observar. Ali, consegue acessar as câmeras de qualquer departamento da loja — masculino, feminimo, infantil ou acessórios. Uma espécie de Google Maps da Renner. Se vê algo que não gosta, Galló imediatamente telefona para a gerência da unidade. Na sexta-feira 2, o presidente bateu o olho na tevê e percebeu que não havia atendente na área de relógios da Renner de Campinas, no interior de São Paulo. De sua sala, que fica em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, Galló ligou imediatamente para a loja. “Você quer bater a sua meta do mês, não quer?”, perguntou calmamente à responsável pelo departamento. “Eu estou vendo que o balcão está vazio. Vou esperar um atendente aparecer na área, ok?” Até isso acontecer, o executivo enumerou quantos clientes passaram pelo balcão e lamentou as vendas perdidas. Cinco minutos depois da ligação, havia um funcionário no posto.
No início do mês, a reportagem da DINHEIRO acompanhou um dia de trabalho de José Galló, presidente do maior grupo varejista nacional de vestuário. Galló é obcecado por detalhes. Nada na empresa parece fugir ao seu controle. Enquanto dá uma volta pela Loja Renner do Barra Shopping Sul, em Porto Alegre, Galló se abaixa para retirar um minúsculo pedaço de durex do chão. Não consegue, mas a gerente da loja vê a cena e corre para ajudá-lo. Horas depois, no meio de um batepapo com funcionários, ele vai até o caixa para avaliar a eficiência do novo sistema de impressão de faturas. Ao notar que uma cliente espera sua vez para ser atendida, o presidente faz o serviço completo. Retira a etiqueta de segurança das roupas e ajuda a dobrar as peças. Para os funcionários, o que Galló faz não é nenhuma surpresa. Ele está sempre ali. Quando pode, sai de casa à noite para visitar lojas nos shopping centers de Porto Alegre.
Uma empresa, muitos donos: a rede já foi comandada
pelo fundador, por um grupo americano e, hoje, possui oito mil acionistas
“Mesmo que o mundo esteja caindo, ele consegue se desligar e focar toda a atenção em apenas uma coisa”, diz Luciane Franciscone, gerente-geral do grupo. “O varejo é algo muito simples”, diz Galló. “Eu simplesmente confio nas pessoas que estão comigo.”
O acompanhamento, pela tevê de todo o movimento das lojas, as visitas frequentes aos pontos de venda, as conversas francas com os funcionários refletem o estilo de gestão de Galló. Embora num primeiro momento pareça um executivo fechado, daqueles que pouco se relacionam com subordinados e mal deixam seus escritórios, o presidente da Renner é o oposto disso. Quando é para conversar sobre a operação, é falante. Na Renner, se movimenta com extrema habilidade entre vendedores, gerentes, diretores e acionistas. Desses encontros, extrai sugestões, observa o que funciona e o que está errado. Galló gosta desse corpo-a-corpo e precisa do convívio próximo com subordinados para administrar a empresa. “Não há como cuidar desse negócio sem estar dentro dele. Eu vou à loja todos os dias e me envolvo não porque preciso, mas porque gosto.”
O big brother do varejo:: a qualquer hora do dia, Galló pode acompanhar o movimento das lojas pela tevê
Galló divide sua ampla sala com outros cinco diretores – não há qualquer divisória entre eles. Chega todo os dias na sede, no tranquilo bairro do Jardim Carvalho, em Porto Alegre, antes das nove da manhã e não sai até às seis, sete da noite. O executivo entrou na Renner em 1992, a convite dos controladores. Tornou-se o presidente em 1999 (nenhum outro CEO de grupos varejistas está há tanto tempo no poder). Isso ocorreu três meses depois de a cadeia ter sido vendida para os americanos da J.C Penney. Em 2005, os americanos deixaram o negócio e a Renner passou a ser, na prática, uma empresa sem dono. Com ações pulverizadas no mercado, a rede possui atualmente oito mil acionistas. “Ele é um sobrevivente da administração da J.C. Penney”, diz Nelson Barrizzelli, um dos maiores especialistas em varejo do País. “Foi julgado, cresceu, ganhou confiança e, no final, passou no teste de fogo.” Galló dá uma resposta simples a quem pergunta o que o faz permanecer por uma década no mesmo grupo. “Isso é mais fácil do que se imagina. Basta ser transparente”, afirma. “Prefiro continuar numa mesma empresa que muda a cada cinco ou seis anos a ficar pulando de cargo em cargo. Não há felicidade nisso.”
No dia em que a DINHEIRO esteve na empresa, alguns projetos cruciais estavam na mesa de trabalho de Galló: a criação de um novo cartão da empresa e a abertura de uma instituição financeira própria. A companhia vai colocar no mercado, no início de 2010, um cartão que poderá ser usado em qualquer estabelecimento credenciado pelas bandeiras Visa e Matercard, inclusive varejistas concorrentes. A Renner vai arcar com os riscos da operação de financiamento – leia-se calote. Com a medida, passa a ser a única grande varejista no País que não se associou a um banco para ter um cartão. O assunto tem pautado a conversa de Galló com analistas de mercado, preocupados com a estratégia. Outro projeto de Galló, embora ele não admita, seria explorar novas faixas de renda. Segundo fontes do mercado, a Renner estaria interessada na compra de redes varejistas que atendam às classes emergentes. Há rumores de que conversas voltaram a acontecer entre a Renner e a Leader. A varejista quase comprou a concorrente em 2008, mas a crise financeira emperrou as negociações.
No momento, o maior desafio do presidente da companhia é superar o começo de ano difícil. As vendas caíram 12% de janeiro a março. De abril a junho, houve uma ligeira melhora no desempenho da empresa, que permitiu à rede fechar o primeiro semestre com retração de vendas da ordem de 4%. Internamente, Galló tem trabalhado com hipótese de “same store flat”, ou seja, crescimento zero para as mesmas lojas existentes no ano passado. Se as ações responderem a isso, haverá comemoração. Galló guardou em sua sala três champanhes. Segundo uma pessoa próxima ao executivo, cada uma delas será aberta quando o preço do papel bater nos R$ 30, R$ 40 e R$ 50. A primeira champanhe foi estourada em agosto, quando a marca de R$ 30 foi atingida. Ainda faltam duas.