Wilson Fittipaldi Júnior, o Wilsinho, cambaleava de tanto champanhe que havia tomado. Naquele Réveillon de 1982, a família que virou lenda no automobilismo passava a virada do ano em Angra dos Reis (RJ), na casa de um dos poucos amigos que haviam sobrado. Falidos com a derrocada da Copersucar, a primeira equipe brasileira de Fórmula 1, e com dívidas de US$ 7 milhões na praça, os Fittipaldi começavam a sair do buraco. Eles estavam prontos para ir ao mar comemorar a chegada do novo ano quando surgiu a notícia que fez Wilson beber além da conta: uma geada acabara com as plantações de laranja nos Estados Unidos. Donos de uma fazenda de laranjas em Araraquara (SP), os Fittipaldi, enfim, tirariam o pé da lama. Daí o porre de Wilson. A cena é narrada no livro ?A Saga dos Fittipaldi? (Panda Books), do jornalista Lemyr Martins, pela mulher do ex-piloto, Susy: ?(Ele) Ficou tão grogue que não conseguiu entrar no barco?. Passados mais de 20 anos, Wilson está de novo em Angra e de novo prestes a entrar num barco. Com uma diferença: num barco que ele mesmo fabricou. Trata-se do Seamaster, um iate de 108 pés (33 metros de comprimento) que vai zarpar em 2006. É o primeiro navio construído
pelo estaleiro Fittipaldi Yachts, o novíssimo negócio de Wilson. Cada exemplar
custa US$ 7,5 milhões.

A recente investida do ex-piloto é, ao contrário da Copersucar, uma aposta certeira. O mercado mundial de barcos acima de 100 pés movimenta US$ 6,5 bilhões ao ano. Em 2004, foram construídas mais de 300 unidades, e o segmento de usados gerou mais de 1 mil negócios. ?Sempre tive barco. Folheando revistas especializadas, percebi que haveria espaço para uma empresa brasileira?, conta Wilson. Ele fala com a experiência de quem já passou por altos e baixos. ?O fim da Copersucar foi traumático, uma coisa violenta?, lembra. Talvez venha daí o minucioso planejamento antes de colocar a Fittipaldi Yachts de pé. ?Meu problema era a falta de tradição do Brasil nesse mercado. E tradição não se cria da noite para o dia. Credibilidade sim?, diz. ?Então, me cerquei do que há de melhor.?

Wilson começou por Florianópolis a busca por um local para construir o estaleiro. Foi subindo o litoral e, dez meses depois, encontrou o que queria: a Marina Verolme, em Angra dos Reis. Ali, onde já existiu o histórico Estaleiro Verolme, o maior do País, um marco da indústria naval brasileira, estão 50% dos fornecedores e da mão-de-obra que Wilson precisa ? de carpinteiros a soldadores. Depois, foi a vez de escolher os projetistas. Para a parte técnica (casco), ele contratou o americano Robert Scholfield, que trabalhou para a Marinha dos EUA na construção de destróieres, contra-torpedeiros, cargueiros e petroleiros. O homem do design é o português Luiz de Basto, um dos mais famosos arquitetos de barcos dos EUA. ?É um iate brasileiro de qualidade internacional?, diz Basto sobre o Seamaster. Por fim, para fechar o triângulo da confiabilidade, Wilson encomendou avaliação à ABS, empresa
americana que verifica se o iate foi construído dentro dos padrões internacionais de qualidade. É uma espécie de ISO 9000 dos mares. ?Eles tiram até radiografia das soldas para ver se não há bolhas de ar?, explica Basto. ?Eu pago para que eles me encham o saco?, brinca Wilson.

Em um ano e meio de operação, a Fittipaldi Yachts já vendeu duas unidades para empresários norte-americanos. Os negócios garantiram um faturamento de US$ 15 milhões. Mas o ex-piloto quer mais. ?Pretendo fabricar quatro unidades por ano?. Para atingir a meta, Wilson vai focar seus esforços no mercado internacional. Motivo: o barco fabricado aqui é 30% mais barato dos que os iates produzidos na Europa e nos EUA. O difícil é conquistar a confiança de um consumidor extremamente exigente e afeito às tradições. Mas aí Wilson se vale de seu sobrenome. ?De fato, ele abre muitas portas?, diz. ?As pessoas sempre lembram do Emerson e do Christian?, diz, referindo-se ao irmão, campeão de F-1 e F-Indy, e ao filho, que ainda corre nos EUA. Além disso, Wilson construiu uma agenda de telefones invejável nos tempos que viajava o mundo com a Fórmula 1. No caderninho, há contatos de empresários e magnatas do mundo inteiro e também de amigos que podem indicar a Fittipaldi Yachts a esse público seleto.

O iate Fittipaldi será a pérola dos mares brasileiros. Feito em alumínio, ele tem três andares e uma área útil que equivale a um apartamento de 500 m2. São oito suítes (duas para a tripulação, uma para o capitão e o restante para os hóspedes), cozinha e amplas salas de estar e de jantar. Não há economia em detalhes. Os banheiros levam mármore. No topo da embarcação, no chamado ?fly bridge?, há até uma banheira de hidromassagem. São mimos que, segundo Wilson, ajudarão a levar o nome da indústria naval brasileira para o mundo. De acordo com a Secretaria de Comércio Exterior, o Brasil exportou 1 mil barcos em 2004, gerando US$ 10 milhões em negócios. ?O País tem muito a crescer nesse mercado?, diz Lenilson Marcelo Bezerra, diretor da Associação Brasileira dos Construtores de Barcos, a Acobar. Enquanto o Brasil tem uma frota de 168 mil embarcações, os Estados Unidos contam 12,8 milhões. Wilsinho já pôs o champanhe para gelar.