01/04/2010 - 22:00
Não teve advogado, nem mesmo banco de investimento. Não houve conselho de administração ou acionistas minoritários envolvidos. A ajuda de uma consultoria só foi necessária no final das negociações. E apenas sete pessoas tinham conhecimento do que acontecia em um dos quartos do flat Staybridge, na rua Joaquim Floriano, 555, bairro do Itaim, em São Paulo.
Ali foi costurado, passo a passo, detalhe a detalhe, uma das maiores fusões do varejo eletroeletrônico no País: a união da rede baiana Insinuante com a mineira Ricardo Eletro. Da noite para o dia, o novo grupo batizado de Máquina de Vendas tornou-se a segunda maior potência do setor, com um faturamento que deverá alcançar R$ 5 bilhões até o fim de 2010. Para concretizar esse negócio, o dono da Insinuante, Luiz Carlos Batista, 45 anos, e o dono da Ricardo Eletro, Ricardo Nunes, 40 anos, fizeram do flat Staybridge a sua base de operações.
Agora mais fortes: Nunes (à esq.) e Batista comandarão uma empresa com mais de 500 lojas
e um faturamento que deverá atingir R$ 5 bilhões este ano
Dormiram no mesmo quarto (não foram mais de duas a três horas por noite nos últimos dias) e estiveram na sede da PricewaterhouseCoopers, em São Paulo, quando o acordo foi assinado, às 18h30, na sexta-feira 26 de março. Selado na base do olho no olho, o negócio foi comemorado na noite de domingo, no restaurante paulistano Figueira Rubayat, com 15 membros das duas famílias. ?Fizemos tudo meio quietinhos mesmo. Eu só precisava me entender com o Luiz e ele comigo?, diz o mineiro Ricardo Nunes, o homem que criou a Ricardo Eletro há duas décadas, vendendo bichinhos de pelúcia.
O mentor do negócio foi Nunes, que, logo após a fusão entre Casas Bahia e Ponto Frio, ligou para Batista para tentar marcar um encontro. Nunca haviam se falado antes. Em pouco mais de 80 dias, conseguiram entrar em acordo e criar a Máquina de Vendas. O novo grupo já surge com R$ 4,1 bilhões de faturamento, 15 mil funcionários e 528 lojas ? o que lhe garante a vice-liderança do setor, desbancando o Magazine Luiza. Até o fim do ano, a nova rede investirá R$ 50 milhões para abrir mais 30 lojas no Rio de Janeiro.
Ricardo Eletro Faturamento: R$ 2 bilhões Lojas: 268 Funcionários: 8 mil Presença: 9 Estados Força: Minas Gerais e Centro-Oeste
É uma corrida para ganhar ainda mais musculatura e, assim, enfrentar a varejista criada com a união de Ponto Frio e Casas Bahia, que fatura R$ 18,9 bilhões a mais, possui quase o dobro de lojas e conta com 66 mil funcionários (leia quadro abaixo). No tabuleiro do varejo, ainda há uma briga de David contra Golias. Isso porque o mercado se dividiu em dois. O grupo Pão de Açúcar, com Ponto Frio e Casas Bahia, abriu uma distância abissal entre ele e os concorrentes.?Tenho bastante humildade para saber do nosso tamanho e ainda mais para acreditar que posso chegar perto deles?, rebate Nunes.
Carismático, expansivo, dono de uma prosa rápida e carregada pelo sotaque mineiro, Nunes buscou um novo caminho porque o jogo mudou. ?Se a indústria perde margem ao negociar com uma rede, precisa repassar isso para outra. São os menores varejistas que pagam a conta?, diz Marco Antonio Guedes, da Consumer Consulting.
Insinuante Faturamento: R$ 2,1 bilhões Lojas: 260 Funcionários: 7 mil Presença: 13 Estados Força: Norte e Nordeste
Era preciso, portanto, se juntar a alguém de peso (Ricardo Eletro e Insinuante faturam cerca de R$ 2 bilhões ao ano). ?Logo que sentaram para conversar, Batista precisava saber se a Ricardo Eletro se encontrava em uma boa situação financeira. A Insinuante sempre foi mais conversadora. Para abrirem as contas, ambos baixaram as guardas, algo que esses varejistas não gostam de fazer?, conta um executivo que acompanhou as conversas.
Criado na pequena Divinópolis, interior de Minas Gerais, Nunes nutria, há muitos anos, o desejo de levar suas lojas para novas áreas geográficas, especialmente para a cidade de São Paulo. O mais próximo que chegou da capital paulista foi, em 2007, quando comprou a Mig, uma rede de Uberlândia com 86 lojas, sendo seis no interior de São Paulo. Mas parou por aí. Não conseguia achar uma empresa que fosse bem administrada e que tivesse um preço que coubesse no seu bolso.
Nunes chegou a afirmar que, para isso, precisava de um sócio-investidor. Comerciante exemplar, ?daqueles que vendem areia em deserto?, como dizem os amigos mais próximos, ele já fez de tudo. Na adolescência, vendia mexericas no farol e, anos mais tarde, aprendeu todos os macetes da negociação ao acompanhar a mãe, Marina, na compra de joias, em São Paulo, para revender no interior de Minas Gerais.
Com o negócio, o Magazine Luiza, de Luiza Trajano, perde o segundo lugar no setor
Já aos 18 anos, ele começou a comprar bichos de pelúcia e revendê-los em Divinópolis pelo dobro do preço. A pequena loja de 20 metros quadrados foi aberta com R$ 15 mil arrecadados com a venda de um carro usado. Em 1994, seis anos depois de se aventurar no comércio de pelúcia, Nunes decidiu ir para o ramo de eletrodomésticos. Chamou os dois irmãos, Rodrigo e Rômulo, e iniciou a Ricardo Eletro.
Nessa época, só conseguiu clientela porque vendia abaixo do preço praticado pelo mercado e tirava dinheiro do próprio bolso, das margens obtidas com as vendas dos bichos de pelúcia, para manter o negócio. Permaneceu com a operação empatada até a virada no final dos anos 90. Foi nessa época que ele adotou a estratégia de partir para outros Estados, o que permitiu o ganho de escala e o balanço no azul.
“Entraremos em São Paulo”
Nunes e Batista têm em comum a origem humilde e o estilo de gestão. Ambos são centralizadores. Nunes adora vender e opera mais alavancado (algo que ele nega). Já teria contratado uma consultoria para organizar a casa há cerca de dois anos. Batista prefere planejar e controlar cada tostão que é gasto em sua empresa.
Antenor Liberal Batista, pai de Luiz, começou o negócio em 1959 com uma pequena loja de sapatos em Vitória da Conquista, no interior baiano. Depois dos calçados, passou a comprar e revender móveis e eletrodomésticos em 1967. Nos anos 80, Luiz abriu a sua loja em Salvador, na rua mais popular da cidade.
Com uma visão de marketing apurada, ele contratou um cover do Lombardi, o locutor que trabalhava com o apresentador Silvio Santos, para ser o garoto-propaganda da Insinuante. Isso fez de sua loja uma das mais conhecidas da região. Nos últimos dez anos, a Insinuante sextuplicou o seu tamanho. A Ricardo Eletro foi multiplicada por dez.
A questão é que, para continuar nesse ritmo, Insinuante e Ricardo Eletro precisam de escala. E a margem de lucro com eletroeletrônicos varia muito. Se o concorrente vizinho reduz o preço, não dá para ignorar. Caso contrário, perde-se o cliente. Não é só isso. A vida das duas varejistas andava mais difícil.
A união do Ponto Frio e Casas Bahia, ambas de Abilio Diniz, foi o estopim para a criação da nova rede varejista
A DINHEIRO apurou que a própria Insinuante começou a se incomodar com a agressividade da sua ? agora ? parceira, Ricardo Eletro, no Nordeste. Antes de assinar o acordo de união, Nunes já contava com 66 lojas na região. É a segunda maior operação da rede no Brasil. ?O Ricardo não está nem aí.
Ele mexe com preço por onde passa e isso andou deixando o pessoal da Insinuante meio irritado?, conta um fabricante de eletroeletrônico que vende para as duas redes. Para se ter uma ideia de como não estavam se bicando, quando telefonou a primeira vez para Batista, Nunes soltou a frase: ?Luiz, vamos parar de brigar e começar a conversar.? Por isso, pelo acordo fechado entre eles, cada um fica na sua seara. A marca Insinuante vai ser usada apenas em lojas no Norte e Nordeste (233 dos 260 pontos da rede estão lá). A Ricardo Eletro ficará apenas no Sudeste e Centro-Oeste, com 182 unidades nas regiões. Tudo bem separado, o que é ótimo para ambos.
No projeto para fazer a operação deslanchar, há pouca coisa clara. Algumas metas foram apresentadas. Como elas serão alcançadas é outra história. Pessoas próximas às redes, porém, detalham o plano da nova empresa para dobrar de tamanho em quatro anos. Eles querem chegar em 2014 com uma receita de R$ 10 bilhões e mil lojas. Para isso, há um projeto guardado a sete chaves que está em pleno desenvolvimento. Trata-se da entrada da nova companhia no mercado de São Paulo.
Nenhum dos dois tem loja na cidade. Discretamente, as primeiras cartas já foram colocadas na mesa. Em novembro de 2009, a Ricardo Eletro passou a entregar na cidade de São Paulo produtos vendidos no seu site. Em pouco tempo, o mercado paulista se transformou em um fenômeno e, hoje, já responde por 40% dos produtos comercializados pela Ricardo Eletro na web.
Mas o plano vai além. Especialistas apontam que eles devem operar na cidade por meio de associações e não de aquisições. O objetivo é ganhar espaço sem queimar o caixa com a compra de ativos. Por isso, o fechamento de parcerias é a solução que mais agrada a Nunes e a Batista.
Afinal, exige recursos apenas para a integração das estruturas. Há também dois outros caminhos: a abertura de uma loja-conceito da Ricardo Eletro na capital, que funcionará como porta de entrada para os clientes acessar o site, ou a inauguração de várias lojas em um único dia, como o Magazine Luiza fez em São Paulo. Em 22 de setembro de 2008, a rede do interior paulista inaugurou 44 pontos de uma vez só, em um pacote de investimentos estimado em R$ 150 milhões.
É um plano caro, arriscado e cheio de dificuldades logísticas. Por isso, a solução número 1 parece mais razoável. ?Vamos trazer mais empresas para dentro do nosso guarda-chuva. Mas tem de ser uma companhia com a casa ajustada. E queremos associações que não exijam desembolso?, diz Batista, que será o homem que desenhará a estratégia na nova empresa.
Mas é aí que está o nó. Para se associar, é preciso colocar mais empresários dentro da mesma empresa. E, assim, dividir o poder. Sobre isso ninguém fala. ?Em uniões de negócios familiares comandados por fundadores há sempre o risco de uma disputa de poder. As funções precisam ficar muito claras desde o início. E, quem se associar a eles, terá de se adaptar a uma divisão de poder já feita?, diz Lucas Copelli, da Vallua Consultoria e Gestão.
Difícil, neste momento, é achar parceiros de peso para engrossar essa empresa. Nem Luiza Helena Trajano, do Magazine Luiza, e nem Adelino Colombo, das Lojas Colombo, conversaram com Nunes e Batista. ?Eu vou continuar crescendo com projeto de expansão orgânica e por meio de aquisições?, disse Luiza à DINHEIRO. ?Essa união é natural e as empresas vão se juntar cada vez mais mesmo. Nós vamos continuar como uma opção para a indústria e para o consumidor?, diz ela.
?Queremos crescer 35% neste ano e abrir mais 30 lojas em São Paulo em 2010?. Ela pretende chegar aos R$ 5 bilhões de faturamento até o fim do ano, mesmo valor almejado por Nunes e Batista. Detalhe: o setor não deve crescer mais do que 10% neste ano. Vai ser uma briga boa.