06/12/2013 - 21:00
Quando foi libertado, em 1990, depois de 27 anos na prisão da ilha de Robben, na Cidade do Cabo, a primeira declaração do ex-presidente sul-africano Nelson Mandela foi de agradecimento aos que se juntaram a ele na luta contra o apartheid, o regime de segregação racial que durante 46 anos dividiu o país, oficialmente, entre brancos e negros. Em seguida, ele pediu que todos, independentemente da cor da pele, se juntassem na construção de uma nova África do Sul. A conciliação de um país que passou metade do século 20 dividido em dois, com a maioria negra sem direito a nada, oprimida pela minoria branca, é o grande legado de Mandela.
Ninguém, no século 20, teve mais influência do que ele. Era chamado de terrorista pelos que, por conveniência e em plena guerra fria, apoiavam o regime racista, como os governos americano e britânico. Mas era amado por um número muito maior, como exemplo de luta contra a divisão racial. Na quinta-feira 5, logo após a divulgação da sua morte, aos 95 anos, em Johannesburgo, o presidente americano, Barack Obama, deu um depoimento pessoal. “Não consigo imaginar minha vida sem o exemplo de Mandela”, afirmou. Da prisão, Mandela inspirou milhões de jovens, como Obama, que foram às ruas no mundo todo protestar contra um regime que deixava na miséria e sem direitos civis e políticos 80% da população.
Ao chegar ao poder, Mandela se esforçou em mostrar ao mundo que a África do Sul tinha mudado. Dedicou-se a outra tarefa: a de criar prosperidade e empregos para seus compatriotas. Abandonou o discurso anticapitalista do seu partido, o Congresso Nacional Africano (CNA), e os planos de nacionalizar bancos, minas e outras empresas. Em vez disso, reafirmou aos empresários que eles teriam seus investimentos respeitados e lançou programas para combater a pobreza e o analfabetismo. No governo, ajudou a transformar a África do Sul numa voz relevante no mundo, assumindo seu papel entre os emergentes.
As relações com o Brasil, rompidas durante o apartheid, foram retomadas após a eleição. Os dois países participam, junto com a Índia, do Ibas, um grupo de articulação política para aprofundar as relações entre os três países, as três grandes democracias multiétnicas do Hemisfério Sul. Em 2011, a África do Sul se integrou ao BRIC, grupo formado por Brasil, Rússia, Índia e China. A economia melhorou. O PIB per capita dobrou entre 1994 e 2012 e o PIB do país triplicou. Parte dessa melhora foi consequência do fim das sanções econômicas e da retomada das relações comerciais com o resto do mundo. Mas o desemprego, uma medida mais pessoal do bem-estar econômico, voltou a aumentar e hoje aflige um quarto dos sul-africanos.
Como sabemos no Brasil, a igualdade racial garantida na lei é fundamental, mas não é suficiente. Madiba, nome tribal pelo qual é chamado na África do Sul, fez sua parte. Lutou pela democracia e conseguiu direitos iguais para todos. E deixou ainda outro legado. Mandela sempre aparecia com o braço estendido e o punho cerrado em sinal de luta, e quase sempre sorrindo. Com sua vida, mostrou que é possível lutar e manter o coração leve. Como ele disse, ao sair da prisão: “Quando eu saí pela porta que levaria à liberdade, eu sabia que se não deixasse minha amargura e meu ódio para trás, eu continuaria na prisão.” Mandela não apenas se libertou, mas ajudou a construir um mundo mais livre para todos nós.