25/11/2009 - 8:00
Os olhos de Paolo Zegna, 53 anos, viajam como se fossem lentes objetivas examinando os detalhes da loja da grife italiana Ermenegildo Zegna, no bairro dos Jardins, em São Paulo. De repente, eles ficam vidrados em uma camisa dobrada delicadamente exposta no sóbrio móvel de palissandro spazolato, um tipo de madeira rosa trazida da Itália.
Dá um passo e planta-se na frente dela puxando-a pelas mãos, enquanto reclina o rosto abaixando os óculos de modo a conferir a intrincada trama do tecido. O silêncio permanece diante da minuciosa análise até que Paolo dá seu veredicto sem pronunciar uma única palavra.
Apenas um aceno, um simples movimento da cabeça para a frente, avaliza que aquele produto confeccionado em uma de suas fábricas na Itália é uma obra-prima.
“A qualidade do produto foi, é e será cada vez mais a nossa preocupação”, explicou à DINHEIRO Paolo Zegna, presidente do conselho do grupo Ermenegildo Zegna, uma potência da moda masculina com faturamento de 870,6 milhões de euros e 547 lojas espalhadas em mais de 90 países.
“É isso o que as pessoas esperam de nós. Elas pagam mais de US$ 2 mil por um terno, mas exigem algo excelente, querem ser tratadas como reis.” Faz parte do trabalho de Paolo, neto de Ermenegildo Zegna, o criador da marca, zelar não só pelo nome de sua grife, mas também de sua família.
O legado: Ermenegildo Zegna (abaixo) fundou a grife, em 1910, com uma tecelagem (ao lado). Seus herdeiros criaram o Oásis Zegna, uma reserva florestal com 100 km2
E, na semana passada, enquanto visitava o Brasil, recebeu a DINHEIRO para uma entrevista exclusiva (leia no fim da reportagem) na qual revelou a fórmula de sucesso que mantém a grife no olimpo da moda.
“Não se vive apenas de tradição”, conta Paolo. “O importante é combinar tradição, qualidade e inovação.” Uuma receita que será vista com mais força no Brasil em 2010. “Já está certo que abriremos uma loja em Brasília. Queremos estar presentes em três grandes cidades do Brasil.”
A empresa, que domina a arte da alta alfaiataria e produz ternos cortados com precisão cirúrgica, possui cinco lojas no País – quatro em São Paulo e uma no Rio de Janeiro. A rigor, a futura operação na capital federal fecharia o ciclo de investimentos da grife no Brasil. Estima-se que cada loja tenha consumido R$ 4 milhões e, depois de abrir um endereço em Brasília, a Zegna se concentraria no retorno do dinheiro aplicado por aqui.
“O Brasil tem espaço para dez lojas, mas os tributos são muito altos”, reclama Paolo, com seu acento italianado, sobre o imposto de importação de 35% sobre o valor da peça. “É como guiar uma Ferrari em uma estrada de terra. Você não consegue acelerar na velocidade que poderia”, diz metaforicamente.
“A Zegna é a marca mais forte do mundo”, diz Ricardo Minelli, ex-diretor da Daslu Homem e dono da grife Arturo Minelli. “O problema é que os preços são muito altos.” O terno mais básico, da linha ZZegna custa a partir de R$ 3,8 mil e o Su Misura, feito à mão, pode alcançar R$ 30 mil. “Nossos principais concorrentes são as lojas da Zegna de Nova York, da Argentina, de Milão”, diz o capo da grife italiana referindo-se aos brasileiros que viajam e compram os produtos da marca no Exterior.
Esguio, com cerca de 1,95 m de altura e elegantemente vestido em um terno com paletó estilo jaquetão, Paolo tem motivos de sobra para se preocupar com qualquer questão que envolva o desempenho de sua marca, sobretudo em países emergentes.
A recente crise econômica que varreu os mercados mundiais ajudou a empresa a enxergar as vantagens de ter investido em outros países nos últimos anos. “O impacto da crise foi forte”, desabafa Paolo. “Nós sofremos muito nos EUA, na Europa e no Japão. Graças a Deus investimos nos mercados emergentes”, explica.
A Zegna foi uma das pioneiras a desbravar as fronteiras da Ásia, principalmente na China, onde possui mais de 50 lojas. Oo tigre asiático, membro mais forte dos países que formam o bloco de Brasil, Rrússia, Índia e conhecido como Brics, deverá ultrapassar os Eestados Uunidos em volume de negócios do grupo italiano ainda em 2009.
Não é preciso fazer muita conta para perceber a importância da China para a Zegna. Enquanto em algumas lojas da marca nos Estados Unidos as vendas têm sido 20% menores do que no ano passado, os pontos de venda no país de Mao Tsé-tung têm anotado crescimento de 30% ao ano.
De olho nesse fenômeno, o grupo tem feito novos investimentos na Ásia. Em outubro, abriu uma loja na Mongólia, depois outra em Cingapura e, por último, em Hong Kong. A busca pela lucratividade em outros países é necessária para balancear as perdas nos mercados mais tradicionais.
O Clã da alfaiataria: da esq. para a dir., Benedetta (no chão), Paolo, Renata, Ermenegildo Neto e Anna. A família controla a empresa e a abertura de lojas
“O que conta a favor da empresa é a rapidez nas tomadas de decisão”, diz Carlos Ferreirinha, diretor da MCF Consultoria e Conhecimento. Essa vantagem competitiva deriva de uma questão que, à primeira vista, parece ser dicotômica: a Zegna é uma empresa familiar, que, em tese, poderia ser mais problemática.
Enquanto grandes grupos de capital aberto atêm-se apenas aos números, a Zegna pode, de certa forma, contar com decisões racionais, porém, emocionais. Afinal, a marca permanece nas mãos do clã há 99 anos e sua perpetuação é perseguida com obsessão pelos Zegna.
A dinastia dos tecidos e das roupas impecavelmente costuradas nasceu com Michelangelo Zegna, um relojoeiro que decidiu abrir uma pequena tecelagem no norte da Itália. Mas foi apenas Ermenegildo Zegna, o caçula de dez filhos, que seguiu o caminho da manufatura.
Em 1910, com apenas 18 anos de idade, ele fundou o lanifício Zegna, em Trivero, próximo aos Alpes. Em pouco tempo, conseguiu ombrear com os rivais ingleses, famosos pelas elegantes tramas, e levou a marca para 45 países.
Ao morrer, deixou seus filhos Aldo e Angelo no comando. Os dois foram os responsáveis por dar uma cara para a grife com lojas próprias abertas, na década de 80, em Paris e Milão. Paolo, nascido em Turim e formado em economia e ciências sociais na Universidade de Genebra, na Suíça, faz parte da quarta geração.
Ele divide o comando da empresa com as irmãs Laura, à frente do Oásis Zegna, uma reserva florestal privada com 100 km quadrados; Renata, que faz parte do conselho da companhia; e com os primos Gildo, que ocupa o cargo de CEO; Anna, que comanda a Fundação Zegna; e Benedetta, que é responsável pela formação de novos talentos. Na empresa, diz ele, “só entra quem tiver talento”. “Existem regras definidas em conjunto com a família e Benedetta me ajuda a descobrir quem tem potencial no grupo.” A cobrança, porém, é colossal.
Indagado quando percebeu a força de seu sobrenome, Paolo abre o sorriso, senta-se na beira do sofá, eleva a mão à meia altura e diz: “Desde pequeno.”
Quando estudava no primário, quase todos os pais de seus colegas trabalhavam nas fábricas de sua família. “Algumas vezes me sentia constrangido com isso”, diz ele. “Ssempre eu tinha que ser o primeiro e as pessoas sempre comparam as gerações.”
Aliás, o desafio da próxima geração, que já soma 11 herdeiros, é conseguir manter a empresa em harmonia e expandir os negócios. Um IPO, diz Paolo, não é cogitado. “Agora não. Mas não sei se, em dez anos, esse será o ponto de vista da família.
“Uma pesquisa realizada por John Ward, professor da universidade Kellogg e membro do Family Business Consulting Group International, mostra quão difícil é a sobrevivência de empresas familiares com o passar do tempo.
Os estudos mostraram que somente 34% das companhias permanecem na segunda geração, 17% na terceira, 4% na quarta e, depois disso, não há mais indicadores. A família Zegna tem conseguido se manter bem longe das taxas de corte porque impôs uma governança corporativa rigorosa dentro da empresa.
“O segredo do sucesso dessas companhias é separar bem a família dos negócios. Eles preparam os herdeiros para serem acionistas. Se surgirem executivos, melhor”, diz Wagner Luiz Teixeira, diretor geral da Höft, consultoria especializada em empresas familiares.
“Não se vive apenas de tradição”
Paolo Zegna, 53 anos, presidente do conselho da Eermenegildo Zegna, contou os planos da marca no Brasil e no mundo. Acompanhe os principais trechos da entrevista:
DINHEIRO: Como o sr. observa o mercado brasileiro?
PAOLO ZEGNA: Nós estamos felizes com o trabalho que estamos fazendo, mas é como guiar uma Ferrari em uma estrada de terra. Você não consegue acelerar na velocidade que poderia. Tem todo o potencial, as pessoas o aplaudem, mas você não consegue.
DINHEIRO: Por quê?
PAOLO ZEGNA: Para os exportadores, há uma limitação. No caso de produtos de luxo, acho que as pessoas não pararam de comprar, mas elas passaram a comprar fora do Brasil. Na Europa, a taxa de importação é de 3%. Já no Brasil é muito alta. Antes era de 20% e hoje é de 35%. O competidor da Zegna do Brasil é a Zegna de Nova York, da Argentina e de Milão.
DINHEIRO: Mesmo assim, a empresa continua a investir no Brasil?
PAOLO ZEGNA: Temos cinco lojas no Brasil e vamos abrir uma em Brasília porque acreditamos que temos de estar em três grandes cidades do País.
DINHEIRO: O que é mais importante, tradição ou qualidade?
PAOLO ZEGNA: Não se vive apenas de tradição. O segredo é combinar tradição, qualidade e inovação. Nossas linhas atendem os vários tipos de consumidores. Para o avô, temos a tradição, para o pai temos a qualidade e para o filho oferecemos a inovação.
“Trabalhar no Brasil é como guiar uma Ferrari em uma estrada de terra. Você não consegue acelerar na velocidade que poderia”
DINHEIRO: Falando em gerações, a Zegna é uma empresa familiar. Qualquer um que tenha o sobrenome Zegna pode trabalhar na empresa?
PAOLO ZEGNA: Não. Para trabalhar na Zegna, tem que ter talento. Ninguém tem uma posição assegurada no grupo e nós tentamos atuar como uma empresa de capital aberto.
DINHEIRO: O seu sobrenome é reconhecido no mundo inteiro. Quando o sr. percebeu o peso dele?
PAOLO ZEGNA: Muito cedo. Não é fácil. Quando era pequeno e estudava no primário, lembro que minha família empregava os pais dos meus colegas. Algumas vezes, me sentia constrangido com isso.
DINHEIRO: Como o sr. projeta a empresa nos próximos dez anos?
PAOLO ZEGNA: Talvez não muito diferente do que falamos hoje. Tem de ter a tradição, a qualidade, a história, a inovação, a boa gestão. Gostaria de ver a companhia fazendo as mesmas coisas.
DINHEIRO: A família pensa em abrir o capital da empresa?
PAOLO ZEGNA: Agora não. Mas não sei se, em dez anos, esse será o ponto de vista da família. Temos 11 herdeiros, eles são diferentes, um mora na China, outro em Washington, outro em Londres… Eles têm características, educação e hobbies diferentes.
Apesar de Paolo dizer que só trabalha na grife quem tiver talento, é crucial para a marca ter um membro da família em seus quadros. Desde sua fundação, apenas os Zegna ocuparam as principais cadeiras do grupo.
Mais do que simbolizar que o negócio está nas mãos da família, isso significa muito para os consumidores. É como garantir que a tradição exalada pelas roupas sobrevive – um atributo que foi estendido para outros produtos.
“Até 1995, ela era uma marca mais conhecida pelos tecidos”, diz Gino Duo, da consultoria Consultive. “Quando essa geração (de Paolo e Gildo) assumiu, transformou a Zegna em uma grife com apelo de moda.”
A partir daí teceram negócios que mudaram o modo como a grife era percebida pelos clientes. “Temos produtos para o avô, para o pai e para o filho”, diz Paolo. Além das linhas mais clássicas, o grupo Zegna possui marcas voltadas para o público mais jovem, como a Zegna Sports, e também para quem busca um apelo mais fashion, com a marca Tom Ford.
A sociedade com o estilista americano, firmada em 2006, fez barulho no mundo inteiro. “Eeu havia trabalhado com eles durante muitos anos e sabia que eram os parceiros ideais para esse negócio”, disse Tom Ford em recente entrevista à Istoé Platinum. Outra grande parceira da Zegna é a também italiana Salvatore Ferragamo.
As duas marcas criaram a Zefer, uma joint venture para fabricar sapatos e artigos de couro da Zegna. A grife também lançou perfume, óculos e “empresta” seus conhecimentos para outras marcas como Giorgio Armani, Gucci, Versace. “Não somos como algumas empresas de moda que olham para os outros como rivais”, explica Paolo.
“Aprendemos uns com os outros.” No fundo, a Zegna ganha ao cultivar a política da boa vizinhança com seus competidores. “Nós produzimos os ternos dessas grifes”, diz Paolo. Então, se alguém comprar um terno Armani, Versace ou Gucci estará comprando um Zegna? Paolo não esconde a satisfação em responder essa pergunta e dispara com um sorriso sarcástico estampado no rosto: “De um jeito ou de outro…”