A Bolsa de Mercadorias & Futuros ganhou uma nova corretora no início de abril. Chamada Flow (fluxo, em inglês), é especializada em negociar contratos de dólar e de juros, tem oito funcionários na mesa de operações, outros sete no pregão, e três para cuidar do serviço burocrático. Seria mais um evento trivial na BM & F se não fosse por um detalhe: um dos dois sócios majoritários da nova casa carrega o sobrenome Lemann. Jorge Felipe, de 31 anos, é o filho caçula do primeiro casamento de Jorge Paulo Lemann, criador do Garantia _ banco de investimentos que marcou época no mercado financeiro _ e um dos donos da AmBev, entre outros negócios de peso.

Ao contrário do pai, ainda hoje uma das principais referências entre investidores e executivos financeiros, Jorge Felipe está longe de chamar a atenção do grande público. Mais conhecido no mercado pelo apelido de “Pipo?, o filho de Jorge Paulo não se deixa fotografar e é a imagem da discrição. Veste-se com tênis, calça jeans, camisa xadrez de mangas curtas e um relógio digital com grandes números piscando na tela. No pulso esquerdo, traz amarrada uma fitinha azul, de Nosso Senhor do Bonfim, da Bahia, que ganhou da namorada durante uma viagem à Chapada Diamantina, Salvador e Comandatuba. ?Pelo menos um dos desejos que fiz ao amarrar a fita está garantido?, conta ele. ?Virei dono de uma corretora.?

A Flow foi aberta num escritório no bairro do Itaim, em São Paulo, em sociedade com outro operador do mercado financeiro, Fábio José de Camargo Assumpção. Como sócios minoritários aparecem outros integrantes da família Lemann. Além do próprio Jorge Paulo, com menos de 10% das ações, uma parte também pertence ao irmão mais velho de Felipe, Paulo, de 35 anos, que administra um fundo de investimentos em Nova York. Os dois não vão participar do dia-a-dia da empresa. Mas os palpites de Jorge Paulo serão uma referência importante na Flow. ?Meu pai me dá apoio total?, diz Felipe. ?Ele quis entrar de sócio, não tinha a menor obrigação.?

Felipe quer aplicar na nova corretora a experiência que ganhou em dez anos de atividade no mercado financeiro e a filosofia de trabalho do Garantia, presente em sua casa desde os primeiros anos de vida. No Garantia, era praticamente proibido contratar parentes, incentivava-se a competição entre funcionários e quem apresentava bom desempenho era premiado, podia até virar sócio. Em casa, segundo Felipe, ninguém podia se acomodar porque havia nascido em berço de ouro. ?Desde que me lembro por gente, meu pai cobrava disciplina, dizia que a vida não é fácil, que precisamos trabalhar duro?, conta Felipe. ?E, olhando para trás, vejo que ele estava certo.?

Felipe começou a trabalhar quando ainda era estudante do segundo grau, no Rio de Janeiro. Depois das aulas no colégio, ia para a velha sede do Garantia, num prédio na avenida Almirante Barroso, no centro da cidade. Durante seis meses, exerceu ali a função de liquidante, uma espécie de office-boy financeiro. E, no papel de liquidante _ como também ocorreu com o atual presidente da AmBev, Marcel Telles _, ele dançou o chamado ?balé do asfalto?. A prática consistia em pegar pacotes de documentos jogados pela janela, do 20o andar, e sair correndo, a tempo de entregar a papelada para os leilões diários do Banco Central, na avenida Presidente Vargas.

É claro que a vida de Felipe não foi só dureza. Ele passou a infância e a juventude divertindo-se em Angra dos Reis, onde a família tinha uma casa. Até hoje, guarda um jeito de garoto de praia, chegado ao surfe. Gosta de esportes típicos de sua geração, como o rappel, o arvorismo, o rafting e o tracking, que misturam aventura e natureza. A diferença é que mesmo com todo o conforto de um filho de banqueiro, o pai sempre procurou impor limites. Na faculdade Cândido Mendes, onde estudam pessoas bem nascidas do Rio de Janeiro, Felipe chegou a ser motivo de risos entre os colegas por uma razão inusitada para o resto dos mortais. ?Eles me gozavam porque eu não tinha um carro importado?, lembra o operador, que dirigia uma Parati.

 

 

O filho de Lemann trabalhou nas corretoras Celio Pelajo e Ativa enquanto estudava economia. Mas, em 1995, interrompeu o curso porque se mudou para São Paulo, para fazer um estágio no banco Matrix, onde trabalhavam ex-funcionários, colegas de trabalho e amigos de seu pai, como André Lara Resende e Tom Freitas Valle. Entre os antigos diretores do Matrix, que fechou no ano passado, Felipe é lembrado como uma pessoa discreta e um pouco tímida. Um ex-diretor do banco, que preferiu não se identificar, conta que, no início, chegou a pensar que o filho de Jorge Paulo era um vizinho dele na mesa de operações, que era mais expansivo do que Felipe.

Depois do Matrix, Felipe passou seis meses no exterior viajando, enquanto decidia se continuaria no mercado financeiro e se mudaria em definitivo para São Paulo. Voltou ao Brasil disposto a investir na carreira. E, assim como fez anteriormente, privilegiou a experiência prática à formação acadêmica. Felipe, que não concluiu a graduação, começou a trabalhar na corretora do Unibanco, em São Paulo, em 1997. Ficou ali dois anos. Com a experiência que adquiriu, recebeu um convite para trabalhar, em 1999, na recém-aberta corretora Link, dos filhos de Luiz Carlos Mendonça de Barros.

Na Link, Felipe viveu o período mais ativo de sua vida profissional. A Link logo se tornou a maior corretora da BM & F, movimentando bilhões e bilhões em contratos de dólar e juros. Felipe estava em sua praia predileta: a mesa de operações. Como operador, ele recebe ordens de clientes para execução de negócios e as repassa para os funcionários da corretora no pregão. As qualidades mais exigidas nessa função são sangue frio, precisão e rapidez. ?O que me dá mais adrenalina é executar ordens grandes, que envolvem muito dinheiro, e movimentar o mercado?, diz Felipe, que usa os jargões típicos de operadores de mercado. ?Era isso que ocorria na Link.?

Depois de três anos na Link, Felipe avaliou que tinha experiência suficiente para ter sua própria corretora e convidou Fábio Assumpção, com quem havia trabalhado no Unibanco, para montar a Flow. Amarrou a fitinha do Bonfim no pulso e foi à luta. Com a corretora de pé, seus planos para a empresa lembram a filosofia que seu pai implantou em vários negócios em que participou. ?Nosso estilo será manter o foco e apostar na ousadia e na meritocracia?, diz Felipe, resumindo o que poderia ser um manual de trabalho do velho Garantia. ?Quero atrair pessoas que vistam a camisa da empresa e que serão recompensadas com bônus e participação na sociedade.?

O próprio Felipe está empenhado em avançar na carreira. Sem
um título acadêmico, ele se matriculou em um curso da universidade americana de Harvard, chamado Owner President Management _ uma disciplina dedicada ao treinamento de empresários, feita ao longo de três anos. Em maio, Felipe vai passar três semanas em Harvard, na primeira rodada do curso.

Ao voltar, Felipe voltará a enfrentar uma pergunta que os colegas
não cansam de fazer. Felipe vai tentar repetir a trajetória do pai? Pretende abrir um banco de investimentos? Ele desconversa. ?O
futuro está em aberto?, diz o dono da Flow, que costuma jogar

tênis regularmente com o pai. Os que conhecem Felipe dizem que tem uma grande diferença em relação a Jorge Paulo: o pai, que foi campeão brasileiro de tênis, é mais competitivo e arrojado, enquanto o filho é um bom operador, mas é mais tímido e não aparenta ter as mesmas ambições. Para quem acredita em coincidências, a família Lemann tem uma para comemorar. Há exatos 31 anos, quando Felipe nasceu, Jorge Paulo abriu sua primeira corretora, a Garantia. Na época, Jorge Paulo tinha 31 anos. ?Parece que é o nosso número da sorte?, diz o dono da mais nova instituição financeira dos Lemann.