Há um novo espectro rondando o passado do ministro da Fazenda Antônio Palocci. Trata-se do empresário Márcio Antônio Francisco, 40 anos, que desde o colegial pertence ao mesmo círculo de relações do ministro em Ribeirão Preto. Francisco acusa Palocci de liderar um esquema de liberação de verbas do BNDES em troca de ?pedágio?. Esse esquema, segundo Francisco, teria como seu principal operador Nelson Rocha Augusto, atual presidente da corretora de títulos e valores do Banco do Brasil, a BB-DTVM, e ex-secretário de Planejamento de Palocci na Prefeitura de Ribeirão. Ainda de acordo com o empresário, o esquema também teria como objetivo criar empresas fantasmas para emitir notas frias para a empreiteira local Leão & Leão ? empresa investigada por esquemas de superfaturamento em serviços prestados para a Prefeitura de Ribeirão Preto na gestão Palocci. ?Eu estive pessoalmente com o Nelson várias vezes para combinar o esquema?, relatou Francisco a DINHEIRO. ?O Nelson me disse que faria um BNDES de R$ 5 milhões para eu montar minha indústria, mas que o dinheiro só sairia se eu pagasse pedágio de 50% para o grupo. Ele revelou que já havia feito o mesmo para outras empresas. Disse também que com o Palocci no Ministério da Fazenda, a liberação do dinheiro seria muito rápida?.

O relato de Francisco tem dois tempos ? o primeiro em meados de 2001, quando Palocci era prefeito; o outro entre abril e setembro de 2003, quando Palocci já era ministro. Francisco era dono da cachaça Palmeirinha, uma das mais tradicionais marcas do interior paulista. Ele começou engarrafando a aguardente produzida no engenho de seu avô, em Igarapava. Depois passou a comprar também de outros produtores da região. Em 2001, quando vendia 200 mil litros por mês, fez contatos na Itália e decidiu aumentar sua produção para exportar cachaça para a Europa. ?Eu precisava de R$ 1,5 milhão para montar uma nova fábrica?, conta. ?Pretendia criar 300 novos empregos?. Um consultor amigo o aconselhou a procurar o executivo Ivan Leme de Sant?Ana, ex-diretor do Banco Ribeirão Preto e na ocasião dono de um escritório de consultoria contábil especializado em BNDES. Era junho de 2001. Eis o relato de Márcio Antônio Francisco:

? O Ivan me disse que tinha uma empresa já pronta para eu comprar, a Indústria de Bebidas Cravinhos. Ele me disse: ?Olha, tenho um esquema com o Banco Ribeirão Preto, com o Nelson Rocha junto com o Palocci?. Ele já falou do Palocci e me pediu uns dias para conversar com o Nelson.

Na ocasião, Nelson Rocha Augusto acumulava os cargos de diretor Financeiro do Banco Ribeirão Preto com o de secretário de Planejamento da Prefeitura. Já a Indústria de Bebidas Cravinhos, pertencia a Jair Coelho, empresário do setor de coleta de lixo no Rio de Janeiro, já falecido, e à sua mulher Ariadne, socialite da Barra da Tijuca, que ficou famosa como a ?rainha das quentinhas? ? maior fornecedora de refeições prontas para os presídios cariocas, foi acusada de fornecer documentos falsos para vencer licitações. Ainda de acordo com Francisco, três dias depois do primeiro encontro, ele teria sido convocado por Ivan Sant?Ana.

? O Ivan então me disse: ?Está tudo aprovado junto ao banco?. Mas ele tinha uma contra-proposta. Ao invés de R$ 1,5 milhão, o banco liberaria R$ 5 milhões, mas eu só ficaria com R$ 2,5 milhões. O Ivan explicou que ficaria com R$ 300 mil, que era a comissão dele, e o restante, R$ 2,2 milhões, iria para o Nelson e o Palocci. Foi o que o Ivan me disse. Só que, para efetivar o esquema, eu teria que abrir uma construtora que forneceria notas frias para a Leão & Leão.

? Me encontrei pela primeira vez com o Nelson em junho de 2001, em seu escritório no banco. Ele falou explicitamente no nome do Palocci, disse que o banco conseguia liberar porque o Palocci tinha acesso ao BNDES. Disse: ?Nós liberamos o dinheiro, como já liberamos aqui dessa outra empresa, a Timbalada (indústria de refrigerante local), que fez um BNDES com a gente. Sem o aval do Palocci, aqui a gente não faz nada?. Ele disse que se não passar por esse pedágio nada feito. Respondi: ?Um pedágio de 50% é um absurdo, não faço?. Lembrei que iria me endividar em R$ 5 milhões, receber só metade e iria pagar tudo como? Ele então me falou que eu poderia resolver isso abrindo uma construtora e entrando no esquema de notas frias da Leão & Leão.

Márcio Francisco decidiu entrar no jogo e abriu a construtora. Batizou-a de Zorzin, em homenagem à sua namorada na época, Danielle Luciano Zorzin. Ela e Ivan Sant?Ana assinaram o contrato social como testemunhas. Francisco também teria mantido uma série de conversas pessoais com Isabel Ferreira Leão, acionista da Leão & Leão. Francisco diz que, em nenhum momento, falou diretamente com Palocci sobre o assunto. O empresário relata:

? Estive várias vezes com a Isabel Leão. No primeiro contato, em julho de 2001, ela me disse que estava precisando de R$ 2 milhões por mês de notas frias. Eu emitiria notas de serviços contra a Leão & Leão, serviços evidentemente não prestados, para ela fechar as contas internas. Ela me pagaria R$ 3% do valor da nota que eu emitisse, ou seja, R$ 60 mil por mês livres, sem que eu precisasse fazer nada. E ela também disse que sem esse esquema, não seria liberado o dinheiro do BNDES para mim. Por fim me mandou procurar o contador dela, João Francisco, que ele abriria a empresa de engenharia.

Em agosto de 2001, quando a Construtora Zarzin já estava pronta para funcionar, Márcio Francisco desistiu de entrar para o esquema. ?Fiz os cálculos e descobri que seria só um laranja, que depois de pagar todos os impostos, ainda ficaria com um déficit na Receita Federal de 13% e quebraria?, conta. Naquela época, ele procurou o Conselho Regional de Contabilidade para protocolar uma denúncia contra Ivan Sant?Ana por manter um escritório sem registro de contador ? a denúncia foi arquivada em maio de 2005. Ainda de acordo com seu relato, em abril de 2003, logo depois que Palocci virou ministro da Fazenda, uma secretária do Banco Ribeirão Preto lhe telefonou para marcar um encontro com Nelson Rocha. Ermes Stabile Jr., substituto de Rocha na diretoria do banco, também teria participado desse encontro.

? O Ermes me disse que se eu ainda quisesse fazer aquele BNDES de R$ 5 milhões para reativar a compra da fábrica da Ariadne Coelho, ele ajudaria. O Ermes explicou: ?Olha, agora está muito mais fácil , porque o Palocci é ministro?. Depois o Nelson insistiu na mesma proposta. Disse o seguinte: ?Agora está muito mais fácil fazer BNDES com o Palocci como ministro, a liberação é mais rápida. Só que tem que pagar aquele pedágio, fora a taxa do banco. Eu levantei da mesa e os chamei de bandidos?.

?Essa história é risível, ridícula e sem pé nem cabeça?, reage o presidente da BB- DTVM. ?Não conheço esse cidadão, nunca conversei com ele e em nenhum momento ele se reuniu comigo?. Nelson Rocha lembra que o patrimônio do Banco Ribeirão Preto (BRP) era de R$ 20 milhões, portanto, ele jamais poderia conceder empréstimos de R$ 5 milhões. Vale lembrar que, caso o empréstimo fosse liberado, os recursos viriam do BNDES, cabendo ao BRP apenas o papel de agente financeiro. Procurado por DINHEIRO através de sua assessoria de imprensa, o ministro Palocci não havia se manifestado sobre a denúncia de Francisco até o fechamento desta edição. Há ainda a hipótese de os executivos do banco terem, na época, usado indevidamente o nome do ministro Palocci. Francisco pondera: ?Acho que não, pois o Nelson era o homem forte de Palocci, são amigos íntimos, tanto que foi levado para dirigir a corretora de investimentos do Banco do Brasil?. Além de sua palavra, Francisco diz guardar indícios da veracidade de sua história. ?Contei sobre esse esquema na época para oito pessoas que podem testemunhar a meu favor. Também podem quebrar todos os meus sigilos e das pessoas que indiquei?, afirma.