Elas tiraram a burca. Tomaram as ruas. Invadiram as lojas. Voltaram ao consumo. Elas estão retomando uma economia dizimada. Por esses dias, pós-guerra, em Cabul, Jalalabad ou Kandahar, as afegãs estão tomando conta. São as âncoras da tevê, as professoras de volta às escolas, as médicas atendendo nos hospitais, as compradoras que fazem o sonho dos lojistas. Após cinco anos sob o ensandecido regime taleban, debaixo de panos e controladas por severa vigilância, as mulheres afegãs estão incorporando aquele papel tradicionalmente reservado a todas as demais mulheres pelo resto do mundo: a de motor da economia. No bazar central de Cabul, o burburinho das vozes femininas está de volta. Elas pechincham o preço das poucas verduras em exposição, apalpam as frutas, negociam o valor dos rádios, das tevês e antenas parabólicas ? trazidas via contrabando do Paquistão ? e escolhem tecidos coloridos para fazer roupas novas. Como nos bons e velhos tempos. Em meio aos destroços da guerra, os negócios começam a florescer na capital do Afeganistão. Algumas lojas da rua Nadir Pastun, conhecida pelo comércio de eletrônicos, chegam a vender 150 tevês por dia.

A entrada da mulher na economia afegã será tão impactante quanto a sua abrupta retirada. Após 20 anos de guerras e lutas internas, elas são maioria no Afeganistão (65% da população). Ou seja, mais do que em qualquer outro lugar do mundo são elas que vão prover e chefiar suas famílias e, conseqüentemente, aquecer a economia. E elas não estão perdendo tempo.

Ícones do consumo mundial como Coca-Cola, Pepsi-Cola e Nescafé já fazem parte de suas listas de compras. Neste país de contrastes, porém, ao mesmo tempo em que sonham com uma Coca bem gelada, o principal objeto de consumo do momento é o cartão de rações da ONU, distribuído pelas entidades de ajuda humanitária. Farinha, óleo, arroz, feijão. Os olhos das afegãs brilham com a possibilidade de alimentar decentemente os filhos. Advogadas, médicas, professoras que nunca imaginaram um dia ter de viver encarceradas dentro de uma burca, mendigando pelas ruas de Cabul, iniciam agora a retomada de suas vidas.

Mas quem são essas mulheres? Com certeza, não são mais as mesmas de cinco anos atrás. Desse período tenebroso, surgiu
uma geração de meninas analfabetas (algumas, inclusive, filhas de mães com diploma universitário). Surgiu também um exército de profissionais ávidas em voltar ao mercado. Querem produzir.
Querem consumir. É difícil imaginar a vida sem os pequenos prazeres que animam a alma feminina, como uma fugida no meio de um chatíssimo dia de trabalho à loja mais próxima para comprar um vestido que talvez nunca saia do guarda-roupa. Ou entrar num cabeleireiro morena e sair ruiva, com as unhas pintadas de vermelho ? para combinar.