No bairro “DD” de Zaporizhzhia, a vida transcorria com calma apesar de estar a 50 quilômetros da linha de frente, no sul da Ucrânia, até a queda de um míssil na quinta-feira (29) que destruiu inúmeras casas mas desencadeou uma onda de solidariedade.

Gennadii Kungurtsev, de 71 anos, foi surpreendido pela explosão no banheiro. Às nove da manhã, sua mulher, Katerina, de 66, preparava o café, quando as paredes da casa começaram a vibrar. Os estilhaços do míssil atravessaram a cozinha e alguns destroços acabaram dentro do refrigerador, que protegeu Katerina.

O teto de sua casa voou pelos ares, assim como o portão do jardim, enquanto a porta da garagem acabou dobrada para dentro. Ninguém neste bairro sem indústrias, armazém ou infraestrutura militar, entende o porquê do ataque.

Foi, ainda, o primeiro bombardeio contra uma região residencial em Zaporizhzhia, transformada nestas últimas semanas em um ponto de encontro dos civis evacuados do leste até a cidade costeira de Mariupol.

Ivan Arefiev, o porta-voz do exército ucraniano em Zaporizhzhia, explicou que o ataque foi realizado com um “míssil ar-terra” do exército russo e deixou três feridos, entre eles um menor “com uma grave ferida na perna”.

“É inexplicável”, lamenta Anatolii Kungurtsev. “Não entendo para o que estavam apontando”, afirma o filho de Gennadii, ironizando o “valor estratégico” das ferramentas de seus pais, uns alicates e uma pá velha”.

Em frente, a casa de seus vizinhos foi reduzida a escombros e seu velho carro da marca Lada teve o teto amassado como se tivesse sido atingido por um meteoro. Na casa ao lado voaram até os batentes das janelas.

– “Um por todos, todos por um” –

Mas no dia seguinte de a guerra ter chegado ao bairro, dezenas de homens se esforçaram para retirar os escombros e buscar sobreviventes.

São voluntários não vinculados às equipes de proteção oficial da cidade como Eugeni Chernobay, um gigante de 17 anos com o corpo modelado pelo boxe e a musculação, que aparenta ter 25.

“Um amigo me chamou”, conta esse tímido adolescente à AFP. “Agora é um por todos, e todos por um” afirmou. “Todo mundo precisa de ajuda” na Ucrânia.

Anatolii Kungurtsev disse que não tem parado de receber telefonemas desde ontem. “Nos propõe ajuda, dinheiro, estendem uma mão”, diz enquanto levanta um dos grandes sacos de escombros destruídos pelo míssil.

– “Construiremos sobre as ruínas” –

Em um desses fragmentos é possível ver o número sete do míssil, escrito em cirílico, alfabeto compartilhado pela Ucrânia e Rússia. Em uma guerra onde a informação em uma arma é importantíssima, é impossível determinar com certeza se o míssil pertencia as forças russas, já que as ucranianas usam o mesmo modelo de munições desde a época soviética.

No bairro, um homem se aventura a dizer que a defesa antiaérea ucraniana pode ser responsável, mesmo que os vizinhos não compartilhem do seu argumento.

“Sinto apenas ódio” dos russos, diz Serguei Mazenkov, um motorista da administração local que chegou com dezenas de pacotes de comida.

Alex Koshelenko, operário metalúrgico, se expressa em termos ouvidos por toda a Ucrânia: “Se há uma chance de ajudar, por que não fazê-lo?”

“A guerra despertou o melhor no coração dos ucranianos”, afirma Koshelenko. “Querem demonstrar que as coisas são melhores aqui que em nosso vizinho do leste”, explica este trabalhador que veio ‘dar uma mão’ em seu dia de folga.

“Construíremos um novo país com novos valores sobre a ruína do que deixará a Rússia”, completa.

“A Ucrânia será um país incrível depois da guerra”, afirma Anatolii Kungurtsev, usando as palavras que os correspondentes da AFP têm escutado em várias ocasiões.

Para quem as usa, a ideia da derrota ucraniana é inimaginável.