24/09/2003 - 7:00
DINHEIRO ? Qual o impacto do acordo?
PAULO SAAB ? Esse acordo é um sopro, um sopro de bons ventos, e eu espero que atrás disso venha uma ventania. Ele pode provocar 10% (ou 300 mil aparelhos) de aumento nas vendas dos produtos da linha branca (fogão, geladeira e lavadora de roupa) e televisores. Então qualquer medida que venha estimular o consumo é importante. E o governo está dando um estímulo, mas precisamos que a macroeconomia reaja.
DINHEIRO ? Os fabricantes se comprometeram a manter o nível de emprego e não aumentar preços?
SAAB ? Nós daremos garantia de emprego até 31 de dezembro. Mas não demos garantia de segurar os preços.
DINHEIRO ? Por quê?
SAAB ? Não há possibilidade de dar garantia de preços por
um motivo muito simples. É o mercado que determina preço e
quem faz preço para o público é o varejo. Segundo motivo: nós estamos com uma defasagem de 5% em relação à inflação. E
terceiro: essa é a melhor época do ano para se vender. Então, não houve no acordo uma garantia de preços, mas sim um monitoramento para não haver distorções.
DINHEIRO ? Se o governo notar que há um aumento excessivo nos preços, ele pode romper o acordo?
SAAB ? Nós estaremos monitorando isso juntos. Mas não há espaço para um aumento abusivo. Essa linha de financiamento e o volume de recursos que estão sendo oferecidos só serão válidos para alguns produtos. Além disso, esse acordo só vai servir para dar uma alavancada nas vendas porque o mercado não se recuperou em termos de poder aquisitivo.
DINHEIRO ? Qual o volume de dinheiro para essa linha?
SAAB ? São R$ 200 milhões. Cada banco oficial, a Caixa Federal e o Banco do Brasil, ficará com R$ 100 milhões. Caso haja demanda o governo oferecerá mais R$ 200 milhões.
DINHEIRO ? Qual é vantagem do acordo para o consumidor?
SAAB ? Os juros são de 2,5%, mas o grande atrativo é o prazo de 36 meses, o que dará uma prestação média de R$ 36. Isso serve como um bom atrativo para a classe social que o governo quer alcançar.
DINHEIRO ? O acordo resolve o problema do setor?
SAAB ? Encaramos isso como um estímulo ao consumidor, uma maneira de gerar algum movimento em um setor que está estagnado. Estamos com uma demanda reprimida. Na hora em que o consumidor estiver com o emprego garantido e o seu dinheiro valorizado, ele voltará a consumir.
DINHEIRO ? Então qual seria a solução para o setor retomar o crescimento?
SAAB ? Seria necessário desonerar o investimento, os bens de capital e a produção, de forma a criar condições para o crescimento da indústria e do consumo. Assim o País voltará a crescer. Mas isso é um grande desafio a ser superado pelo governo. Eu tenho a esperança que ainda nesse governo isso aconteça. O próprio ministro Palocci está dizendo que o segundo semestre será melhor.
DINHEIRO ? A reforma tributária não resolve isso?
SAAB ? Essa reforma foi feita para atender às necessidades do governo, para ter os 20% de manipulação do orçamento. Mas não é essa reforma que nos fará voltar ao crescimento. Se a situação econômica não propiciar uma retomada da geração de emprego e do recolhimento de impostos, eu acredito que isso será um tiro no pé do próprio governo.
DINHEIRO ? Por quê?
SAAB ? Porque haverá uma redução no recolhimento de impostos devido à diminuição da produção e da circulação da mercadoria. Isso gera uma diminuição de empregos e, assim, haverá menos gente consumindo o que está sendo produzido. Se o governo quer dar ao Brasil um salto de qualidade terá que investir em mais mecanismos que estimulem a produção.
DINHEIRO ? Então, como a reforma tributária afeta o setor?
SAAB ? Como todo o setor de imagem e som está instalado no Pólo Industrial de Manaus, há um aspecto positivo que é a prorrogação dos bebefícios por mais 10 anos, até 2023. Do ponto de vista de reforma tributária fiscal propriamente dita ela não representa aquilo que o setor reivindica, que é a desoneração de toda cadeia produtiva. Somos um setor que está em crise há cinco anos. Em 1998 nós vendemos 35 milhões de unidades, considerando a linha de imagem e som, a linha branca e a linha de portáteis. Em 1999, nós tivemos a crise do racionamento de energia e uma perda bastante substancial. Em 2000, voltamos ao nível de dois anos atrás. De lá para cá só tem piorado. No primeiro semestre deste ano sofremos 14% de queda, em relação ao primeiro semestre do ano passado. Vendemos 31 milhões de unidades este ano, um patamar inferior ao de 1998. A capacidade ociosa está em torno de 35%. Isso é conseqüência da falta de prioridade do setor produtivo. Esses anos todos o governo administrou o caixa, a questão da arrecadação, o pagamento da dívida externa, da manutenção do equilíbrio fiscal procurando um superávit primário, mas a produção foi esquecida. E é com a cadeia produtiva que se cria recursos para a geração de impostos e empregos. Isso precisa ser visto como prioridade.
DINHEIRO ? A prorrogação do Pólo Industrial de Manaus era uma das reivindicações do setor e foi atendida. Então a reforma foi um bom negócio…
SAAB ? Nós temos todos os fabricantes da linha de imagem e som e os de microondas e ar-condicionado instalados no Pólo Industrial de Manaus. São empresas que necessitam ter um horizonte para os seus investimentos. A Zona Franca é um pólo industrial do mais alto grau de tecnologia. Estamos acabando com alguns dogmas que existiam pelo fato de ser uma zona incentivada. O incentivo não existe, porque tudo é repassado ao consumidor.
DINHEIRO ? Mas as críticas em relação a Manaus continuam. Fala-se muito que esse tipo de estrutura tributária beneficia só montadoras, que não há investimento em tecnologia…
SAAB ? Quem conhece hoje o Pólo Industrial de Manaus não repete os antigos chavões. Porque repetir isso é ser preconceituoso.
As indústrias instaladas lá são todas obrigadas a cumprir o processo produtivo básico. Elas têm que comprovar para merecer os incentivos e que cumprem todo o processo de produção. E eu convido qualquer cidadão brasileiro a visitar as fábricas instaladas no Pólo Industrial de Manaus. Porque eu não estou defendendo um situação que não possa ser defensável por cada um dos brasileiros que forem lá visitar. Eu cito dois exemplos, o ex-ministro Alcides Tápias e o ministro Furlan, que foram conhecer nosso Pólo Industrial e voltaram propagandistas do modelo.
DINHEIRO ? De quem é a iniciativa de acabar com os
incentivos fiscais?
SAAB ? Acho que a questão é muito mais econômica. Porque quem não está lá instalado gostaria de obter as mesmas condições. Mas as condições que lá existem são em função dos investimentos necessários. O Brasil não tem uma infra-estrutura logística, operacional, que supra esse distanciamento. Em contrapartida,
trata-se de um pólo com investimentos de US$ 10 bilhões que preserva 98% da floresta intacta.
DINHEIRO ? Qual é a posição do governo em relação a isso?
SAAB ? Na campanha eleitoral o presidente Lula defendeu publicamente a prorrogação da Zona Franca de Manaus e mais do que isso, a revogação da condição pela qual estamos lutando até hoje, dos produtos lá fabricados serem considerados de terceiro país, que é essencial para a nossa melhoria nas exportações. Não falo só sobre o meu segmento e sim sobre todos os produtos fabricados no Pólo.
DINHEIRO – Esse governo está parecido com o anterior?
SAAB ? Eu não gosto de me apegar a rótulos. Se o governo atual fez isso é porque ele quer acertar. Se ele adotou um instrumento semelhante ao do anterior, só que em uma dose excessiva, eu imagino que ele tenha entendido que esse é o caminho. Mas não é a continuação do governo anterior.
DINHEIRO ? Quando virá o espetáculo do crescimento?
SAAB ? O governo fala que essa reforma é o espetáculo do crescimento, mas eu acho que isso está mais para um show de recessão. Isso foi mais uma figura de linguagem que o presidente usou. Aliás, acho que isso é uma forma de comunicação popular inteligente, mas prefiro considerar a boa vontade que ele tem de fazer isso. Querer fazer é uma coisa, mas para chegar aonde se pretende existe uma distância muito longa a ser percorrida. Não precisamos de um espetáculo de crescimento e sim da retomada do crescimento. Ela pode ser paulatina, mas deve ser constante.
DINHEIRO ? Os empresários estão desiludidos com o governo?
SAAB ? Acho que não houve esse desencanto. Agora, é preciso que se dê prioridade ao setor produtivo brasileiro. Ele assumiu esse compromisso e está cumprindo, então não temos motivo para nos desiludirmos. Só o tempo vai dizer se essa decepção virá.
DINHEIRO ? Que nota o sr. dá ao governo?
SAAB ? Olhando o País como um todo e avaliando esses primeiros meses, eu daria uns 5 para baixo.
DINHEIRO ? Alguma companhia do setor pode sair o País?
SAAB ? Não há sinal, mas é sempre um risco. Não podemos deixar as empresas fazerem a conta de que é mais barato trazer de fora do que produzir aqui. A conta que temos que fazer é que a produção local oferece, ao mesmo tempo, uma plataforma de exportação e o acesso ao mercado interno brasileiro. Nós temos escala no mercado interno, nós somos um País que gera interesse de investimento. O que precisa é dar uma capacidade de consumo que justifique a presença dessas empresas. O mercado só precisa achar o rumo do crescimento.
DINHEIRO ? Com a possível recuperação da atividade, o nível de emprego no setor subirá?
SAAB ? Não existem grandes levas de demissão e nem de contratação. Em 1999, na época do racionamento, tivemos a eliminação de 3 mil postos, mas foram recuperados no último trimestre do mesmo ano. De lá para cá a média do setor tem se mantido estável em cerca de 40 mil empregos. Podemos chegar a 50 mil, mas precisaríamos repetir o sucesso de 1996 no boom do real, quando produzimos 47 milhões de unidades.