O presidente da Câmara dos Deputados, o bolsonarista Arthur Lira (PP-AL), está com a rotina mais agitada do que de costume. A pressa não tem relação direta com as repercussões dos palanques eleitorais do 7 de Setembro, mas na articulação nos bastidores com outros parlamentares para incluir na pauta do Congresso temas que, em caso de derrota do “imbrochável” Jair Bolsonaro no pleito de outubro, provavelmente serão colocados na geladeira por um eventual governo petista. O maior e mais polêmico dos textos, incluído e aprovado na surdina da Medida Provisória (MP) dos combustíveis, pode encarecer as contas de luz em R$ 10 bilhões, segundo a Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia (Abrace). Embora a MP do ICMS já esteja valendo, o jabuti de R$ 10 bilhões aguarda apenas um detalhe técnico — um trecho à parte que ainda precisa ser regulamentado e será votado no Senado ainda neste mês.

O jabuti em questão anula, até o fim do ano, os créditos tributários de empresas que compram combustíveis para uso próprio. O relator da matéria na Câmara, deputado Danilo Forte (União-CE), incluiu trechos ligados ao setor elétrico, sem que o tema tenha sido discutido com as empresas. Paulo Pedrosa, presidente da Abrace, diz que espera que o Senado exclua o jabuti da MP. “O texto surgiu e foi aprovada em menos de 15 horas, o que pode beneficiar alguns geradores, mas que vai causar prejuízo aos brasileiros”, afirmou o executivo. “Se continuar como foi aprovada pela Câmara, vai encarecer os custos da produção nacional.”

Pelo texto aprovado na Câmara, as tarifas de uso dos sistemas de transmissão para as concessões e autorizações de geração deverão ser estabelecidas à época da outorga e valerão até o fim do prazo da concessão ou autorização, sendo atualizadas pelo Índice de Atualização da Transmissão (IAT). Os custos poderão beneficiar diretamente agentes do Nordeste, que teriam incentivos para gerar energia eólica e transportar para o restante do Brasil. Os custos, porém, mostram que esse transporte sairia mais caro do que outras formas de energia geradas nas próprias localidades e que a medida não compensaria. O relatório aprovado também ampliou em 24 meses o prazo para as outorgas de geração distribuída.

Para o especialista em finanças Leandro Vasconcellos, sócio da consultoria de investimentos BRA, a medida provisória que deveria reduzir a insegurança jurídica do setor de combustíveis vai aumentar a insegurança no setor elétrico, além de representar, se endossada pelo Senado, um fator adicional de impacto sobre a inflação dos próximos meses. “Vai ter um duplo impacto. Primeiro, no aumento dos custos da conta de luz. Segundo, pelo encarecimento da produção, que será repassado aos produtos e elevando os preços de forma generalizada”, disse Vasconcellos.

PRÓ-NORDESTE Apesar dos números contrários, o deputado Danilo Forte nega o óbvio. Em nota divulgada após a votação, ele disse que as inclusões são um avanço com relação à garantia dos investimentos em energia limpa e renovável no Nordeste, que hoje já promove um impacto na economia muito forte. “Evitamos com a MP que a política que havia sido definida pela Aneel, de dar uma tarifa diferenciada em relação aos investimentos do Centro-Sul, retirem investimentos da região. A MP garante que o Nordeste continue atraindo investimentos em energia solar e eólica.”

O relator da matéria afirma que não cria subsídios novos, já que foram dados no passado. “O que existe é uma prorrogação da implantação dos projetos em execução. Nós não estamos pedindo subsídio novo para projeto novo”, afirmou Forte, durante a sessão da Câmara. “Estamos apenas prorrogando o prazo daqueles que já estão em implantação.” Mas é difícil chegar a essa conclusão sabendo como (e quão rápido) esse jabuti foi colocado na árvore. Bem à moda brasileira.