A banqueira Kátia Rabello, principal acionista do Banco Rural, espera com ansiedade a definição de sua pena pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do mensalão. Condenada por quatro crimes e sujeita a penas de até 15 anos de prisão, Kátia afirma que, “diante de um castigo como esse, o sentimento é de desesperança e dor. Nessa hora, a gente questiona o próprio sentido da vida.” Considerada culpada pelo STF de lavagem de dinheiro, evasão de divisas, formação de quadrilha e gestão fraudulenta, a banqueira, 41 anos, dois filhos e separada, deu à DINHEIRO sua primeira entrevista desde o início do julgamento do esquema de corrupção. Kátia diz que a cada dia aumenta seu medo e sua desesperança e busca forças internas para suportar a situação. 

 

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Kátia Rabello, principal acionista do Banco Rural: “Diante de um castigo como esse, o sentimento

é de desesperança e dor. Nessa hora, a gente questiona o próprio sentido da vida”

 

“Infelizmente, não temos a escolha de sermos ou não injustiçados”, diz. A banqueira, que respondeu às perguntas por e-mail, de uma fazenda no interior de Mato Grosso onde estava na semana passada, diz que sua vida está “muito difícil” desde que o julgamento começou. Se receber uma pena superior a oito anos de prisão, terá de obrigatoriamente começar a cumpri-la em regime fechado. O Banco Rural teve papel central no esquema do mensalão, com empréstimos de R$ 32 milhões ao PT e a empresas de seu conterrâneo, o publicitário Marcos Valério. O Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel, sustenta que o objetivo dos empréstimos foi esconder desvios de dinheiro público que financiavam o esquema. 

 

Os parlamentares condenados por corrupção fizeram retiradas de dinheiro em espécie, muitas vezes de altos valores, em diversas agências do banco. Não foi a primeira vez que o banco que pertenceu a seu pai, Sabino Rabello, se viu envolvido em escândalos. Foi de contas abertas em nome de fantasmas usados pelo ex-tesoureiro PC Farias que saíram cheques para o pagamento de despesas do ex-presidente e atual senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL). Constam também, do prontuário do banco, processos que tramitam na Justiça Federal de Minas Gerias sobre seu envolvimento em remessas ilegais de recursos ao Exterior. 

 

Os ministros do STF rejeitaram a tese da defesa, comandada pelo ex-ministro da Justiça José Carlos Dias, de que Kátia é inocente, uma pessoa inexperiente e despreparada para dirigir o Rural, por ter assumido o banco apenas em decorrência de uma série de tragédias familiares. A irmã Júnia Rabello, preparada pelo pai Sabino para comandar a instituição, morreu num acidente de helicóptero em 1999. O vice-presidente José Augusto Dumont, que comandava de fato o banco desde a morte de Júnia, faleceu num acidente de automóvel em 2004. Só então Kátia, que era formalmente a presidenta-executiva do Rural, desde 2000, assumiu o bastão. Daí a alegação dos advogados de que a banqueira, ex-bailarina e dona de uma escola de dança, tinha pouca familiaridade com as operações do Rural ao assumir o cargo, em 2004. 

 

Na defesa apresentada ao STF, os advogados da banqueira afirmam que os empréstimos foram concedidos por Dumont e ela limitou-se a aprovar sua renovação. Kátia afirma que “não tem condições de julgar” se o executivo falecido é o culpado pelas transações.” Mas os juízes não se deixaram convencer pela argumentação da defesa, citando reuniões da banqueira com o ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu, intermediados pelo publicitário Marcos Valério. Segundo a promotoria, as reuniões teriam tratado da liquidação do Banco Mercantil de Pernambuco, do qual o Rural era acionista. Até a morte da irmã Júnia, Kátia atuava pouco no banco, onde começou a trabalhar, em 1995, na diretoria de marketing do Rural. 

 

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Cenas de um julgamento: o ex-ministro da Justiça José Carlos Dias atuou no STF em favor de Kátia Rabello.

Acima, a ex-presidente do Banco Rural durante depoimento na Câmara dos Deputados

 

Antes disso, dirigia a companhia de balé Primeiro Ato, que criou com a amiga Suely Machado, na década de 1980, em Belo Horizonte. Apaixonada por dança desde criança, Kátia abandonou o curso de biologia na década de 1980 para estudar balé em Londres e em Wuppertal, na Alemanha, referência na dança-teatro pela atuação da coreógrafa Pina Bausch. Foi casada com um músico, pai de seus dois filhos adultos – um deles é músico e mora em São Paulo. O outro é jogador de futebol na Europa. “Ela sempre foi uma pessoa muito ligada à arte, simples e generosa”, diz o jornalista Alberto Filho, colega de colégio de Kátia e um dos amigos que receberam sua carta de desabafo em setembro (veja a entrevista exclusiva da banqueira ao final da reportagem).

 

Nessa carta, ela dizia ter medo e lembrava momentos difíceis atravessados pelo Rural após a quebra do Banco Santos, em 2004, e o estouro do escândalo do mensalão, em 2005. Na época, o banco perdeu grande volume de depósitos – seus ativos, da ordem de R$ 5 bilhões, ficaram reduzidos a R$ 1 bilhão. O professor da Faculdade de Contabilidade da FEA-USP Nelson Carvalho foi consultor do Rural logo depois da morte de Dumont, quando Kátia assumiu a presidência do banco. Ajudou a definir o plano de reestruturação que fez o Rural encolher, com demissão de funcionários, fechamento de agências e abandono dos planos de expansão no varejo. “Os depositantes se assustaram e ela aceitou a sugestão de manter a especialização em empresas de médio porte”, diz Carvalho. 

 

Com isso, o plano que estava em curso, para aumentar a participação do banco no varejo e em empréstimos a grandes empresas, foi cancelado. O banco reduziu o número de funcionários de mais de dois mil para pouco mais de 500 e as agências caíram de 80 para 20. “O que manteve o banco em pé foi a boa qualidade dos ativos”, diz o consultor. Na entrevista à DINHEIRO, Kátia diz que o banco vai sobreviver ao julgamento do mensalão no STF porque os clientes entendem que o Rural não é réu nos processos e que os executivos envolvidos já foram afastados. “A credibilidade foi conquistada, não veio de graça”, afirma, referindo-se ao fato de o banco ter honrado compromissos com depositantes na crise de 2005. 

 

“Minha obsessão sempre foi a de não causar prejuízo a quem confiou em nós.” Recentemente, o banco fez um aumento de capital de R$ 100 milhões para fazer ajustes exigidos pelo Banco Central. No primeiro semestre deste ano, o Rural registrou prejuízo de R$ 32 milhões, por conta de aumento de provisões para perdas com crédito. O atual presidente do banco, João Heraldo Lima, acredita que conseguirá dobrar a carteira de empréstimos a empresas médias nos próximos cinco anos, e que o banco está isolado da crise do mensalão, já que os envolvidos não estão mais na instituição e o banco não é réu nos processos. Kátia descarta vender o Rural. A pena da banqueira deve ser definida na segunda semana de novembro, quando o julgamento for retomado pela corte. 

 

Os resultados dos primeiros réus já demonstram que o STF será rígido. Marcos Valério foi condenado a mais de 40 anos, e seu ex-sócio, Ramon Hollerbach, já acumula pena superior a 14 anos só por três dos cinco crimes pelos quais foi condenado. Nesse contexto, parece pouco provável o sucesso da última cartada do advogado José Carlos Dias, anunciada no dia da condenação: pedir que Kátia Rabello tenha a pena de prisão trocada por serviços à comunidade ou inabilitação para o exercício do cargo. Kátia foi inabilitada, em 2008, para dirigir instituição financeira em um processo do BC, confirmado, neste ano, pelo Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional, o “conselhinho”.

 

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“Não vamos vender o Rural”

 

A empresária Kátia Rabello fala com exclusividade à DINHEIRO sobre sua vida após a condenação no STF e reafirma sua disposição de manter o controle do banco mineiro.

 

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Como a sra. vê a possibilidade de ser presa por causa da participação do Banco Rural no mensalão? A sra. está se preparando para o momento da sentença? 

Diante de um castigo como esse, o sentimento é de desesperança e dor. Nessa hora, a gente questiona o próprio sentido da vida. Infelizmente, não temos a escolha de sermos ou não injustiçados. Temos o livre-arbítrio, que nos permite escolher entre ser ou não injustos. Eu lutei, toda a minha vida, para fazer o certo e não prejudicar ninguém. 

 

Numa carta recente a amigos, a sra. diz estar desesperançosa e sentir muito medo. Como a sra. está hoje?

Esse sentimento só piora. Mas procuro encontrar forças em meu íntimo para suportar a situação. Sei o que fiz e o que não fiz e, por isso, estou em paz com minha consciência. É a única certeza que tenho, além do amor dos filhos, da família e dos amigos.

 

Como tem sido sua vida desde que começou o julgamento no Supremo Tribunal Federal? Qual tem sido sua rotina?

Muito difícil. De qualquer forma, procuro dar continuidade à minha vida e também cuidar dos negócios da família.

 

A sra. deixou a presidência do Rural, em 2008. Como tem sido sua rotina desde que deixou o banco? A sra. conseguiu retomar alguma das atividades às quais se dedicava antes de assumir a direção, na área artística?

Meu tempo é dedicado à família e aos negócios. Claro que um processo como esse acaba tomando um grande espaço no meu dia-a-dia. Eu nunca deixei de acompanhar a vida cultural, ainda que hoje não tenha mais nenhuma atuação nesse sentido. 

 

O que a sra. acredita que poderia ter feito de maneira diferente? Poderia ter mudado alguma coisa quando assumiu o comando do banco?

Eu fiz o melhor que pude e me esforcei para fazer o que considero certo. Quando assumi a presidência, iniciei um forte processo de profissionalização do banco, com a contratação de alguns dos melhores consultores do País e executivos qualificados para administrar a instituição. Sempre pedi a Deus que me ajudasse a enfrentar as situações que a vida colocou diante de mim e me iluminasse nas horas mais difíceis.

 

Qual é o futuro do Rural? O banco tem registrado prejuízos e, recentemente, fez um aumento de capital de R$ 100 milhões. Na carta que foi publicada, a sra. lembra os momentos mais difíceis do banco, perto de 2005, quando a instituição quase quebrou.

O banco superou grandes desafios e seguiu em frente. Temos a confiança dos nossos clientes e isso é decisivo. Essa credibilidade foi conquistada, não veio de graça. Sempre honramos nossos compromissos. Minha maior obsessão sempre foi a de não causar prejuízo a quem confiou em nós.


Como a sra. imagina que o banco prosseguirá daqui para a frente? O banco foi afetado por uma nova exposição durante o julgamento do mensalão pelo STF? O plano de crescimento desenhado pelo presidente João Heraldo Lima não poderá ser afetado pelas questões do mensalão?

O banco não é réu no processo e as pessoas envolvidas não fazem mais parte do quadro de executivos. Os clientes souberam diferenciar essa situação. Por isso, não houve qualquer movimentação atípica durante esse período. O Rural tem uma equipe aguerrida e competente e possui um papel importante no mercado de crédito para pequenas e médias empresas. Seu negócio é rentável e tem tudo para crescer. 

 

Quem a sra. considera culpado pelas transações? O executivo José Dumont?

José Augusto foi o responsável pelo crescimento do banco, entre os anos de 1986 e 2004, quando veio a falecer. Com relação ao caso específico, não me sinto em condições de julgar ninguém, ainda mais uma pessoa que não está aqui para se defender. O que posso dizer é que tenho minha consciência em paz. Sei que não roubei, não desviei dinheiro público nem corrompi ninguém. 

 

Por que a família não considerou vender o banco, se a instituição tem dado prejuízo? A sra. não considera essa opção?

Não vamos vender o Rural. Não consideramos essa opção. O banco tem raízes fortes, está há quase 50 anos no mercado, e já superou momentos difíceis. Isso demonstra a resiliência da condição financeira do banco e a dinâmica de crescimento de sua carteira de middle market. Como disse anteriormente, o negócio é rentável e tem tudo para crescer.