Há mais de 250 anos, o político e filósofo irlandês Edmund Burke afirmou em seu ensaio Uma Investigação Filosófica sobre a Origem de nossas Ideias do Sublime e do Belo que o medo é o principal elemento capaz de congelar nossa real habilidade de pensar e agir de maneira autônoma e criativa. “Nenhuma paixão pode, como o medo, tão efetivamente roubar o espírito da capacidade de agir e pensar”, escreveu Burke em 1756.

No ano passado, em seu relatório State of the Global Workplace 2022 Report, o Gallup trouxe dados preocupantes. Globalmente, apenas 21% dos colaboradores podem ser classificados como Engajados (colaboradores que trabalham com paixão e sentem uma profunda conexão com a empresa), enquanto 60% se consideram Não Engajados e 19% são Ativamente Desengajados, que além de infelizes no trabalho agem para minar os resultados positivos de seus colegas engajados. Os níveis de estresse percebidos pelos trabalhadores também alcançaram valores sem precedentes. O custo anual para as empresas gerado pela ineficiência dessa imensidão de colaboradores Ativamente Desengajados supera US$ 450 bilhões somente nos EUA.

Diversos fatores estão por trás desses números sombrios: falta de alinhamento de propósito entre as corporações e seus colaboradores, ausência de segurança psicológica e sobretudo o medo.

Insistimos em liderar, ou melhor, gerenciar nossas empresas com foco na rentabilidade e produtividade de curto prazo e para isso lançamos mão dos mesmos mecanismos de exercício de poder que usávamos havia 20 anos. Em um mundo onde conhecimento, colaboração e inovação se tornam componentes fundamentais da vantagem competitiva, o desenvolvimento de um ambiente de confiança e segurança interpessoal deixa de ser algo desejável e passa a ser fundamental em todo processo de liderança.

O tema segurança psicológica se popularizou, em fevereiro de 2016, quando Charles Duhigg publicou um artigo na New York Magazine — What Google Learned from its Quest to Build the Perfect Team. Tratava-se de um estudo de cinco anos feito no Google investigando como se constroem os melhores times. O estudo concluiu que a segurança psicológica era de longe o maior impulsionador para performance, muito além dos demais componentes, como diversidade, faixa etária etc.

“Em um mundo pós-pandemia, com avanço vertiginoso de novas tecnologias, polarização política ideológica e, enfrentamento de uma crise econômica importante, a liderança deve ser ressignificada urgentemente”

Amy C. Edmondson, em seu livro The Fearless Organization, descreve a segurança psicológica, como um ambiente onde as pessoas se sentem seguras o suficiente para superar seus medos nas relações interpessoais, se sentindo livres, estimuladas para exporem suas ideias, compartilharem preocupações, trazerem novos conceitos, por mais absurdos que pareçam, independentemente de sua posição na organização e mesmo do seu interlocutor.

Para ser efetiva como agente gerador de aprendizado e inovação na organização, a segurança psicológica precisa ser acompanhada de altos padrões de performance. Enfim, trata-se de mantermos a performance em um ambiente “sem medo”.

Em um mundo pós-pandemia, com avanço vertiginoso de novas tecnologias, polarização política ideológica e, especificamente no Brasil, enfrentamento de uma crise econômica importante, a liderança deve ser ressignificada urgentemente.

Esse processo de mudança exige um esforço gigantesco dos líderes atuais. Devemos mudar nosso foco do lucro para o impacto, criar valor não mais através da competição e sim a partir da cocriação. O comando deve ceder lugar à colaboração. As atividades devem ser realizadas não mais pelo controle e sim a partir de um processo evolutivo em que líder atue como coach ou mentor dos colaboradores para que esses entreguem o seu melhor.

Quantos líderes atualmente estão preparados para desempenharem esse papel? Mesmo acreditando que Edmund Burke está certo, quantos líderes serão capazes de desenvolver um empresa sem medo?