31/03/2015 - 18:00
Em 1985, tempos de hiperinflação no Brasil, a rotina do engenheiro Flávio Aragão dos Santos era estressante no mercado financeiro. Aos 35 anos de idade, ele trabalhava no Credibanco, em São Paulo, e curtia passar os fins de semana em Santos, sua terra natal. De olho num futuro menos agitado, decidiu comprar um terreno em Lindóia, no interior de São Paulo, onde construiu uma mansão. “Peguei um pedaço de papel de pão e desenhei uma casa com oito suítes”, diz Santos, que acompanhou a obra ao longo de quatro anos. Os primeiros amigos que o visitaram logo notaram que havia uma nascente de água cristalina no terreno e sugeriram um teste da qualidade.
Bingo! No dia 8 de agosto de 1994, um mês após a criação do real, nascia a Bioleve. A empresa, de capital 100% nacional, se tornou um dos cinco maiores players da indústria de água do País, competindo com o brasileiro Grupo Queiroz (Indaiá e Minalba), a francesa Danone (Bonafonte), a suíça Nestlé (Crystal) e a japonesa Brasil Kirin (Schin). Quando abandonou definitivamente o mercado financeiro, em 1998, Santos era vice-presidente do Credibanco – a instituição, que pertencia ao Bank of New York, foi vendida ao Unibanco, em 2000. Como a Bioleve registrava um crescimento paulatino em um mercado promissor, seu proprietário decidiu dedicar-se exclusivamente aos negócios do grupo Flasa (iniciais de Flávio Santos), que, além da indústria de água, atua em engenharia e construções.
Com experiência de quem viu muitas empresas quebrarem por excesso de endividamento, o empresário-economista evita até hoje contrair empréstimos e prioriza o reinvestimento do lucro na própria empresa. “Só utilizo recursos do BNDES, mas o endividamento é de apenas R$ 5 milhões”, diz Santos, que investe entre R$ 6 milhões e R$ 7 milhões por ano. “O restante é tudo capital próprio.” Em 2004, após dez anos de vida, a Bioleve deu um passo definitivo para diversificar a sua linha de produtos. Entrou no segmento de refrescos prontos para conquistar o bolso da nova classe média, que ainda não consome os sucos premium, vendidos em embalagens longa vida.
A explosão de renda da classe C impulsionou as vendas e o lucro da companhia. A partir daí o portfólio foi sendo ampliado para refrigerantes, isotônicos, chás e água mineral com colágeno. Esses produtos já representam 40% do faturamento anual da empresa, de cerca de R$ 70 milhões, mas a meta é chegar a 50%. No segmento de água mineral, a concorrência é ferrenha. No Brasil, há cerca de 400 empresas, quase metade somente no Estado de São Paulo. No entanto, há espaço para todas ganharem dinheiro, já que o setor cresce dois dígitos há cinco anos, independentemente do ritmo do PIB.
“O consumo per capita no Brasil, de 55 litros por ano, ainda é um terço do registrado na Europa”, diz Carlos Alberto Lancia, presidente da Associação Brasileira de Indústria de Água Mineral (Abinam). “Há uma geração saúde que está trocando refrigerante por água mineral.” É de olho neste mercado promissor que a Bioleve tem planos de crescer 20% em 2015. “Nos próximos dois anos, queremos faturar R$ 100 milhões”, diz Santos. Para ganhar competitividade, a companhia produz as próprias embalagens, reduzindo os custos em 25%. Ao contrário do que o senso comum poderia indicar, a crise hídrica ainda não virou uma oportunidade para o setor.
Na verdade, é o calor que realmente influencia o consumo. Em algumas regiões, a ameaça de racionamento aumentou a demanda pelos galões de 20 litros, mas o impacto não foi sentido nas embalagens menores. Aos 65 anos, o empresário Flávio Aragão dos Santos faz planos para o futuro. Pretende diversificar a sua linha de produtos, mas garante que jamais abrirá mão da qualidade. “A Bonafont (Danone) compra de fontes pequenas de diversas regiões, o que descaracteriza a água”, diz Santos. “O lema dela é colocar produto no mercado. O nosso é colocar produto, mas mantendo a qualidade.” Procurada, a Danone afirmou que “a informação não procede”.
Diz a nota: “As características da água Bonafont são garantidas por meio de rigorosas análises físico-químicas e sensoriais, de modo a manter elevados padrões de qualidade.” Seguindo a estratégia dos concorrentes, a Bioleve pretende ganhar espaço nas gôndolas de grandes redes como Carrefour, Walmart e Grupo Pão de Açúcar. Dentro da planta industrial, em Lindóia, há 18 casas onde moram funcionários. “Eles vieram trabalhar como bóias-frias e estão comigo até hoje”, diz o orgulhoso empresário. Cobiçada por investidores, a Bioleve já foi sondada diversas vezes, mas Santos é taxativo: “Não estamos à venda.”