26/01/2011 - 21:00
Na primeira reunião da presidente Dilma Rousseff com seus ministros, no dia 14 de janeiro, uma foto provou valer mais do que milhares de linhas de código.
Um monitor colocado entre as mesas apinhadas de ministros mostrava uma imagem vista todos os dias por centenas de milhões de usuários de computador: o logotipo da Microsoft, empresa que detém, na prática, o monopólio dos sistemas operacionais para computadores pessoais e corporativos.
Seria um fato corriqueiro, não fosse pelo local e pela ocasião. O governo brasileiro se notabilizou durante os oito anos de gestão do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva pela defesa do software livre, sistema pelo qual o cidadão pode realizar alterações no produto e também está livre de pagar licença de uso.
É o exato oposto do que acontece com a ferramenta consagrada mundialmente pela companhia de Bill Gates. Para rodar o sistema operacional Windows em seu computador, o usuário precisa desembolsar uns bons tostões e não pode mudar o modo de funcionamento do produto, algo que os programadores costumam fazer para aperfeiçoar o funcionamento dos computadores.
A questão é de extrema relevância porque, mais que um assunto de tecnologia, se trata de uma questão de política de Estado e de mercado, e justamente por isso provoca um barulho danado sempre que é abordada.
Diante da estranheza causada pela foto, a presidente Dilma tomou suas providências. O Ministério do Planejamento publicou no dia 19 de janeiro no Diário Oficial uma instrução normativa em que afirma que o governo federal manterá a preferência pelo sistema de software livre.
Entre as determinações do documento está a proibição do uso, nas repartições públicas federais, de componentes e ferramentas controlados por um único fornecedor privado. Foi a demonstração clara de que a presidente defenderá a política do software livre.
O que está em jogo é muito dinheiro. Segundo a deputada Luiza Erundina, que acompanha essa discussão no Congresso, a União gasta cerca de US$ 2 bilhões por ano com o pagamento de licenças para uso dos chamados softwares proprietários, que pertencem a empresas, como o Windows.
A Microsoft já demonstrou em diversos momentos sua preocupação com a possibilidade de perder a verba polpuda arrecadada com a venda de licenças para a administração federal.
Apenas para citar um exemplo recente, o presidente da Microsoft para a América Latina, Hernán Rincón, mandou um recado ao governo do então presidente Lula em setembro.
Ao ser perguntado sobre o que pensava da posição do governo brasileiro a respeito do assunto, o executivo afirmou em Washington que a inovação na área de softwares não acontece pelas mãos do Estado, mas sim da iniciativa privada. “Os governos têm que se perguntar: o negócio deles é servir aos cidadãos ou desenvolver softwares?”, provocou.
De acordo com ele, os programas livres requerem investimentos constantes da administração pública para que estejam sempre atualizados e em funcionamento.
O governo Dilma está apenas no começo, o que significa que essa questão ainda vai dar muito pano pra manga. E, diante desse cenário, o episódio da foto da discórdia tem um grande mérito: chamar a atenção para um assunto de interesse público que não pode ser deletado em hipótese alguma.