29/10/2003 - 8:00
DINHEIRO ? O sr. tem se anunciado como um ?marqueteiro de marcas?. O que é isso?
NIZAN GUANAES ? É o sujeito que trata de uma marca globalmente. É o cuidado holístico. Uma marca é como uma pessoa. Você não pode ser ao mesmo tempo ginecologista e tarado. Você não pode ser piloto de avião e bêbado. Já não basta pôr um reclame na televisão. O marqueteiro de marcas cuida de todos os aspectos de um cliente, com uma única diferença em relação ao marketing político ? na política, não se pode e não se deve alterar a natureza das pessoas. Na publicidade, pode e deve.
DINHEIRO ? Esse conceito vem da propaganda política?
NIZAN ? Houve um tempo em que a propaganda política foi influenciada pela publicidade tradicional. Hoje, por meu intermédio, do Duda Mendonça e de uma série de outros profissionais que trabalharam com campanhas eleitorais, o caminho se inverteu. Deu-se a contramão nesse jogo de influências. O aprendizado na política fez nascer a nova propaganda.
DINHEIRO ? Como ela é?
NIZAN ? A nova propaganda é uma atividade muito mais ampla.
Cuida de eventos, de marketing direto e também da publicidade em seu modo clássico.
DINHEIRO ? O que a nova propaganda faz hoje que antes
não se fazia?
NIZAN ? Ela não tem limites de atuação. Ficamos tão fascinados com a mídia de massa, com a televisão, que esquecemos que nossa tarefar é comunicar. Ponto. Não interessa se a idéia é comunicar por meio de uma embalagem, de algo que você recebe em sua casa, por meio de uma festa. Isso não significa que faremos tudo, sempre. Não. Se quero lançar um filme, chamo uma produtora. Mas crio esse filme. Insisto: a analogia com o marketing político é boa. É como se cuidássemos da roupa, da agenda, de cada gesto do candidato.
DINHEIRO ? A sua nova agência, a ?África?, foi construída nesse molde? Em outros termos: o que ela tem que as outras não têm?
NIZAN ? Quando vendi a DM9 para o grupo DDB, tive que permanecer um tempo em quarentena. Fui para a internet. Criei o IG. Para construir a marca, fui cliente e anunciante. Durante dois anos vivi assim e pude sentir na pele o que é estar do outro lado, o que é ser redator de cheques. Vi as coisas por uma outra perspectiva, percebi as deficiências desse nosso mercado. E isso não é uma crítica às outras agências, aos concorrentes. É uma crítica ao próprio Nizan, ao Nizan da DM9. Hoje mudei. A vida é assim, é progresso. Estava errado naquele tempo em que trabalhava nos moldes tradicionais? Não, era assim que se fazia. Na marra percebi que existia outro caminho. No IG, quis entrar no Rio de Janeiro. Me ofereciam uma campanha ? mas não, não era isso, queria um evento. O UOL vinha me batendo com uma campanha, ?Eu não sou cachorro não?. Sugeriram que eu respondesse com um anúncio. Fiz uma parada de cachorros com seis quilômetros de animais. Era um evento. A lição do episódio: não dá mais para ficar tratando e construindo marcas apenas com comerciais de TV. É um recurso maravilhoso, tem impacto profundo ? mas não é mais o filho único.
DINHEIRO ? O que dá para fazer além do clássico, do comercial
de TV?
NIZAN ? Acompanhe o exemplo do São Paulo Fashion Week. Nunca foi anunciado, nasceu como evento. E vai dizer que o Paulo Borges não tem um dos maiores eventos do planeta? Tem. A Ox, de produtos de beleza, faz um trabalho de embalagens incrível. É bonito ter um produto da Ox no banheiro. Decoração é um outro negócio fantástico, é a embalagem de uma empresa. Passei outro dia pelo prédio da Pfizer em São Paulo. Que tremenda empresa moderna! Tenho certeza que aquilo não está ali à toa.
“Para que prêmios? Giselle Bündchen foi a segunda num concurso”
DINHEIRO ? Mas todo mundo diz que cuida de um produto de A a Z, diz que não fica só na televisão, no jingle…
NIZAN ? Mas não cuida. É preciso estar preparado para isso. É impossível dizer que corro mais do que você por uma questão de peso. É morfológico. Ok, ok. Você pode dizer que trabalha uma marca em todas as suas dimensões. Aí pergunto: mas quantos clientes você tem? 40. Não pode, é impraticável. É por isso que a África só terá, no máximo, oito clientes.
DINHEIRO ? Quantos ela tem hoje?
NIZAN ? Três. Vivo, Itaú e Assolan. Já está na décima sétima posição do mercado brasileiro em faturamento, com 38 profissionais apenas. É como um hotel ?Relais & Châteaux?. Você está num lugar cercado de atenções, dedicação pessoal, as empresas têm salas para elas em nosso escritório…
DINHEIRO ? E cobra preço de ?Relais & Châteaux?…
NIZAN ? Sim. É preço premium. Não dá para querer pagar cada vez menos, menos, menos e ter mais. Isso não existe em lugar nenhum. Por isso tenho uma holding, a ?Ypy?, primeiro em tupi-guarani, destinada às necessidades do mercado publicitário. Cada um dos braços do grupo faz o que sabe fazer melhor. Não estou inventando nada. Estou apenas copiando o que as americanas e inglesas fazem. Tenho uma bela parcela da DDB. Sou dono em 100% da África, 100% na MPM, uma participação significativa na agência Click, uma das melhores de internet do mundo.
DINHEIRO ? Qual é a vantagem dessa segmentação para o anunciante?
NIZAN ? Tempo. Pergunte a um bebê o que ele acha de dedicação de tempo. É fundamental. Voltemos ao Relais & Châteaux. Ele não tem 80 quartos. Tem oito. Você é atendido pelos próprios donos. Eu cuido do anúncio ao cartão de Natal. Não faço isso porque é minha obrigação. Faço por prazer. O segredo: fazemos campanha junto com o cliente, não dá mais para adivinhar o que ele quer. Por isso a África não parece com nenhuma outra agência de propaganda. Não é mais toda aberta, ampla, sem divisórias, aparentemente democrática. Preferi o silêncio. As paredes são de rádica. O espaço é luxuoso. É um escritório de advocacia de marcas. Para ficar pensando em coisas diferentes e não em meia dúzia de trocadilhos.
DINHEIRO ? No que, por exemplo, o sr. fica pensando?
NIZAN ? Ontem mesmo vi na televisão que o ?Arnesto? do Adoniram Barbosa, aquele do samba, ainda está vivo. Vou tentar saber se ele é correntista do Itaú. Imediatamente peguei o telefone pra saber se ele está realmente vivo. Não paro de trabalhar, vou criando. Mas sei me divertir, tenha certeza. Sou baiano. Janeiro, para mim, é um mês muçulmano.
“O presidente Lula é um sujeito de compaixão, e isso emociona a gente”
DINHEIRO ? O sr. gosta de citar a Assolan, de palhas de aço, como
exemplo de sucesso. Como foi desafiar uma marca lendária, a Bombril, sinônimo do produto?
NIZAN ? Não batendo nela, com respeito, impedindo que fosse tripudiada. A consumidora não daria a franquia que deu a Assolan se tivéssemos sido agressivos com a Bombril. Note bem: a verba da Assolan para divulgar a marca é de apenas R$ 17 milhões. Quantas vezes no mundo se construiu um rótulo com tão pouco dinheiro? E ela hoje tem 30% do mercado. Meu objetivo é esse tipo de premiação para o cliente. Não desejo ver a África em concursos internacionais, querendo agradar um jurado da Finlândia. Imagine se um de nós tem um enfarte e o sujeito que nos trata inventa o cateterismo do ano. Ou a ponte de safena de ouro. E posso falar com liberdade porque quem assume esse discurso é quem nunca ganhou prêmio, e não é o meu caso. Ser laureado, na verdade, tem pouco valor real. A Música Popular Brasileira, no tempo dos festivais, percebeu isso rapidamente. Quem ficou, daquela época, foram os segundo e terceiro colocados, ?Alegria, Alegria?, ?Domingo no Parque?. Quem se lembra de um vencedor, a ?Cantiga pra Luciana?? Vale lembrar que a Giselle Bündchen tirou o segundo lugar em seu primeiro concurso.
DINHEIRO ? O sr. está divulgando a África. Por que anunciar
uma agência?
NIZAN ? Não é só para pegar clientes, embora seja para isso também. Quero construí-la como uma marca. Tanto que agora vou entrar no rádio com um jingle. ?Eu sou o bisneto do samba/Filho da bossa nova/Eu sou o bisneto do samba/Meu segredo é misturar a Europa com Umbanda./Sou A África iaiá/Sou a África iôiô/Propaganda que enfeitiça com a bênção de Xangô?.
DINHEIRO ? Depois de ter trabalhado para a campanha de José Serra no ano passado, como o sr. vê o governo de Lula?
NIZAN ? É uma grata surpresa. O Juscelino dizia que com erro não há compromisso. Então vou lhe dizer, se eu soubesse que seria assim bom não teria lutado tanto contra. Tinha medos e receios. Eram infundados, descobri agora. O governo tem uma sensibilidade danada, tenho certeza que o Brasil voltará a crescer. Estou apostando nisso. Apostando mesmo, com investimento. Não é com retórica, não. Lula é um sujeito que tem compaixão, isso emociona a gente. O povo sente o que ele faz, é um nível de entendimento ainda mais sofisticado do que apenas aceitar o que ele faz.
DINHEIRO ? É legítimo gastar milhões de reais com publicidade
do governo?
NIZAN ? Claro que sim. É impossível um governo não se explicar. Foi um erro tucano não ter divulgado os feitos do FHC, e o PT está fazendo isso corretamente. Escolheu três agências da área institucional, fez muito bem. E fico surpreso que as pessoas se assustem com a escolha do Duda Mendonça. Seria uma
aberração não tê-lo lá. É o cara que mais conhece marketing político no País, tem notório saber, conhece os intestinos daquilo, é de confiança. Qual é o problema? O governo precisa, sim, prestar contas. Além disso, numa atitude maldosa, os críticos somam a essa verba a das estatais. Ora, elas precisam competir com o mercado. A Petrobras precisa competir com a Esso, com a Shell. O Banco do Brasil tem que competir com o BankBoston, o HSBC, o Citibank. Os R$ 1,6 bilhão previstos para propaganda são justos, sim. Como fazer campanhas públicas sem anunciá-las? Como governar sem explicar às pessoas o que você vai fazer? E acho ótima a postura do PT diante dessas acusações. Sabe o que ele faz? Nada, não estão aí. Negar comunicação numa sociedade de comunicação de massa é um troço completamente maluco. Só faço um reparo, e não apenas a esta gestão: é preciso destinar uma parte bem maior das verbas para vender o Brasil no exterior.