ATÉ O DIA 10 DE OUTUBRO DO ANO PASSADO, A Starbucks não era prioridade na vida de Peter Rodenbeck. Embora fosse sócio da rede de cafeterias no Brasil, a gestão do negócio estava nas mãos de sua mulher, Maria Luisa Rodenbeck. Foi ela, depois de quase uma década de negociações, quem convenceu o grupo americano a entrar no Brasil. A ligação de Maria Luisa com a empresa extrapolava o âmbito profissional. Segundo amigos, ela sentia pela Starbucks algo muito próximo da paixão. Às vezes, podia ser vista atrás dos balcões, como uma funcionária qualquer, servindo espressos e capuccinos. Adorava cativar clientes. Para isso, seu arsenal era farto. Tinha sorriso fácil, gestos amigáveis, conversa franca e sedutora. Com Maria Luisa, a Starbucks deslanchava. As cafeterias brasileiras tornaram- se, em questão de meses, as mais lucrativas da América Latina. Um plano de expansão era inevitável. Foi por essa razão que naquele 10 de outubro ela deixou sua casa em São Conrado, no Rio de Janeiro, para dirigir-se ao aeroporto Santos Dumont. Logo cedo haveria uma reunião em São Paulo, onde executivos discutiriam as bases para a abertura de uma nova loja na capital paulista. No caminho, o táxi em que Maria Luisa trafegava bateu de frente com um ônibus, na avenida Niemeyer. Peter estava em casa quando recebeu a ligação avisando-o do acidente. Ele ainda correu ao local da tragédia, mas não pôde fazer nada. Maria Luisa morreu instantaneamente, aos 49 anos.

Passados seis meses, Peter está sentado a uma mesa da Starbucks dos Jardins, em São Paulo. Sujeito sereno e discreto, parece animado. ?Sim, estamos indo bem?, disse à DINHEIRO. ?A Starbucks tem muito espaço para crescer no Brasil.? A conversa, quase que naturalmente, traz lembranças de Maria Luisa. ?A Lu colocava paixão em tudo o que fazia?, afirma. ?Ela tinha uma postura positiva diante da vida, contagiava as pessoas, não deixava nada derrotá-la.? Aos 68 anos e com um cartel de realizações notável (ele trouxe o McDonald?s para o Brasil e escalou o Aconcágua, para ficar em dois exemplos), ele poderia muito bem dar um tempo para si mesmo. Viajar por aí. Tentar esquecer. Procurar refúgio em qualquer outro lugar. Em vez disso, preferiu dar continuidade ao sonho de Maria Luisa. Enquanto o chão desmoronava a seus pés, Peter prometeu a si mesmo levar adiante a rede de cafeterias com a mesma força de vontade que sua mulher demonstrava. ?É uma forma de prestar uma homenagem a ela?, diz.

Antes da tragédia, ele estava relativamente distante da Starbucks. Casado e sócio de Maria Luisa, era natural que eles conversassem sobre a empresa. Mas o foco de Peter era outro. Ele dedicava-se principalmente à Outback, rede de comida australiana que trouxe para o Brasil. Agora tudo mudou.

Peter vem muito mais a São Paulo, onde está o coração da Starbucks no Brasil. Pelo menos durante três dias da semana dá expediente no escritório paulista. Num esforço para preservar o estilo de Maria Luisa, começou a circular mais pelas cafeterias. Aproximou-se dos funcionários, ouviu clientes. Mas ele é muito diferente dela.

Peter conheceu Maria Luisa há 26 anos, quando era o responsável pela rede de lanchonetes McDonald?s no País e ela, uma espécie de executiva faz-tudo. Casaram- se depois, mas não tiveram filhos. De estilos antagônicos, formavam um casal que se completava. As deficiências de um, de certa forma, eram superadas pelas qualidades do outro. Peter é um executivo de bastidor, que entende de negócios como poucos e que tem uma sensibilidade rara para farejar novas oportunidades. Maria Luisa era capaz de colocar o coração acima de tudo — algo que fez toda a diferença na gestão da Starbucks. O estilo dela estava em sintonia com o modelo construído por Howard Schultz, o filho de motorista de caminhão que forjou o sucesso da Starbucks. Para Schultz, o segredo não está apenas no produto que você vende. Acima de tudo, o que é importa é a experiência proporcionada à pessoa que vai a uma de suas lojas. Ninguém entra numa Starbucks apenas para tomar café. Seus clientes estão em busca de um lugar para conversar, de um espaço onde são tratados como amigos.

?A Starbucks desenvolveu uma relação emocional com seus freqüentadores?, diz o consultor Marcelo Cherto. ?Schultz costuma dizer que a empresa não está no negócio do café, mas no de pessoas.? É por isso que Maria Luisa gostava tanto de seu trabalho.

CRISE LÁ FORA
Nos Estados Unidos, queda no preço das ações e fechamento de lojas

Se no Brasil a Starbucks vive um período de expansão, no Exterior o cenário é diferente. A desaceleração do ritmo de crescimento da economia dos Estados Unidos afetou os negócios da rede. No ano passado, o movimento das lojas em território americano caiu pela primeira vez na história. Desde maio de 2006, quando atingiu seu ponto mais alto, a cotação das ações da empresa caiu 55%. Recentemente, foram fechadas 100 lojas que tiveram performance ruim nos Estados Unidos. Em janeiro, Howard Schultz, o homem que transformou a Starbucks numa das marcas mais globalizadas do planeta, retomou o comando da empresa em um esforço para recuperar seu crescimento. Ele já colocou novas idéias em prática. A primeira delas foi a criação de uma rede social no site americano da Starbucks para que os clientes possam deixar sugestões ou fazer críticas. A medida de maior impacto foi ter fechado, no dia 26 de fevereiro, 7.100 lojas nos Estados Unidos por um período de três horas. Fez isso para que 135 mil baristas fossem treinados. Apesar da crise, a Starbucks ainda é um colosso mundial. A rede possui 16 mil lojas em 44 países e seu faturamento está na casa dos US$ 10 bilhões.

Para assumir algumas das atribuições que eram de sua mulher, Peter vem preparando o executivo pernambucano Ricardo Carvalheira, de 38 anos. Carvalheira foi sócio de uma loja Outback no bairro do Morumbi, em São Paulo, e seu desempenho à frente do restaurante chamou a atenção. Sorridente e gentil como Maria Luisa, ficou muito próximo do casal. A afinidade com a executiva foi tamanha que ele acabou recebendo o convite para ser diretor de operações da rede de cafés, o braço direito de Maria Luisa. Carvalheira sente-se muito mais à vontade no papel de cativar clientes, de propagar o conceito que move a Starbucks, do que o próprio Peter. ?O DNA da empresa é muito forte?, diz. ?Eu me identifico demais com ela.?

Peter tem dois grandes desafios pela frente. O primeiro passo é organizar a gestão da empresa, o que vem sendo feito com a ajuda de Carvalheira. O segundo é levar adiante o plano de expansão imaginado por Maria Luisa. Há pouco mais de um ano no Brasil, a Starbucks possui dez lojas em funcionamento no País. Todas em São Paulo. Nas próximas semanas, Peter quebra uma barreira. Será inaugurada, em Campinas, a primeira cafeteria fora da capital paulista. Até o final de 2008, a rede chega a Belo Horizonte e Brasília. O Rio de Janeiro também está na mira. Peter está mergulhado no processo, mas não tem pressa. ?Penso em uma loja de cada vez?, diz. Se quisesse, ele poderia fazer a rede crescer num ritmo alucinante. Estão arquivadas em seu computador 2.103 propostas de abertura de franquia. Mas esse não é o modelo de negócios desejado por ele. Franquias, na sua visão, são impessoais demais e podem fazer o empreendimento perder qualidade. Todas as lojas da Starbucks são próprias e exigem investimento médio de R$ 700 mil.

Peter não confirma, mas o mercado acredita que, nos próximos dois anos, a Starbucks deve triplicar de tamanho no Brasil, chegando a 30 lojas. Ele quer acompanhar de perto a abertura de cada uma delas, exatamente como Maria Luisa faria. E promete engajar- se nisso com a mesma alegria.