24/07/2009 - 7:00
Henrik Fisker, da Fisker: “Precisamos vender apenas alguns milhares de carros para sermos lucrativos”
A Fisker arrecadou US$ 200 milhões com dois fundos de investimento para bancar o projeto de seu modelo, o Karma (na foto, acima)
Durante décadas, Detroit significou o poderio e a riqueza da indústria dos Estados Unidos da América. Ali, na cinzenta cidade do nordeste do País, era imaginado, desenhado e fabricado o produto americano por excelência, o automóvel, o mais forte símbolo do american way of life. Seu modelo de negócios, porém, se esgotou. A crise econômica escancarou que GM, Ford e Chrysler precisavam rever sua maneira de desenvolver, produzir e vender carros. O processo tem se revelado doloroso para as Big Three e abriu espaço para que um punhado de jovens empresários se lançasse na mesma aventura que empreendedores como Henry Ford e Alfred Sloan, os homens que construíram a Ford e a GM, protagonizaram no início do século passado. Com modelos de carros e negócios inovadores, abusando dos recursos tecnológicos e com sensibilidade para ouvir os sussurros de um consumidor sedento de novidades, essa turma pode indicar um novo rumo para a combalida indústria automotiva americana. Um dos expoentes dessa nova geração de montadoras é a Fisker Automobiles. Criada por Henrik Fisker, um dinamarquês radicado nos EUA, a empresa nem mesmo pode ser chamada de montadora, já que não fará a montagem de seus veículos. Na verdade, ela não produzirá absolutamente nada, exceto o projeto. Tudo na Fisker será terceirizado, da montagem dos veículos à produção das peças. Isso inclui o motor, um híbrido movido a gasolina e eletricidade. Outra companhia, a Carbon Motors, escolheu a especialização: vai fabricar e vender apenas carros de polícia. Uma terceira, a Local Motors, por sua vez, planeja criar uma rede de 25 a 50 minifábricas para produzir seus carros, cujo projeto e design serão definidos em competições pela internet. Cada uma dessas unidades terá capacidade para fabricar até dois mil veículos por ano. “Quando grandes conglomerados têm problemas, novas ideias florescem”, afirma o consultor Paulo Cardamone, da consultoria CSM Worldwide no Brasil.
A Fisker arrecadou US$ 200 milhões com dois fundos de investimento para bancar o projeto de seu modelo, o Karma (na foto, acima)
O primeiro a enfrentar o teste de mercado será Fisker, com o seu Karma. Até agora, ele já vendeu antecipadamente cerca de 1,4 mil unidades do carro, ao preço de US$ 88 mil cada uma. Para Fisker, que conta com quase US$ 200 milhões amealhados junto a fundos de investimento, como o Palo Alto Investors e o Qatar Investment Authority, seu modelo tem a vantagem de ser enxuto. Das 750 pessoas envolvidas no projeto, menos de 100 são funcionários da empresa. Todos os demais são prestadores de serviço. Segundo Fisker, para se tornar viável, sua companhia não precisa de muito. “Precisamos vender apenas alguns milhares de carros para sermos lucrativos. Nossa meta é atingir uma produção de 100 mil unidades por ano”, afirma ele, em entrevista à DINHEIRO. “O mercado é grande o suficiente para que possamos ser bem-sucedidos.” Apesar da escala reduzida, Fisker reconhece que precisará de algum tipo de subsídio para que sua companhia deslanche. Para ele, não é mais possível criar um carro simplesmente a partir de um desenho cheio de boas ideias. Há regulamentações demais. Por isso, o executivo já pediu um empréstimo ao governo federal dos EUA para poder operar. Para alguns analistas americanos, esse pedido, se aliado com o efeito positivo do subsídio de US$ 7,5 mil oferecido pelo governo a compradores dispostos a adquirir carros elétricos, pode ser a diferença entre o sucesso e o fracasso da Fisker. Em no máximo cinco anos, quando pretende lançar seu próximo modelo de carro, espera atingir faturamento de US$ 3,5 bilhões. Seu mercado não se limitará ao território americano. “Temos a intenção de vender em todo o mundo. No Brasil, inclusive, já estamos em negociação com um distribuidor local”, diz Fisker, sem revelar quem é o parceiro. O interesse no País tem, também, um lado sentimental, uma vez que sua mulher é brasileira, nascida em São Paulo.
Para Cardamone, da CSM, a proposta de Fisker é ousada demais. “O que ele quer fazer é montar um Lego, não um carro”, afirma o consultor. “O mercado de exportação vai ter que ser repensado. Não vai fazer sentido, por exemplo, mandar 200 mil carros de um país para o outro em vez de ter a produção perto do consumidor final.” Isso leva Cardamone a “desconfiar” dessa movimentação das novatas. “A indústria automotiva está se consolidando, e não abrindo espaço para novas companhias”, afirma. Haveria lugar, sim, para montadoras que atuem em nichos e se dediquem à especialização. Seria o caso da Carbon Motors, conforme explica seu fundador William Li, em entrevista à DINHEIRO. “Estamos focados em atender a um cliente específico, que hoje não tem um veículo 100% desenvolvido para sua atividade, que são as polícias dos EUA”, diz ele. No total, avalia, há um mercado para 450 mil de seus carros E7 apenas nos EUA. Na opinião de Li, sua empresa se identifica muito mais com o setor de segurança do que com a indústria automobilística. Ainda assim, acredita que, se atingir sua meta de vender entre 10 mil e 80 mil carros por ano, se tornará o equivalente a uma montadora de tamanho médio. “Não seremos uma fabricante de carros em massa, mas faremos muito mais do que as montadoras de veículos de nicho, como a Ferrari. Ficaremos no meio-termo entre as duas pontas”, afirma. Sem um competidor direto nesse segmento, Li aposta que perpetuará a empresa. O primeiro passo já foi dado: ele já possui reservas para 10 mil unidades, o que representa meio bilhão de dólares. O E7, porém, só começa a patrulhar as ruas dos EUA em 2012, quando será entregue a primeira unidade. Segundo Li, a Carbon não fabricará nenhum componente do carro, mas fará a integração e a montagem do E7.
O que há de comum nessas novas montadoras é a tentativa de atender aos anseios dos consumidores, sobretudo por veículos menos agressivos ao meio ambiente. Com um carro que mais parece ter saído do desenho animado Os Jetsons, a Aptera quer aproveitar o momento propício para carros movidos por fontes alternativas de energia para emplacar o 2e, totalmente elétrico. À frente da companhia, que conta inclusive com investimentos do Google, está Paul Wilbur, um executivo veterano da indústria automotiva americana. Sua missão será alcançar a meta de vender 100 mil veículos nos próximos cinco anos. Fundindo conceitos de aerodinâmica e materiais para a construção de embarcações, o 2e poderá rodar, segundo a Aptera, 160 km sem precisar de recarga, aproveitando a baixa resistência do ar quando está em movimento. Apesar de a entrega do primeiro 2e estar marcada apenas para outubro, Wilbur afirma que cerca de 4 mil interessados já fizeram um depósito inicial para poder adquirir o carro, que terá preço entre US$ 25 mil e US$ 45 mil. Os primeiros veículos devem rodar apenas no Estado da Califórnia, mas a Aptera tem planos para começar a vendê-los no resto dos EUA a partir de 2010. Segundo Cardamone, apesar do discurso, esses novos modelos assumirão o papel de produto de nicho. No geral, o consultor se mantém cético em relação a essas novas companhias. “Pode dar certo? Até pode, em alguns mercados. Mas não acho que são modelos que possam se tornar o padrão para a produção de veículos em massa”, diz ele.
A história as condena
A difícil trajetória das pequenas montadoras
As novas montadoras americanas terão de enfrentar um obstáculo que certamente não consta do seu plano de negócios: a história. Desde o surgimento do automóvel, uma série de pequenos empreendedores tentou, sem sucesso, colocar um pé (ou rodas) nesse mercado. John Delorean, ex-executivo das montadoras americanas, criou a Delorean Motor Company (DMC). Seu único produto foi o DMC-12, do qual foram vendidas apenas 9 mil unidades. Feito em aço inoxidável, o carro é mais conhecido por seu papel como a “máquina do tempo” do filme De Volta para o Futuro. Com apenas 21 meses de operação, a DMC fechou as portas em 1982, por ordem do governo britânico. Delorean foi acusado de se envolver com os traficantes de drogas na busca por dinheiro para financiar seu negócio. Ele foi absolvido, mas a DMC nunca mais foi retomada.
O caso mais emblemático, porém, foi o de Preston Tucker, que, em 1946, fundou a Tucker Corporation. Seu único modelo, o Tucker Torpedo, era recheado com equipamentos inéditos, como freios a disco e motor traseiro. Mas, antes mesmo de iniciar a produção, ele começou a vender acessórios. Em 1949, Tucker foi indiciado por fraude pelo governo, que alegava que sua empresa nunca tivera a intenção de produzir carros. Ele foi absolvido no ano seguinte, mas a Tucker já não existia mais. A saga do empreendedor foi imortalizada nas telas por um cineasta que, quando menino, se apaixonou pelo Tucker Torpedo. Seu nome? Francis Ford Copolla.