Por Dante Gallian

Interessante observar a dimensão polêmica que a discussão sobre ESG assumiu nos últimos meses. O que há bem pouco tempo parecia uma “onda do bem” que envolveria todas as empresas do planeta, gerando uma verdadeira revolução verde (pelo lado do environment) e colorida (no âmbito do social), parece ter causado uma violenta “ressaca” em diversos setores do mercado, da sociedade e da própria intelligentsia. Recentemente, em vários estados dos EUA foram aprovadas medidas antiESG, e não poucas figuras referenciais do mercado financeiro se posicionaram contra o movimento. Apontaram críticas severas e recomendaram cautela.

Seria fácil interpretar tais posicionamentos como uma natural reação das forças conservadoras e reacionárias do capitalismo diante do avanço das linhas progressistas e conscientes que se veem imbuídas do grande propósito de salvar o planeta. Tal leitura, entretanto, me parece não apenas simplista, mas também extremamente perigosa. Num contexto em que a polarização é tônica de todos os debates na sociedade contemporânea, cobrar um posicionamento extremo em relação à pauta ESG levará, desastrosamente, ao seu esvaziamento crítico, com as consequências que já se pode imaginar. Nesse sentido, alguns pontos essenciais precisam ser explicitados.

“Num contexto em que a polarização é tônica de todos os debates na sociedade contemporânea, cobrar um posicionamento extremo em relação à pauta ESG levará, desastrosamente, ao seu esvaziamento crítico, com as consequências que já se pode imaginar”

O primeiro deles é lembrar que o propósito do capitalismo nunca foi e nunca será o de salvar o planeta. Não é preciso resgatar Karl Marx e nem mesmo Stuart Mill para relembrar que o compromisso do capitalismo sempre foi e sempre será a acumulação de riqueza ou do próprio capital, e que tal objetivo se dá em detrimento da natureza — seja do planeta, seja do ser humano. O que se vem planteando nos últimos tempos, numa perspectiva “consciente”, é como manter esse mesmo objetivo diminuindo ao máximo seus efeitos deletérios. Dessa forma, a proposta da pauta ESG deve ser compreendida como um conjunto de medidas paliativas. Interpretá-la como um recurso curativo é elevá-la à categoria de panaceia. Apresentar a pauta ESG como caminho para salvar o planeta só reforça a estupidez dos negacionistas, que afirmam que o planeta está muito bem, obrigado, e que, portanto, não precisa ser salvo.

O segundo ponto que considero importante para o debate é que vejo a pauta ESG como um fenômeno muito positivo, não tanto pelo que ela promete realizar, mas pelo que tem permitido repensar. Sua principal virtude, me parece, é a de explicitar questões de cunho ambiental, social e político que antes estavam à margem do universo corporativo, como se não tivessem relação com o mercado, introduzindo-as no core das empresas. Assim, temas que há menos de duas décadas estavam restritos ao ambiente universitário ou parlamentar passaram a estar presentes no âmbito da gestão, da governança e das relações de trabalho nas companhias. Isso, por si só, já é algo que justifica e avaliza toda a “onda” ESG. Entretanto, no momento em que toma corpo, é preciso cuidar para que a “onda” seja adequada, para que a surfemos e conquistemos importantes avanços, evitando que se transforme num verdadeiro tsunami que, ainda que cheio de boas intenções, destrua tudo pelo caminho a acabe por morrer na praia.

Dante Gallian é doutor em História pela USP, coordenador do Laboratório de Leitura da Escola Paulista de Medicina e autor de Responsabilidade humanística — uma proposta para a agenda ESG (Poligrafia Editora)