16/06/2001 - 7:00
Desde que surgiu há 500 anos numa pequena cidade francesa, o jeans tem servido como símbolo de importantes mudanças sociais e econômicas da humanidade. Representou a colonização americana ao vestir os trabalhadores rurais em seu esforço na conquista do Oeste do país. Foi símbolo da revolta no corpo de James Dean. Transformou-se em ícone da cultura pop nas telas de Andy Wharhol. Azul e desbotado, tornou-se sinônimo de liberdade no marketing da indústria. Ao longo dos tempos, o jeans demonstra uma inesgotável capacidade de renovação e adaptação. Agora, tem início aquela que seria a terceira revolução no mundo têxtil. A primeira foi marcada pelos tecidos de fibras naturais. A segunda pelo advento das fibras sintéticas. Nos próximos dias, será dada a largada para uma nova fase nessa história. Chegará às passarelas, e logo depois às vitrines, a primeira coleção de jeans ecológico do País.
Projeto une Santista de Pegorin às costureiras da Rocinha
Trata-se do resultado de uma parceria de três grandalhões da indústria têxtil. A Rhodia-ster, braço do gigante químico francês Rhone-Poulenc, desenvolveu uma fibra de poliéster feita inteiramente de material reciclado, no caso PET, o plástico utilizado nas garrafas de refrigerantes. Já a Santista, uma das seis maiores fabricantes de jeans do mundo, recolhe retalhos de tecidos de algodão para produzir fios. O jeans é fabricado a partir da mistura dos produtos das duas empresas. A terceira perna do tripé é a M.Officer, uma das mais importantes grifes de moda jovem do País. Cabe a ela desenhar, confeccionar e fixar sua etiqueta nas calças e jaquetas da coleção. O custo é praticamente o mesmo do índigo tradicional e pode baixar ainda mais com o aumento da produção. Outras empresas já seguem o mesmo caminho. A Staroup também colocará em breve no mercado seu tecido politicamente correto. Em seu caso, porém, trata-se de 100% de algodão não inteiramente reciclado. ?Em alguns anos, o jeans ecológico dominará o mercado?, afirma Luiz Ricardo Pegorin, gerente de marketing da Santista Têxtil. ?De um lado, há pressão da sociedade. Por outro, necessidade econômica de racionalização no uso de recursos naturais.?
O mercado ao qual Pegorin se refere é um mercadão. No ano passado, segundo cálculos do Instituto de Estudos de Marketing Industrial (Iemi) foram produzidos no Brasil quase 147 mil toneladas de jeans. Em dinheiro, isso significa cerca de R$ 1,44 bilhão. ?O Brasil é um dos mais importantes centros de produção do tecido no mundo, em volume e em tecnologia?, diz Joaquim Dias, diretor do Iemi. A importância do País no cenário mundial pode ser observada no desempenho da balança comercial. Em 2000, as vendas externas brasileiras de índigo atingiram US$ 102 milhões, enquanto as importações não superaram US$ 1,3 milhão. ?Temos condições de nos consolidarmos como um dos principais núcleos mundiais de excelência em desenvolvimento e produção de jeans?, diz Leandro Fraga Guimarães, gerente de marketing e planejamento da Rhodia-ster.
O desenvolvimento do jeans ecológico é prova disso. A mistura de algodão e fibra de poliéster cria um tecido melhor do que aquele produzido com 100% de algodão, segundo Guimarães. Não amassa tanto. É mais resistente, mais maleável e mais confortável. E possui ainda uma tal de ?estabilidade dimensional? ? em bom português, significa que não há formação das tradicionais joelheiras quando você fica algum tempo sentado. Os jeans misturados já existem há algum tempo. Mas só agora a Rhodia-ster conseguiu desenvolver uma fibra de poliéster 100% reciclada, com propriedades idênticas às da tradicional e que pudesse ser utilizada nos mesmos maquinário e processos industriais. Para chegar ao produto, batizado de Alya Eco, a empresa consumiu seis anos de pesquisa e investimento de US$ 5 milhões. Todo o trabalho de desenvolvimento ocorreu nos laboratórios brasileiros da empresa, comandado por cientistas locais. A Rhodia-ster também garantiu o fornecimento de matéria-prima. Sua capacidade de reciclagem atinge 18 mil toneladas por ano ? para cada tonelada são necessárias 20 mil garrafas. ?Somos a maior reprocessadora desse material no País?, diz Guimarães.
Com a casa preparada, Guimarães procurou quem topasse levar a novidade às vitrines e ao corpo de consumidores e consumidoras. Encontrou a pessoa certa em Carlos Miéle, dono da M.Officer. Suas confecções sempre estiveram na vanguarda da chamada moda jovem. Em alguns anos, ergueu uma das mais respeitadas grifes do País, vendida em 83 lojas exclusivas e em outros 500 pontos multimarcas. Sua etiqueta também está em lojas internacionais, como a Browns, em Londres, e a Barneys, em Nova York. Artista plástico travestido de empresário, Miéle ostenta um currículo recheado de inovações. Por exemplo: o primeiro deficiente físico a desfilar numa passarela vestia M. Officer. Assim, não foi difícil convencê-lo a se engajar. ?Vi a oportunidade de unir a alta tecnologia ao talento da artesã?, diz ele.
A artesã, no caso, mora em uma das maiores favelas do País, a Rocinha, localizada no Rio de Janeiro. Parte da nova coleção será confeccionada por moradoras de lá, envolvidas no projeto da Cooperativa de Trabalho Artesanal e de Costura da Rocinha Limitada, Coopa Roca. Hoje, há cerca de 80 mulheres associadas à cooperativa. Com as encomendas do Projeto Alya Eco, esse número pode chegar a 200. Numa etapa inicial, as costureiras da Rocinha fabricarão cerca de 2 mil peças artesanais de jeans reciclado. O primeiro lote de roupas básicas, produzidas industrialmente, somará cerca de 10 mil itens. ?Vamos começar com uma coleção composta por seis conjuntos?, diz Miéle. Esse número pode se multiplicar rapidamente. Afinal, o respeito ao meio ambiente é um apelo de marketing fortíssimo. Além disso, as empresas podem reduzir seus custos quando a escala de produção do tecido for maior do que a de hoje. Mas certamente ninguém ficará mais feliz do que as artesãs da Rocinha. Para elas, o advento do jeans politicamente correto é a possibilidade de um trabalho e, por tabela, uma vida mais digna.
Colaborou: André Jockyman