Na manhã de sábado (dia 15), embarquei em uma caminhonete no Rio de Janeiro na companhia de dois técnicos, vindos da Suíça. Nosso destino era a fábrica da Triumph, em Nova Friburgo, cidade da região serrana, para onde levávamos suprimentos, como água, alimentos e roupas,  para abastecer os funcionários que estavam trabalhando na limpeza da unidade. Ao entrarmos na cidade, me deparei com um cenário estarrecedor que jamais vou esquecer. Os prédios e as ruas estavam da cor da lama. Ao chegar à fábrica, por volta das 11 horas, fiquei desolado com a quantidade de barro na rua de acesso e também na área externa do prédio. 

 

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Cenário de guerra: distrito de Campo Grande, em Teresópolis, foi um dos locais mais atingidos

 

Restou, ao menos, o consolo de descobrir que boa parte do maquinário e os produtos em estoque haviam sido poupados da fúria da natureza. Também já conseguimos contatar 70% de nossos funcionários. Nenhum deles sofreu ferimentos. Agora, estamos trabalhando para localizar o restante e ajudar no que for preciso”.

 

O relato, feito à DINHEIRO por João Gomes da Silva, presidente da Triumph International, fabricante de lingerie,  representa um outro olhar sobre a tragédia que desde o dia 12 deste mês  afeta sete importantes cidades da região serrana do Rio de Janeiro, lideradas por Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo. 

 

Dona de um Produto Interno Bruto de R$ 10,5 bilhões, a região havia contabilizado até  a quinta-feira 20, mais de 740 mortes e seis mil desabrigados. As chuvas torrenciais também afetaram, de forma brutal, boa parte da economia dessas cidades. 

 

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Funcionários da vivo tiveram de buscar caminhos alternativos enquanto na sede da Triumph (acima), a chuva e a lama paralisaram a produção de lingerie

 

Guardadas as devidas proporções, o efeito no mundo dos negócios foi semelhante ao sofrido pelas companhias americanas em meio aos atentados de 11 de setembro de 2001. Especialmente em Friburgo, onde o carro-chefe é o polo de confecções, intensivo em mão de obra, e que emprega 20 mil pessoas. 

 

Somando todas as cidades atingidas, a perda do setor produtivo em toda a região chega a R$ 153,4 milhões, de acordo com a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan). A expectativa é de que as 173 empresas mais afetadas voltem a operar em até 30 dias.

 

Em Nova Friburgo, a Triumph é uma das principais geradoras de  postos de trabalho. Nela, trabalhavam 750 funcionários, dos quais 215 continuavam desaparecidos. A unidade é estratégica para a empresa. 

 

Lá, eram produzidas 660 mil peças de lingerie (calcinhas, sutiãs, entre outros) por mês, que abastecem o mercado interno, além da Argentina. O  problema, hoje, é que o executivo não sabe dizer quando poderá religar as máquinas. 

 

Na semana passada, a fábrica passou por uma perícia por peritos  da seguradora Allianz, vindos da Alemanha. “Os prejuízos ainda não foram calculados integralmente, mas nossa apólice vai cobrir todas perdas”, diz o presidente da Triumph. 

 

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Linhas no chão: a prioridade da Ampla, do setor de energia, foi reativar o serviço. Agora,

chegou a vez de levantar os custos para recuperar as torres de transmissão e outros equipamentos

 

Segundo ele, uma planta desse porte custa pelo menos R$ 30 milhões para ser erguida. A intenção do executivo, que está baseado em São Paulo, mas, desde a última semana, passa a maior parte do tempo em Nova Friburgo, é colocar a empresa em operação apenas quando tiver condições técnicas para atuar de forma contínua. Até lá, ele acredita que o estoque nos revendedores deverá dar conta da demanda. A receita mensal da fabricante de lingerie é estimada em R$ 7 milhões.

 

A catástrofe causada pelas chuvas também colocou à prova os planos de contingência das concessionárias de energia e telefonia. Na corrida contra o tempo para restabelecer os serviços, os operários dessas empresas atuaram como se estivessem em um cenário de guerra. 

 

A Ampla, concessionária de energia elétrica, mobilizou um pequeno exército formado por 500 técnicos, além dos 100 que já trabalham na região. Também foram levados para o local 23 geradores destinados a  abastecer hospitais, delegacias e  estações de telefonia. 

 

“Em dois dias, 80% dos 116,8 mil clientes atingidos já tinham acesso à energia”, diz André Moragas, diretor de relações institucionais da Endesa do Brasil, controladora da Ampla. 

 

 A história, porém, não acaba por aí. Na avaliação do dirigente, ainda há muito a ser feito. “A catástrofe atingiu o nível máximo da escala de nosso plano de contingência, que vai de um a cinco”, afirma Moragas. 

 

Por conta disso, Moragas estima que a Ampla deverá desembolsar bem mais que os R$ 10 milhões que constam no orçamento para ocorrências do tipo. É que, além de cuidar do fornecimento de energia, a empresa também é dona das linhas de transmissão que abastecem a região. “Em Petrópolis, uma torre de nove toneladas foi ao chão”, diz. “Outras cinco correm risco de desabar, mas teremos de fazer uma ampla varredura em todas as 400 torres existentes na área.” Cada torre custa cerca de R$ 400 mil. 

 

Tanto na Ampla quanto no caso dos demais concessionários, o esforço individual, muitas vezes, é o que faz a diferença. “Tivemos de abrir caminho à base da enxada e da picareta. Cada um de nós carregava nas costas 40 litros de combustível, que seriam usados para abastecer o gerador da Unidade Concentradora de Cônego, em Nova Friburgo”, diz Luiz Fernando Moreira Ferrão, técnico sênior da Vivo,operadora de telefonia móvel. “Gastamos quase sete horas para percorrer cerca de dois quilômetros de subidas íngremes.”  

 

Tamanho esforço, segundo ele, valeu a pena, pois apenas essa unidade responde pelo funcionamento de cerca de dez estações rádio-bases, vitais para distribuir o sinal de telefonia na região,  onde a empresa conta com 677 mil clientes. 

 

Aventura semelhante foi vivida por outros integrantes da equipe que a Vivo deslocou para o local. “Conseguimos restabelecer 95% de todas as nossas unidades em apenas cinco dias”, afirma Fabio Sepulvida, diretor de gestão e controle da Vivo.