home_onibus_02.jpg

Futuro: o dono da Itapemirim (centro) com o filho Camilo e a neta Andrea: abertura de capital, hotéis e empresa de entregas expressas

 

Camilo Cola pediu licença ao motorista. Acomodou-se em frente ao volante do ônibus, engatou a primeira marcha e começou a mostrar o imenso terreno de 96 mil m2 que abriga a sede de sua empresa em Guarulhos, Grande São Paulo. Queria dar uma volta no pátio de ônibus, mostrar o novo terminal de cargas, entrar no dormitório-modelo dos motoristas, passear pelos jardins… e falar de negócios. Há 50 anos, é ele quem pilota o Grupo Itapemirim, um conglomerado nacional privado que conta com 23 empresas e faturamento de
R$ 600 milhões por ano. E não pense que esse ex-lavador de carros e ex-combatente da FEB esteja cansado de guerra. ?Quero viver sem pensar que vou morrer?, diz o presidente à DINHEIRO, citando São Francisco de Assis. Aos 78 anos, seu Camilo, como é conhecido pelos seus 16 mil funcionários, continua brigando como se fosse um jovem no primeiro dia de trabalho. À frente da maior companhia de transporte rodoviário do País, o executivo prepara seu filho, Camilinho, de 45 anos, e a neta Andrea, 25, para ocupar sua cadeira na diretoria. Mas confessa não conseguir abrir mão do que mais gosta: trabalhar. Neste momento, volta seus esforços para o planejamento da próxima década da Itapemirim. Vai entrar no setor de logística ? com um serviço de encomendas expressas, que promete entregar qualquer pacote em 48 horas. Pensa em construir um hotel na área em que nasceu, próxima do complexo de fazendas de Pindobas (a 150 quilômetros de Vitória, no Espírito Santo). E quer abrir o capital da companhia em bolsa. ?Enquanto meu sucessor me tolerar, serei participativo?, diz seu Camilo, brincando com o filho mais velho.

camilo_02_din243.jpg

 

 

Seu Camilo dirige calmamente o ônibus. Pára por alguns instantes para contar sua saga de empreendedor. O império dos Cola começou com 56 contos de réis. O ano era 1945. Ele acabava de voltar da Itália, onde havia servido na guerra. ?Os pracinhas desfrutavam de benefícios. Me ofereceram um emprego público?, lembra o capixaba de Cachoeiro do Itapemirim, cidade do cantor Roberto Carlos. Vida fácil não era com ele. Além disso, seu Camilo era um apaixonado por automóveis. ?Meu primeiro trabalho, aos 15 anos, foi lavando carros numa concessionária?, lembra. Com uma poupança, ele comprou o primeiro caminhão, um Ford 1946 ? que está estacionado até hoje em sua empresa e ninguém, além dele, sabe ligar. A idéia era levar o caminhão até Porto Alegre e revendê-lo. Aproveitava para encher a caçamba de artigos. Certa vez, teve a idéia de armar uma carroceria de madeira no caminhão e transportar pessoas. Era seu primeiro ?ônibus?. Dois anos depois, associou-se a um amigo, dono de um ônibus que fazia o trajeto entre Castelo (cidade de sua esposa Ignez) e Cachoeiro (a dele). Decidiram, então, investir na rota paralela à linha de trem que cortava o Espírito Santo. ?Ficávamos esperando passageiros para levar de uma cidade a outra?, diz. Um ano depois, a pequena viação tinha 11 ônibus. E ia bem. O pulo do gato veio meses depois, com a compra da Conquista, uma empresa que fazia o transporte no Espírito Santo. ?Sonhava com uma empresa do tamanho do Brasil.? E assim foi. Comprando mais de 20 empresas, a Itapemirim ocupou o mapa nacional.

camilo_03_din243.jpg

Viciado nos negócios: Seu Camilo tem um quarto na sede da firma. “Acordo e durmo no trabalho”

 

 

Comboio de empresas. A expansão do grupo veio nos anos 70. Como uma extensão da viação, que tem 2 mil ônibus e o dobro de participação de mercado da segunda concorrente. Vamos à lógica de seu Camilo: como ele já transportava passageiros, pensou em carregar cargas (Transportadora Itapemirim). Como parava no meio das estradas, resolveu criar uma rede de postos (Flecha). Tinha meios de transporte e se associou a operadores de turismo (Itapemirim Turismo). Tinha bom contato com as montadoras e abriu concessionárias (Samadisa e Cola Veículos). Usava muito pneu e resolveu revender Pirelli (Cola Pneus). Tinha pneu velho e abriu uma recondicionadora (Tecnobus). Precisava pagar seguro e criou a Itabira Seguradora. Para carregar a frota, surgia a Ciprus (madeireira) e a Marbrasa (mineradora). ?Entendeu??, pergunta. ?É bem simples.?

A simplicidade nos negócios é passada de pai para filho. O que sabe de administração, o advogado Camilinho diz ter aprendido com o pai. Tinha 11 anos, sentou-se à cadeira e resolveu brincar de ser empresário. ?Ele me viu vendendo um ônibus e queria repetir?, lembra. A filha, Ana Maria, não quis saber dos negócios. ?Ela tem três filhos para cuidar.? Dois dos seis netos trabalham na companhia. Rodrigo é gerente-geral da área de seguros. Aos 25 anos, Andrea acaba de ser empossada como diretora comercial da Viação. É dela, por exemplo, a idéia de criar salas de embarque nas rodoviárias. ?Será um espaço reservado para clientes, com check in expresso e salas confortáveis?, adianta Andrea.

 

camilo_04_din243.jpg

Cola em 1988: o executivo queria a Vasp. Montou a ITA e teve prejuízos. Ainda hoje, pensa em ter uma companhia aérea

Camilo continua o passeio com o ônibus. Entre uma marcha e outra, confessa alguns erros. Jamais deveria ter abandonado o sonho de montar seus próprios veículos. Até 86, a Itapemirim era auto-suficiente na produção de ônibus. Mas seu Camilo não quis manter o negócio. Outro erro, aponta a concorrência, é insistir nos sonhos. Ele queria ter seus aviões. Tentou levar a Vasp na privatização. Não deu certo. Criou a ITA, braço aéreo da companhia, que inicialmente transportava cargas. Criou uma linha de passageiros que ligava Cachoeiro a Rio e São Paulo. Nesta aventura, acumulou prejuízos estimados em US$ 4 milhões. E abandonou os ares. Em 2000, encomendou um estudo de viabilidade para criar nova companhia. Queria uma empresa moderna e sem frescuras. Mas a Gol veio antes. E, com ela, seu Camilo teve de fincar o pé onde conhece bem: o solo. Mas nem tudo anda às mil maravilhas na Itapemirim. ?Perdemos passageiros para carros, avião e até moto-táxi?, afirma. ?Não crescemos em cinco anos.? O principal ralo da companhia é o setor de cargas. A Transportadora, que já foi líder, teve queda de 30% nas receitas em 2001. Agora, quer voltar a crescer. ?Não temos muita ambição. Queremos retomar mercado?, diz Camilinho. A companhia começa a investir em novidades. Ainda este mês, lança seis modalidades de serviços. Entre elas, o It/Ex, para cargas expressas; o It/One, para entregas com hora marcada, que já tem contrato de R$ 15 milhões com uma montadora, e o It/Lab para produtos farmacêuticos.

E a saúde, seu Camilo? Se é que alguém duvida da disposição do empresário, ele adverte: acorda cedo, faz ginástica, tem aulas de computação e inglês. Tudo isso antes de começar a se dedicar à companhia. ?Sempre morei dentro da empresa.? E não é figura de linguagem. Na sede em Guarulhos, seu Camilo tem uma suíte, sala, banheiro e até cozinha. Na última sexta-feira, tentava convencer o filho a abrir o capital da empresa. ?É como a venda do Banco do Brasil, meu filho. Se os passageiros são acionistas, eles colaboram com o serviço.? Neste momento, a viagem está quase no fim. De repente, a marcha à ré quebra. Seu Camilo olha para o retrovisor, mira o motorista ? agora passageiro ? e ordena: ?Se não
está funcionando, empurre?. Nem um câmbio quebrado tira seu Camilo do rumo.