22/03/2017 - 10:49
Depois de alertar para os riscos de desabastecimento e desemprego no planeta sem uma melhor gestão dos recursos hídricos, a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) chama atenção para a necessidade de se reaproveitar a água residual doméstica, agrícola e industrial para suprir a escassez e o aumento da demanda.
Hoje, 80% dos efluentes do mundo são despejados sem o devido tratamento no meio ambiente, segundo o Relatório Mundial das Nações Unidas sobre Desenvolvimento dos Recursos Hídricos 2017, que será divulgado nesta quarta-feira, 22, em Durban, na África do Sul, por ocasião do Dia Mundial da Água.
Com o nome “Águas Residuais: o recurso inexplorado”, o relatório argumenta que, uma vez tratadas, as águas residuais poderiam se tornar fontes importantes para satisfazer a crescente demanda por água doce e outras matérias-primas. “As águas residuais são um recurso valioso em um mundo no qual a água é finita e a demanda é crescente”, afirma Guy Ryder, presidente da ONU Água e diretor-geral da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
“Todos podem fazer a sua parte para alcançar a meta do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável para reduzir pela metade a proporção de águas residuais não tratadas e aumentar a reutilização de água potável até 2030”, completa.
Segundo o estudo da Unesco, 56% de toda água doce captada no planeta se torna água residual, ou seja, esgoto ou efluente industrial ou agrícola. Mas, enquanto países de renda alta tratam cerca de 70% das águas residuais urbanas e industriais que produzem, essa proporção cai para 38% nos países de renda média-alta, 28% nos países de renda média-baixa e para apenas 8% nos países de renda baixa, o que resulta em uma média global de somente 20% do total. No Brasil, estima-se que entre 40% e 50% dessa água seja tratada.
“Nos países de renda alta, a motivação para o tratamento avançado das águas residuais diz respeito à manutenção da qualidade do meio ambiente ou à busca por uma fonte alternativa de água para fazer frente à escassez desse recurso. No entanto, o despejo de águas residuais não tratadas continua sendo uma prática comum, especialmente nos países em desenvolvimento, devido à falta de infraestrutura, de capacidade técnica e institucional, e de financiamento”, afirma o relatório.
Segundo o estudo, 2,4 bilhões de pessoas no mundo ainda não têm acesso a saneamento básico e quase 1 bilhão ainda praticam a defecação ao ar livre.
Riscos
Oficial de Meio Ambiente da Unesco no Brasil, o biólogo Massimiliano Lombardo explica que o despejo de águas residuais sem o devido tratamento compromete a saúde da população e pode até levar pessoas à morte ao longo do tempo se consumidas. “Os números mostram que 760 mil crianças morrem todos os anos antes de completarem cinco anos de vida por causa de diarreia provocada pelo contato com água contaminada”, diz.
Além disso, solventes e hidrocarbonetos produzidos por atividades industriais e de mineração, bem como a descarga de nutrientes como nitrogênio, fósforo e potássio pela agricultura intensiva, aceleram a eutrofização da água potável e dos ecossistemas costeiros e marinhos. Estima-se que 245 mil km² de ecossistemas marinhos – quase o tamanho do Reino Unido – são atualmente afetados por esse fenômeno.
Lombardo explica que por causa do crescimento populacional e dos processos de industrialização e urbanização, o despejo de água residual tem crescido em todo o mundo e que ampliar seu tratamento é algo urgente. “A mensagem central do relatório é a de que as águas residenciais não são um problema, mas sim recursos valiosos que podem ser reutilizadas como fonte de abastecimento seja para irrigação, produção industrial, de energia e até para consumo humano. É uma mudança de paradigma. Em vez de pensar como um problema, algo a descartar, essa água pode ser a solução de muitas cidades que sofrem com escassez hídrica”, afirma.
Escassez
Segundo o documento, atualmente, dois terços da população mundial vivem em áreas com escassez de água ao menos durante um mês por ano e que cerca de 500 milhões de pessoas moram em áreas nas quais o consumo de água excede em duas vezes os recursos hídricos renováveis localmente.
Lombardo afirma, contudo, que para reaproveitar as águas residuais para consumo humano, países como o Brasil precisam regular o reúso por meio de lei e esclarecer à população sobre a confiabilidade do tratamento. “Temos de começar agora a desenvolver um marco regulatório e aumentar a consciência social sobre o reúso da água”, afirma.
Atualmente, as águas residuais são mais utilizadas para a irrigação agrícola, prática adotada por ao menos 50 países que representam cerca de 10% de todas as terras irrigadas. O método, porém, levanta preocupações de saúde quando a água contém patogênicos que podem contaminar as culturas. Dessa forma, o desafio é passar de uma irrigação informal para um uso planejado e seguro, como a Jordânia tem feito desde 1977, sendo que 90% das suas águas residuais tratadas são utilizadas para a irrigação.
Na indústria, essa água residual pode ser reutilizada para aquecimento e resfriamento, por exemplo, ao invés de ser descartada no meio ambiente. Já no caso de reúso para abastecimento de água potável, os exemplos mais conhecidos no mundo são o de Windhoek, capital da Namíbia, na África, que reaproveita 35% da água residual desde 1969. Os habitantes de Cingapura e de San Diego, nos Estados Unidos, também bebem, com segurança, água que foi reciclada.