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Depois de comprar marcas tradicionais de alimentos, gigante parte rumo à liderança

 

O escritório da Unilever no Brasil, instalado no Centro Empresarial de São Paulo, ficou alvoroçado neste início de ano. Logo depois de tomar posse como presidente da subsidiária brasileira, Vinicius Prianti deu as primeiras ordens. Enterrar o nome Gessy Lever, que por 40 anos designou a maior empresa de higiene e limpeza do País; acelerar a consolidação das operações incorporadas pelo grupo com a aquisição da norte-americana Bestfoods (que detém por aqui a guerrilheira Arisco e a tradicional Refinações de Milho, Brasil) e definir uma nova estratégia para os negócios na área de alimentos. O homem que começou como estagiário da companhia no País 30 anos atrás está com pressa. A empresa anglo-holandesa, dona de um faturamento global de US$ 45 bilhões, tem ímpetos de crescer no Brasil. ?A Unilever quer ser uma gigante da área de bens de consumo, com posições equivalentes em higiene e alimentos?, resume Prianti.

Os passos dados em direção a essa meta têm sido firmes. No Brasil, o setor de alimentos responderá, em 2001, por uma fatia de 45% da receita. Antes da aquisição da Bestfoods, essa participação chegava a 30%. Graças às compras realizadas no ano passado, o balanço até o final de 2001 deverá ganhar uma receita adicional próxima a R$ 2 bilhões, empurrando suas vendas totais para R$ 6,8 bilhões. Com tais números, a Unilever ameaça a hegemonia da rival Nestlé, dona de um faturamento de R$ 3,6 bilhões e se candidata à liderança no setor alimentício.

 

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Recuo: no mundo, fechamento de 100 fábricas e 25 mil demissões

 

O território dominado pela Unilever inclui grifes como Hellmann?s, Knorr, Tarantella, Cica, Maizena, Kibon, Doriana e Becel. ?As aquisições foram perfeitas, pois nos trouxeram marcas fortes e uma ampla área geográfica para atuação?, frisa Prianti. Portanto, a concorrência deve ficar atenta aos movimentos da filial brasileira. No final do ano passado, a subsidiária começou a mudar sua estrutura para ficar mais forte. As divisões Lever (higiene e limpeza), Elida Gibbs (toalete e perfurmaria) e Van den Bergh (alimentos) serão abrigadas em duas áreas, a de higiene e limpeza e a de alimentos. ?Estamos concentrando nossos esforços em dois grupos de negócios?, esclarece Prianti, que acumula desde o início do ano a presidência com a diretoria do setor de higiene e limpeza. O nome Gessy Lever também está sendo aposentado e substituído por Unilever. ?A marca Gessy Lever tem uma imagem fortemente associada a produtos de beleza?, explica o presidente. O negócio de alimentos tende a ganhar cada vez mais corpo no grupo. Assim, a filial comandada por Prianti acompanha a estratégia mundial desenhada pela matriz: manter pesos equivalentes para as áreas de higiene e limpeza e de alimentos.

Pente fino. Por isso, desde meados do ano passado, executivos da matriz e da subsidiária passam um pente fino nas atividades da Arisco e da Refinações de Milho, Brasil. ?Da capacidade de produção de cada máquina à importância das marcas adquiridas, tudo vem sendo investigado?, conta um diretor do grupo, que preferiu não se identificar. Até março, um amplo relatório indicará as medidas que devem ser adotadas para melhorar a produção. O documento também elegerá as marcas que receberão maior esforço de marketing.

Prianti não fornece nenhum detalhe sobre esse trabalho. Mas, segundo DINHEIRO apurou, algumas decisões já foram tomadas. Prianti montou uma base num escritório da Avenida Paulista e, para lá, convergiram as operações da Arisco e da RMB. Também decidiu dividir a área de alimentos em unidades de negócios, com gerentes dedicados a cada uma delas. Nas reuniões com executivos, tem demonstrado que o encolhimento do portfólio de produtos ainda é uma alternativa distante. Para otimizar a produção, algumas idéias também já estão sendo debatidas. Há planos de concentrar a produção de atomatados e legumes em lata na fábrica da Arisco, instalada em Goiânia (GO). ?A tendência é transferir a linha Cica para a fábrica goiana porque a produção agrícola lá é grande?, conta um diretor da companhia. ?Mas cada marca teria uma estratégia diferente, atendendo às suas peculiaridades.? Para reforçar a atuação na área alimentícia, a companhia também estaria avaliando um plano de construção de um centro de pesquisas sobre alimentos no Brasil ou em algum outro país da América Latina.

Para essa tarefa, a Unilever dispensou a colaboração de João Alves de Queiroz Filho, ex-dono da Arisco. Na época da transação, Júnior, como é conhecido, havia se comprometido a participar de todas as decisões estratégicas, mas preferiu se dedicar a outros negócios, como a TV Serra Dourada, retransmissora do SBT. A missão de integrar as marcas de alimentos que pertenciam à Bestfoods foi entregue a Dantes Hurtado, eleito para o posto de diretor geral da Arisco e da RMB. É ele o nome mais cotado para comandar as atividades na área de alimentos da Unilever no mercado nacional.

Sinal verde. Antes, porém, Hurtado terá que esperar um sinal verde do governo. O processo que analisa a aquisição dos ativos da Bestfoods ainda está nas mãos dos técnicos da Secretaria de Direito Econômico. Ou seja, não chegou ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a quem cabe a palavra final. O motivo de tantos cuidados é a alta concentração de mercado que a Unilever terá em alguns produtos. Em maionese, a participação será de quase 60%. Em atomatados e caldos, as fatias atingirão 55% e 70%. ?Essa operação tem peso comparável ao da fusão da Brahma com a Antarctica?, avalia o advogado Mauro Grinberg, do escritório Araújo e Policastro. ?Deverão ser analisados aspectos como concentração de mercado, barreiras ao ingresso de concorrentes e o impacto em preço.? A transação mundial, que movimentou mais de US$ 24 bilhões, foi aprovada pelas autoridades de defesa da concorrência dos demais países onde a multinacional atua. Enquanto a decisão não sai, a Unilever fica de mãos atadas. ?Não poderemos operar de forma integrada com todas as marcas de alimentos até o parecer do Cade?, diz ele.

De jeito simples e fala mansa, Prianti poderia ser identificado com a imagem de pouca agilidade que a companhia possui no Brasil e no mundo. Mas não é bem assim. Conhecido pelos mais íntimos como Bigode, o paulista de 52 anos tem como característica a extrema objetividade em suas ordens e cobranças. Nos sete anos em que esteve dirigindo os negócios da divisão Elida Gibbs, reduziu o número de marcas de 32 para 15 e conseguiu multiplicar por quatro a receita obtida com a venda de produtos pessoais. ?Essa unidade de negócios se transformou numa das maiores do segmento da Unilever mundial?, orgulha-se. Sua carreira inclui ainda vitórias na disputa da empresa anglo-holandesa contra a Procter & Gamble pelo mercado de sabão em pó. ?Com o Omo, continuamos na liderança e temos?, diz ele.

O executivo foi um dos líderes do processo de enxugamento de marcas desenvolvido na subsidiária do final da década de 80 para cá. Como coadjuvante de Umberto Aprile, presidente no Brasil entre 1986 e o ano passado, viu o faturamento da empresa passar de US$ 740 milhões para US$ 4,2 bilhões, sem incluir a compra da Bestfoods. Foi o milanês Aprile quem assinou os cheques para arrematar a Cica, em 1987, e a Kibon há quatro anos. ?Servimos como modelo para a matriz, pois nos antecipamos à reestruturação global anunciada no início do ano passado?, afirma Prianti. Quando a Unilever anunciou um programa mundial de reforma dos negócios, o Brasil não foi afetado. No mundo todo, até 2004 sumirão 25 mil vagas nas indústrias, 10% do quadro de pessoal. Cem unidades serão fechadas e, das 1.600 marcas, apenas 400 continuarão nas prateleiras. ?Enquanto a empresa reduz internacionalmente suas operações, aqui aceleramos o crescimento?, festeja Prianti. Prova disso é o volume de investimentos programados para 2001. Para o marketing, foram reservados US$ 120 milhões, 20% a mais do que em 2000. A área industrial ficará com US$ 50 milhões, dos quais US$ 16 milhões serão aplicados na construção de uma nova fábrica do sabonete Dove, que transformará o País no pólo mundial do produto. ?Queremos ampliar a capacidade de produção, ganhar produtividade e melhorar os resultados?, frisa Prianti. Enfim, o recado é o seguinte: o gigante adormecido parece ter despertado com um apetite voraz.