08/12/2020 - 11:01
O próprio presidente Vladimir Putin é, desde agosto, o principal embaixador da primeira vacina contra o novo coronavírus registrada no mundo, a “Sputnik V”, que também se tornou uma estratégia geopolítica.
Cientistas ocidentais consideraram o anúncio prematuro, já que ocorreu antes do início da fase 3 de ensaios clínicos em massa e da publicação de resultados científicos.
A comunidade internacional, especialmente a ocidental, também viu que a vacina responde ao desejo de Moscou de expandir sua influência no mundo.
Aproveitando o anúncio de Putin, que garantiu que sua própria filha participaria dos ensaios da vacina russa, Moscou assinou acordos internacionais para ensaios clínicos (com Belarus, Venezuela e Índia) e para a produção de sua vacina (com Índia, Brasil , China e Coreia do Sul).
Depois dos hidrocarbonetos, das armas e da energia atômica, Moscou gostaria de adicionar a vacina ao seu arsenal de influência econômica e diplomática e garantir uma fatia do mercado nos países em desenvolvimento.
Mas esta primeira vacina também simboliza o mantra político do Kremlin há duas décadas: a Rússia está de volta.
“É uma forma de mostrar que o país é capaz de (…) fazer parte da elite científica mundial, de se sair melhor que os países desenvolvidos”, explica a cientista política Tatiana Stanovaya, fundadora do centro de pesquisas R.Politik.
– Orgulho nacional –
Em 1991, após o fim da URSS e do Comecon (mercado comum dos países comunistas), a Rússia estava praticamente sem indústria farmacêutica, por isso há muito depende dos países ocidentais. Mas o país lançou um programa de substituição de importações para reduzir essa dependência.
“As vacinas produzidas na Rússia são geralmente vacinas estrangeiras. Por outro lado, esta é uma das primeiras concebidas exclusivamente na Rússia, é um orgulho nacional”, afirma à AFP Jean de Gliniasty, especialista em Rússia do instituto IRIS.
“Isso simboliza o retorno da Rússia ao grupo dos grandes da questão farmacêutica. Eles vão tentar aproveitar ao máximo os benefícios em termos de ‘soft power'”, acrescenta o ex-embaixador da França em Moscou.
Na verdade, o nome dado à vacina mostra as intenções.
O “Sputnik V”, que leva o nome do primeiro satélite do mundo colocado em órbita pela URSS em 1957, é uma reminiscência de um feito científico russo e um revés histórico para o rival americano.
Embora Moscou deseje cooperar com o Ocidente (como mostra a parceria com a AstraZeneca), são acima de tudo os países com os quais a Rússia mantém relações positivas que responderam primeiro.
No entanto, Tatiana Stanovaya avisa: “há áreas em que os russos são bons”, mas a tendência de politizar tudo se torna um ponto contrário a eles.
Além da geopolítica, a Rússia quer avançar rapidamente no seu próprio interesse: aposta na vacina para evitar um segundo confinamento que sufocaria a economia, buscando sair da crise o mais rápido possível.
E Moscou está tentando aumentar sua capacidade de produção por meio de acordos internacionais.
– Déficit de produção –
A Rússia anunciou que recebeu pedidos para reservar 1,2 bilhão de doses, mas sua capacidade de produção é limitada.
As autoridades informaram que o país vai produzir dois milhões de doses até o final deste ano, muito pouco para seus cerca de 145 milhões de habitantes, levando-se em conta também que são necessárias duas doses por paciente.
No final de outubro, o presidente reconheceu que o país enfrentava um gargalo de produção e, portanto, estava disposto a cooperar “com outros cientistas [da Rússia] mais de perto do que antes”.
A Rússia concluiu um acordo com um grupo indiano que se comprometeu a produzir mais de 100 milhões de doses por ano.
Moscou poderia inovar neste campo, prevê Nathalie Ernoult, codiretora do IRIS Global Health Observatory: “Se a Rússia fizer verdadeiras transferências de tecnologia, der a fórmula para produzir a vacina, isso atenderá ao apetite de muitos países de ir em direção à autonomia”.