12/12/2007 - 8:00
“Toda e qualquer empresa, mesmo a Petrobras, está sujeita a restrições” O presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli
“O argumento de que uma empresa irá falir se não for vendida não entra na nossa análise” O presidente da Nestlé, Ivan Zurita, que comprou a Garoto
DINHEIRO ? O Cade suspendeu investigações por cartel das empresas Lafarge e JBS-Friboi, depois de fechar um acordo. Como isso funciona?
ELIZABETH FARINA ? É um novo instituto. Se for um cartel, necessariamente há de haver uma contribuição pecuniária. Não chamamos de multa porque não se pode multar alguém que não foi condenado.
DINHEIRO ? Mas a contribuição tem que pesar no bolso?
FARINA ? Tem. Ela não poderá ser menor do que a multa mínima do caso de condenação, que é de 1% do faturamento. As multas variam de 1% a 30%. Mas, no caso do acordo, só foi estabelecido o piso de 1%; então pode chegar a 50%, porque a lei não estabelece o teto.
DINHEIRO ? O dinheiro vai para onde?
FARINA ? Vai para o Fundo de Defesa de Direitos Difusos, que também recebe multas ambientais. É coordenado por uma comissão mista interministerial.
DINHEIRO ? E além dessa pena?
FARINA ? As empresas têm que apresentar um termo de ajustamento. Têm de ajustar suas estratégias de governança interna à legislação de defesa da concorrência. Queremos que a concorrência seja forte e saudável e essas regras e noções têm que permear a vida da empresa. Do mesmo jeito que existem programas de governança para o meio ambiente, de prestação de contas para os acionistas, as noções de defesa da concorrência serão regras de governança.
DINHEIRO ? A legislação também prevê o acordo de leniência. É uma delação premiada?
FARINA ? Tem uma semelhança. Usamos pela primeira vez em 2003, no chamado Cartel dos Vigilantes. Esse acordo incentiva um participante de um cartel a trazer informações que permitam o combate pelo Cade e, portanto, que se produzam provas materiais suficientes para a condenação. Pela experiência do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, há uma enorme dificuldade de condenação de cartéis apenas com base em indícios. O beneficiário ? que trouxer informações e provas que levem pelo menos à instauração do processo com provas materiais robustas sobre o cartel ? pode ter uma redução da pena ou até não ter pena alguma
DINHEIRO ? Os acordos com a Lafarge e a JBS-Friboi foram firmados numa única sessão. Esse mecanismo é capaz de evitar que as empresas retomem o caminho do abuso do poder econômico?
FARINA ? O instrumento de acordo é complementar às condenações. Seu objetivo é dissuadir as empresas de adotar práticas dessa natureza, sejam cartéis ou outras práticas anticompetitivas. Primeiro queremos que se pare a prática, depois que ela não se repita. O acordo pode ser até mais eficaz do que a própria condenação, que pode levar muito tempo. Há uma série de procedimentos que necessariamente tornam a investigação de cartel algo que não é rápido. Se o processo for feito sem seguir esses procedimentos, as empresas levarão a decisão para o Judiciário e a decisão não será efetivada. Não basta apresentar provas. É preciso saber colher, juntar e analisar.
DINHEIRO ? Acordo acelera o processo?
FARINA ? Claro. Eu posso ter uma multa e uma condenação depois de quatro anos de processo administrativo e uns seis anos de processo judiciário. Já foram dez anos entre a prática e o pagamento de multa. Será que isso é mais dissuasório do que eu fazer um acordo hoje e impor a empresa uma contribuição pecuniária, alguma coisa que de fato gere um constrangimento para que a empresa adote novamente a prática? Veja, no momento em que ela faz o acordo, a contribuição pecuniária não é a única punição, ela tem que adotar um programa dentro da sua empresa. Portanto, todos os funcionários vão estar integrados nisso, eles vão saber que a empresa fez algo errado. Além disso, o acordo é tornado público.
DINHEIRO ? Há outros indícios de cartel na economia?
FARINA ? Há vários casos de cartéis sendo investigados pela SDE, mas só chegam ao Cade quando a SDE termina a instrução. Por isso eu não sei exatamente quantos casos estão na SDE.
DINHEIRO ? As empresas têm um prazo de até 15 dias úteis após a formalização do ato de concentração para notificar o órgão antitruste. O nosso modelo de notificação posterior é diferente dos outros países? Não é o caso de mudar?
FARINA ? Sim e sim.
DINHEIRO ? Mas o Cade recebe negócios já consumados.
FARINA ? A maioria esmagadora dos países que têm a regra de notificação obrigatória o faz exigindo a aprovação prévia para que a operação seja consumada. A operação analisada depois do fato concretizado significa que os compradores podem consumar a operação, entrar na empresa, fechar fábrica, mudar diretoria, tirar a marca do mercado, enquanto os órgãos de defesa da concorrência analisam a situação. E o custo de impor uma restrição de ordem estrutural, como a alienação de ativos, para que o ato de alienação provoque o mínimo possível de impacto negativo na concorrência, ou o seu bloqueio seja imposto, é muito alto. O administrador tem um custo elevado ao tomar essa decisão. É um jogo em que todo mundo perde e que cria insegurança.
DINHEIRO ? Houve um caso na área editorial, que foi a fusão entre a Dinap e a Fernando Chinaglia. Houve até uma medida cautelar de um conselheiro do Cade, tentando impedir o monopólio enquanto o negócio é examinado.
FARINA ? Tanto a medida cautelar quanto o Acordo de Preservação da Reversibilidade da Operação (Apro) são medidas que tentam melhorar essa análise a posteriori. Na medida cautelar, de maneira unilateral, o Cade diz: ?não consuma a sua operação enquanto eu não analisar?. No acordo, a empresa assina um compromisso em que se compromete em não tomar nenhuma decisão que não possa ser revertida. O acordo é sempre melhor. A cautelar é quando se precisa de uma medida urgente. Mas não soluciona totalmente o problema. O ideal seria termos uma análise prévia.
DINHEIRO ? Como mudar?
FARINA ? Desde 2005, há um projeto de lei na Câmara que altera a notificação dos atos de concentração para uma análise prévia. Nesse caso, a empresa pode anunciar, mas não consumar. É assim nos Estados Unidos, União Européia, Leste Europeu, Colômbia, Japão, Coréia… É algo que precisa mudar com urgência no Brasil. É hora de acabar com o negócio consumado.
DINHEIRO ? Essa lei, inclusive, une o Cade à SDE. O que a sra. acha?
FARINA ? Eu sou favorável, porque se eliminam as redundâncias.
DINHEIRO ? Reduz o tempo?
FARINA ? De atos de concentração, com certeza. Investigação é algo que depende do tipo de conduta que se está investigando. A Secretaria de Acompanhamento Econômico, a SDE e o Cade adotaram procedimentos para evitar as redundâncias que marcavam o funcionamento do sistema no passado. Mas isso ocorre por acordos e portarias que dão certa segurança, mas podem ser mudadas a qualquer tempo.
DINHEIRO ? Por falar em atos de concentração, a Petrobras tem dois processos aqui: a compra da Ipiranga e da Suzano. A Petrobras, pelo fato de ser estatal, é uma dor de cabeça?
FARINA ? O Cade é um órgão de Estado e não é de governo. Ele pode tomar uma decisão independente.
DINHEIRO ? A Petrobras também não é uma empresa de governo. É um patrimônio nacional, controlada pela União.
FARINA ? Vocês são acionistas da Petrobras? Eu não sou. Nenhuma empresa tem isenção antitruste, nenhuma atividade. A lei vale para qualquer organização. Ninguém tem isenção, nem cooperativa nem estatal. Todos estão sujeitos a restrições e bloqueios em atos de concentração. Estão sujeitos à condenação por cartel e por abuso de posição dominante. Ponto. Todos. Sem exceção. No caso da Ipiranga, foi dada uma medida cautelar e feito um Acordo de Reversibilidade. Já houve um caso da Petrobras com a White Martins aprovado com restrições.
DINHEIRO ? Em relação à compra da Garoto pela Nestlé, havia um problema de ordem social. A indústria poderia fechar, prejudicando a economia.
FARINA ? Não posso falar da Nestlé.
DINHEIRO ? Mas o Cade leva ou não em consideração essas questões?
FARINA ? O Cade vai levar em consideração tudo aquilo que ele tem mandato para fazer, que é uma análise sobre o impacto da concorrência. Ponto. É preciso ter muito cuidado com outras considerações. O argumento social foi muito usado nos Estados Unidos em uma época e acabou gerando uma conseqüência totalmente indesejada, que era a combinação de uma ação anticompetitiva sobre um rival que a empresa gostaria de adquirir. Isso é a melhor coisa do mundo. Você enfraquece competitivamente a empresa, por meios anticompetitivos, usa o argumento de que a empresa está falindo, e então é melhor o órgão de defesa econômica aprovar o negócio porque vai salvar empregos, salvar renda e a comunidade. Na verdade, é uma combinação espúria entre o ato de concentração e a atividade anticompetitiva.
DINHEIRO ? A SDE fortaleceu as investigações, com apreensão de documentos e escutas telefônicas. Isso é bom?
FARINA ? É uma prova emprestada do Ministério Público com autorização judicial que o sistema usa para instruir o processo aqui. São instrumentos extremamente importantes. É difícil ter provas robustas de um cartel, como evidências materiais, que são difíceis de colher sem busca e apreensão. Esses instrumentos são importantes combinados com o programa de leniência. Porque não basta o beneficiário contar a história, ele tem que contar e orientar a busca das provas.
DINHEIRO ? A punição aumentou?
FARINA ? Muito. Por isso, as empresas querem fazer acordo. Elas antevêem uma maior probabilidade de serem condenadas. Agora isso significa que elas jamais farão? Pode ser. Mas nem nos Estados Unidos, que têm leis de defesa da concorrência há 100 anos, a cartelização acabou. O que se pode fazer é aumentar o valor das multas. Em 1999, o Cade aplicou multas de 1% do faturamento da empresa. O último acordo foi de 10%. Conquistamos reputação e reconhecimento do Judiciário. As empresas correm para a Justiça, mas tenho a confiança que todas as nossas decisões serão confirmadas.