DINHEIRO ? Em menos de um ano, o País viu escândalos envolvendo os bancos Santos, Rural e BMG, todos de médio porte. Qual o impacto sobre o setor?
JOÃO RABÊLLO ?
São dois momentos diferentes. No ano passado, quando aconteceu o evento Santos, nós tivemos de fato um problema de liqüidez no sistema financeiro, concentrado nos bancos menores. O que acontece hoje, em função da crise política que envolveu o nome de dois bancos, tem um impacto muito diferente, de outra dimensão. Não pega ninguém com problemas de liquidez forte.

DINHEIRO ? Mas há um problema de imagem. Os bancos médios são menos éticos que os grandes?
RABÊLLO ?
Dizer que há um problema de imagem para o setor é um erro. Cada instituição é uma. No meio desta safra de histórias aparecem até bancos grandes, estatais. O sistema financeiro já tinha prenúncios da crise do Santos havia um certo tempo. Não se sabia da dimensão. Agora, a prática do Santos, com certeza absoluta, não é a prática do nosso setor. Eu não generalizaria de forma alguma. Não vejo isso como uma ameaça.

DINHEIRO ? Mas será que os critérios de concessão de empréstimos dos bancos menores não são menos rígidos?
RABÊLLO ?
Trabalhar com empresas de um certo tipo ou não depende de cada instituição. Algumas têm como prática não dar empréstimos a partidos políticos, como no nosso caso (do Banco Fibra). Outras têm como prática não dar empréstimos a hospitais, para não correr o risco de ter que protestar um hospital.

DINHEIRO ? Da quebra do Banco Santos para cá, o setor encolheu?
RABÊLLO ?
Muito pelo contrário. O setor cresceu. Ele encolheu no segmento de crédito a médias empresas. Mas cresceu no crédito a pessoa física. Olhado do ponto de vista do volume total de crédito, o setor cresceu e muito.

DINHEIRO ? Houve, então, uma mudança de foco?
RABÊLLO ?
A partir de novembro do ano passado, houve uma diminuição da exposição dos fundos de pensão aos bancos médios e pequenos, o que fez com que o setor buscasse outras fontes de captação. É difícil você ver um setor se reposicionar tão rapidamente. Com o crédito consignado, o sistema financeiro brasileiro está tendo um aprendizado que está sendo bom para a sociedade. É um aprendizado que quem está proporcionando são os bancos médios e pequenos, responsáveis por 65% do crédito consignado.

DINHEIRO ? Porque estes empréstimos com desconto em folha de pagamento ficaram nas mãos dos bancos menores?
RABÊLLO ?
Toda vez que há um mercado novo, há sempre os pioneiros. O crédito pessoal, que hoje a Fininvest do Unibanco, a Taií do Itaú e a Finasa do Bradesco operam, há 20 anos era dominado por bancos médios e pequenos. Os mercados que a gente chama de marginais, no sentido de serem pequenos, não interessam normalmente ao banco grande. Para ele, interessa volume, escala. Agora que o mercado de consignação está tendo escala, você vai ver todos entrarem nele.

DINHEIRO ? Qual o papel do banco médio e pequeno no sistema financeiro?
RABÊLLO ?
É estar aonde o banco grande não vai. São os chamados nichos. Lugares pequenos, com pouca receita e pouca rentabilidade interessam só a quem é pequeno e tem o custo baixo. O médio tem a seguinte vantagem: o custo dele, em geral, é mais baixo; a operação dele é mais focada em negócios, porque ele não tem a parte de serviços. E quem desbrava um novo negócio normalmente é aquele que tem um pouco menos de custo. Ele se submete eventualmente a margens um pouco menores. Na hora em que (o negócio) ganha escala, sai de baixo, porque vem o grande com a sua cavalaria e toma. A gente é da guerrilha.

DINHEIRO ? Em que nichos os bancos médios estão interessados agora?
RABÊLLO ?
Crédito consignado para funcionários de empresas privadas, por exemplo. Eu vejo também alguns bancos médios indo para o setor imobiliário. É o nosso caso e o caso do banco Ourinvest.

DINHEIRO ? E as empresas médias, voltarão um dia a confiar nos bancos médios?
RABÊLLO ?
O segmento de médias e pequenas empresas é muito particular. Ele exige muitas vezes um conhecimento e um atendimento quase individual. O banco grande em geral não faz isso tão bem. Por isso, já há vários bancos médios crescendo nesse segmento. O Fibra foi um que cresceu, o J.Safra, o ABC Brasil, o Sofisa. São bancos que tinham capacidade de crescimento, mas não tinham estrutura para isso. O J.Safra tem um projeto específico para isso. O próprio Votorantim está entrando nesse mercado de médias empresas.

DINHEIRO ? Não seria a hora de os bancos médios pensarem em fusões e aquisições para ganhar competitividade?
RABÊLLO ?
O processo de consolidação do sistema financeiro ainda está no início no Brasil. Eu acho que ainda vai haver compras. Mas acho muito difícil imaginar que o banqueiro pequeno ?A? se junte ao banco pequeno ?B?.

DINHEIRO ? Por quê?
RABÊLLO ?
Porque cada um desses negócios tem muito a cara de cada banqueiro. Nós tivemos no passado a compra do Banco Cidade, a compra do Banco Zogbi. Esses banqueiros vão retornar ao mercado uma hora, criando outros negócios, outras estruturas. Se não eles, os sucessores deles vão querer ter seus negócios. A gente acaba fazendo aquilo que sabe fazer. É uma tendência natural do ser humano. Quem teve uma financeira um dia vai voltar a ter uma financeira. Quem teve o seu banco vai voltar a ter o seu banco. Em outros moldes. Talvez não com a mesma estrutura, porque já aprendeu onde errou.

DINHEIRO ? Mas a venda desses bancos para os gigantes do setor nos últimos não indica uma tendência irreversível?
RABÊLLO ?
A gente vende um negócio por dois motivos: ou porque a oferta é muito boa ou porque (o desempenho) não estava muito bom. Quem teve oferta muito boa e está com muito dinheiro no bolso vai voltar.

DINHEIRO ? Com a concentração cada vez maior do mercado nas mãos dos maiores bancos, sobrará espaço para os médios?
RABÊLLO ?
Em qualquer lugar do mundo que você vá, existem sempre bancos médios e pequenos. Bancos regionais, eventualmente. Qualquer indústria de médio porte tem muitos banqueiros e não um só banqueiro (a seu serviço). Normalmente um banqueiro mais de serviços, um voltado para crédito internacional, outro para crédito local. É muito difícil uma empresa trabalhar com menos de oito, dez bancos. Na média, são dez bancos, cada um com seu papel. O banco médio ou pequeno entra como banco complementar.

DINHEIRO ? Mas já não há bancos demais no País?
RABÊLLO ?
Daqui a pouco vai faltar banco no Brasil se a economia crescer 5% ao ano. Eu espero que isso aconteça. A nossa grande torcida de homens de crédito é para que falte banco.

DINHEIRO ? Os bancos já estão aceitando juros menores em troca de mais crescimento econômico e mais demanda por crédito?
RABÊLLO ?
Com certeza para o setor financeiro é melhor que os juros caiam e a economia cresça do que o contrário. O setor financeiro ganha mais se a economia crescer e ele puder emprestar mais. O nosso negócio não é tesouraria (aplicação dos recursos em poder do banco em títulos públicos remunerados a juros). Isso é efêmero. Nós já falamos em queda de juros desde o final do ano passado. Os juros altos colocaram a inflação em níveis até abaixo da meta neste momento, mas comprometeram um pouco o crescimento. Para nós interessa que eles caiam.

DINHEIRO ? Houve um erro de pilotagem da política monetária, por excesso de conservadorismo?
RABÊLLO ?
O Banco Central tem sua meta de inflação e está no papel dele, de guardião da moeda. Talvez a meta colocada para este ano é que tenha sido um pouco exagerada, em função de uma série de fatores conjunturais. Ele (o BC) se comporta como um banco central tradicional, como o Federal Reserve americano, o Fed, que busca suas metas e as cumpre. Nesse ponto, está supereficiente.

DINHEIRO ? E o crescimento, ficará sempre em segundo plano?
RABÊLLO ?
A realimentação dos preços indexados vai ser muito fraca no ano que vem. Em sendo assim, a meta para 2006 será facilmente exeqüível a juros bem mais baixos, permitindo um crescimento um pouco mais forte.

DINHEIRO ? É possível cortar os juros numa canetada, como propõe o vice-presidente José Alencar?
RABÊLLO ?
Quando você está usando um tipo de receita, você não pode mudá-lo drasticamente. Os agentes econômicos conhecem essa receita e sabem os efeitos. Para mim, é mais importante a simbologia da queda dos juros do que o tamanho do corte neste momento. Se o Banco Central começar a cortar 0,25 ponto percentual já mostrará que acreditou no seu modelo, o modelo deu resultado e, se a inflação continuar sob controle, esse juro virá a cair mais. É o sinal que nós do lado de cá precisamos, seja indústria seja sistema financeiro, para voltar a pensar em crescimento. De repente baixar os juros em 5% vai causar um frisson tal e um descrédito na nova política que eu acho que não tem que acontecer neste momento.

DINHEIRO ? Quais são os riscos de uma guinada na política econômica, seja agora ou com um novo presidente?
RABÊLLO ?
Nós já passamos por testes mais preocupantes e resistimos, como na própria eleição do Lula. Então, os medos de sucessão não existem como no passado. Não tem mais aquela história de ?o PT vai assumir e vamos para o caos?. A reviravolta que pode ter é, de repente, alguém assumir a cadeira do presidente e vir com alguma fórmula mirabolante. Mas quem tentasse implementá-la estaria fadado a insucesso. Por isso, a chance de isso acontecer aqui é muito pequena.

DINHEIRO ? E uma mudança de orientação do próprio governo Lula?
RABÊLLO ?

O próprio ministro Palocci já deixou muito claro que a economia é do presidente. Com ele ou sem ele, estão mantidas as premissas (da atual política econômica). É claro que nós do mercado achamos que a condução do ministro

Palocci é fundamental neste momento. Porém, uma troca agora seria de seis por meia-dúzia.