DINHEIRO ? Existe limite para a alta do dólar?
Luís Paulo Rosenberg ?
Sem dúvida. O dólar subiu tanto porque é uma das poucas mercadorias em que quanto mais alto o preço, maior a demanda. Empresários que achavam caro quando o câmbio estava a R$ 2 por dólar, e não fizeram hedge, a R$ 2,40 acham baratíssimo e saem comprando. Há um componente psicológico no preço do dólar que é fácil de ser amplificado. O fato de você ter a crise na Argentina e a desaceleração na economia americana, e conseqüentemente uma diminuição do fluxo de capitais no Brasil, foi o estopim que fez o dólar passar dos R$ 2.

DINHEIRO ? Mas o dólar não parou de subir, nem mesmo quando havia fluxo de capitais para o País.
Rosenberg ?
Não está entrando tanto, essa que é a verdade. O nível de investimento direto este ano vai ser bem menor do que no ano passado. Nada que complique a gestão da dívida externa, mas, não poderíamos ficar com menos de R$ 2,20 ou R$ 2,10 no fim deste ano. Esse já era o número previsto no fim do ano passado. Mas aí veio a Argentina e o processo de hedge. E as decisões de multinacionais nesse aspecto são extremamente arbitrárias, remotas.

DINHEIRO ? O que vai fazer a tendência do dólar virar?
Rosenberg ?
Pode ser um resultado melhor de balança comercial, um leilão do Banco Central, uma manifestação lá de fora sobre rating do Brasil. É um clique que se precisa para começar um ciclo virtuoso. No filme, é aquele momento em que a mocinha começa a chorar desesperada e o namorado chega e dá dois tapas na cara para ela cair na real. Não tem nada de concreto. É para dizer: você está louco? Está comprando dólar a R$ 2,40? Não vale isso, vale R$ 2,20.

DINHEIRO ? Quando vem essa virada?
Rosenberg ?
Logo. Não vai dar um mês. Chega um nível em que a aritmética prevalece. Não recomendo a nenhum cliente que faça hedge. Pelo contrário, se você quer ganhar dinheiro com dólar é vendido, e não comprado.

DINHEIRO ? E cai para quanto?
Rosenberg ?
Acho difícil cair a menos de R$ 2,15. O mercado vai procurar o ponto de acomodação. Isso vai ocorrer graças a essa postura serena do Banco Central, que não apertou o botão de pânico nenhuma vez. Ele se reserva o direito de intervir, mas o papel de fixação da taxa de câmbio é do mercado. O dele é o de olhar taxa de juros e relacioná-la com o desempenho da inflação. Nunca tivemos tanta transparência, tanta coerência, tanta credibilidade.

DINHEIRO ? O sr. acha que o BC está conduzindo o mercado corretamente?
Rosenberg ?
O tempo todo. Desde que se trocou o Gustavo (Franco, ex-presidente do BC) pelo Armínio (Fraga) nós adquirimos uma coerência extremamente importante. Mas, claro, o desempenho fiscal é o lastro maior da nossa política econômica. É surpreendente, robusto. Demonstra coerência tanto no lado do crescimento da receita quanto do bom uso no lado do gasto. Nós estamos vivendo um momento de pico na qualidade da política econômica brasileira nos últimos quarenta anos.

DINHEIRO ? Há críticos que dizem que o ponto de equilíbrio do dólar só é mais alto hoje porque o BC demorou a agir quando a crise começou. O sr. concorda?
Rosenberg ?
Não. Acho que um banco central bem plantado é um patrimônio para o país muito maior do que o tamanho desses movimentos especulativos. O BC demonstrar que tem uma só palavra, que adere a sua linha teórica e não entra em pânico é muito melhor do que eventuais ganhos do casuísmo.

DINHEIRO ? Então o sr. não acha que é papel do BC agir para conter movimentos especulativos?
Rosenberg ?
Para conter movimentos especulativos sim, mas isto que está ocorrendo agora tem uma força que não é brincadeira. Movimento especulativo não é movimento de delinqüentes. É quando o mercado simplesmente se afasta dos fundamentos da economia por causa de uma incerteza maior na cabeça dos agentes econômicos. É preciso que os agentes façam a digestão dessa incerteza. Quando está generalizada, é como a maré. Quando ela vem, você recua e deixa ela voltar. Não adianta lutar contra. A gente precisa tomar o cuidado, quando analisa o BC, para não dar uma de técnico de futebol de segunda-feira de manhã. Depois dos jogos é fácil saber quem deveria ter sido substituído, quem deveria ter entrado no jogo.

DINHEIRO ? E o que o sr. chama de movimento de delinqüentes?
Rosenberg ?
Quando há especulação contra a moeda. De repente a palavra do governo é colocada em cheque por algumas grandes instituições financeiras, que acham que podem forçar mudanças. O patrão do Armínio (referindo-se ao financista George Soros, ex-patrão de Fraga em Nova York) era muito hábil em fazer esse tipo de coisa.

DINHEIRO ? Era o melhor nisso, não?
ROSENBERG ?
Era. Mas quebrou.

DINHEIRO ? Como o apagão influencia o câmbio?
Rosenberg ?
Em primeiro lugar influencia saber que você tem um governo que consegue ser surpreendido por uma crise dessa gravidade. Foi a manifestação mais grave de incúria governamental. Isso é realmente muito sério. Em segundo lugar, você vê que não há uma atuação meditada para enfrentar essa crise. Essas idas e vindas, mesmo assim com incoerências remanescentes. Isso é falta de meditação, é o afogadilho.

DINHEIRO ? A crise em si não tem impacto?
Rosenberg ?
Se você observar o nível dos reservatórios, vai ver que o quadro é muito mais crítico do que se fala. Não existe a menor possibilidade de um corte de 20% até novembro resolver. Prepare-se para dois ou três anos de racionamento. Você tem que lembrar que nós crescemos muito bonito no primeiro quadrimestre, o que significa que o corte efetivo com base em abril é muito maior do que 20%. Deve ser algo de 30% a 35%. É uma paulada que a sociedade ainda não entendeu. Fala-se muito de chuveiro e ar-condicionado. Isso é a face desconfortável do racionamento, mas certamente não a mais dolorosa.

DINHEIRO ? Que é…?
Rosenberg ?
A queda de produção, de renda, de emprego e a ruptura empresarial. Quando o problema aflorou, os números de queda de PIB de que se falava eram 0,3% ou 0,4%. Saímos com uma estimativa de 2% a 2,5% e teve economista fazendo ironia. ?Ah, como é que se faz essa conta?? Ora, senta o traseiro na cadeira e faz conta que você vai ver que é isso aí. O maior perigo é a gente brincar de avestruz. É começar a dar jeitinhos, aliviar restrições. É muito destrutivo para a economia um processo desses. E como sempre o tucanato tem uma postura de ?vamos não acreditar na crise para ver se ela passa?. Foi o que nos levou a ela. Eles não são burros, sabem olhar reservatórios tanto quanto qualquer outro. A questão é a postura diante de decisões amargas. A opção preferida deles é sempre procrastinar.

DINHEIRO ? Como vai reagir a balança comercial?
Rosenberg ?
Nos primeiros três a quatro meses vai haver uma excitação de importações de bens intensivos em energia, mas a médio prazo as alternativas de substituição se multiplicam e o impacto na balança deve ser favorável. Vamos ter mais excedente exportável. Por exemplo, o parque siderúrgico, que tem auto-suprimento, tem condições de produzir mais aço do que as indústrias nacionais vão comprar. Então exporta-se mais. Passado o primeiro impacto, de três a quatro meses, a balança vai se favorecer.

DINHEIRO ? Os bancos vão se ressentir da desaceleração.
Rosenberg ?
É terrível para o sistema bancário quando está em uma onda de ampliação de crédito, como agora, ter que revertê-la. Isso é tão difícil quanto fazer cavalo de pau com petroleiro. Você vira o timão em Santos e ele vai fazer a curva em Buenos Aires. Há uma mistura com a crise energética. Setores que pareciam promissores de repente são capados. Os critérios de concessão de créditos colapsam. O bom pagador fica inadimplente porque de repente tiraram o chão debaixo dele.

DINHEIRO ? A crise continua no ano que vem?
Rosenberg ?
Digamos assim: se houver uma repetição do dilúvio, não há porque fazer racionamento em 2002. Talvez até dê para eleger o José Serra. Mas se chover bem, e apenas bem, vai ser o pior ano de mandato do Fernando Henrique. O crescimento do PIB deve ficar perto de zero.

DINHEIRO ? A troca de títulos no mercado externo deu fôlego à Argentina. O sr. acha que isso vai dar resultado efetivo?
Rosenberg ?
Acho que a primeira coisa a ser dita é: desvalorização cambial na Argentina não existe. Não é teimosia. Não é como no tempo do Gustavo Franco. O que sobra para eles é atrair capitais estrangeiros. Quando se faz a troca de títulos, o país caminha nessa direção. O pacote do Cavallo estancou a sangria do déficit público. Ele está fazendo o jogo que qualquer economista brasileiro faria se estivesse no lugar dele, usando até o lado histriônico. Por que ele briga tanto com o Brasil? Não é porque é boquirroto. Ele até é, mas ele briga para criar factóides e dar um descanso para as costas. Nos resta torcer, aplaudir e não achar que é uma farsa. Quando você está na beira do precipício, cada dia que você continua vivo é uma glória.

DINHEIRO ? A economia americana vai ajudar?
Rosenberg ?
O consenso momentâneo é de que o pior já passou nos Estados Unidos. Se for isso, terá sido um dos ajustamentos mais fortes e menos dolorosos da história. Mas pode haver uma crise financeira em germinação, que fará com que o PIB continue caindo e chegue a taxas negativas no ano que vem…

DINHEIRO ? De onde vem essa crise?
Rosenberg ?
Das famílias e empresas que se endividaram no sistema financeiro para investir em ações. A crise vem com as perdas nas bolsas. O número de falências de empresas de tecnologia é impressionante. Pode ter certeza de que é isso que o FED olha nas decisões deles. É para não quebrar banco americano. Está pouco se lixando se nós e a Argentina vamos para o saco ou não.

DINHEIRO ? De fato, os bancos americanos já mostraram resultados ruins no começo do ano.
Rosenberg ?
E é só o começo.