A Vale foi a empresa que apresentou mais pedidos de licença para a exploração mineral na Reserva Nacional do Cobre (Renca). O Ministério de Minas e Energia estabeleceu, na publicação do decreto presidencial que extinguiu a reserva, que apenas pedidos de exploração e pesquisa anteriores a 1984, ano de criação da Renca, seriam analisados. A mineradora detém a maioria dos pedidos antigos.

Publicada em abril, a Portaria 128, do ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Bezerra Filho, indeferia os pedidos pós-criação da reserva, em um total de 551 – e nessa lista de rejeitadas estão subsidiárias da Vale e de grandes empresas do setor, como a Anglo American. Dos 154 pedidos de exploração e pesquisa antigos e passíveis de análise, pelo menos 104 eram de empresas da Vale.

Os dados são do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) e do cadastro de empresas jurídicas do Ministério da Fazenda. Uma parte das empresas dessa lista já teve baixas e seus pedidos e direitos foram incorporados por outras.

Para ter acesso à Renca, a Vale operou por meio de um emaranhado de empresas. Uma delas é a Mineração Guanhães, com 19 pedidos de licença. Neste ano, a Guanhães ainda obteve do DNPM direitos de mineração das empresas Itapi, Bacajá, Iriri, Araguaia, Capoeirana e Tapajós, antigos registros da companhia que têm pedidos de exploração da reserva. Dados do Ministério da Fazenda mostram que a Guanhães está ativa e funciona no terceiro andar de um prédio na Avenida Graça Aranha, no centro do Rio, espaço ocupado pela Fundação Vale do Rio Doce de Seguridade Social (Valia). A Guanhães tem entre seus sócios a própria Vale S.A. e a Docepar, outra subsidiária da mineradora. Procurada, a Vale negou ser proprietária.

Bastidores

A proposta de extinção da Renca foi costurada por Vicente Lôbo, secretário de Mineração, Geologia e Transformação Mineral, da pasta de Minas e Energia. Ele fez carreira na Vale. Outro ex-executivo da Vale em cargo influente no ministério é Eduardo Ledsham, presidente do Serviço Geológico do Brasil.

Os dois executivos foram nomeados para os cargos pelo atual ministro de Minas e Energia, Fernando Bezerra Coelho Filho, com chancela do Palácio do Planalto. O ministro é filho do senador Fernando Bezerra Coelho (PMDB-PE), que se aproximou da Vale quando integrou, em novembro de 2015, comissão no Senado para investigar o rompimento da barreira de rejeitos de Mariana, em Minas Gerais.

O ministro Eliseu Padilha, da Casa Civil, acompanhou de perto a elaboração da proposta de extinção da Renca. A princípio, se cogitou fazer a abertura da reserva por meio de um projeto da bancada da mineração no Congresso. Depois, se avaliou que um decreto presidencial seria a opção mais rápida.

O ministro de Meio Ambiente, José Sarney Filho, não apresentou resistência à proposta. O único setor que demonstrou posição contrária foi o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), pasta comandada por militares. O GSI também se posiciona contrário ao projeto do Senado 398, que libera a exploração mineral em áreas de fronteira, uma antiga demanda da Vale. O senador Fernando Bezerra Coelho é o relator atual.

Na Casa, Bezerra Coelho contou com o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) na articulação política para extinguir a Renca. Foi a partir daí que a Casa Civil chancelou a proposta e abriu caminho para o polêmico decreto do presidente Michel Temer de extinção da Renca. Três representantes atuantes da bancada da mineração na Câmara e no Senado disseram ao Estado que o decreto da Renca foi uma negociação exclusiva do grupo de Bezerra Coelho.

‘É mentira’

Os senadores Fernando Bezerra Coelho e Davi Alcolumbre negam participação no lobby para extinguir a reserva. “O senador Fernando Bezerra Coelho afirma, com veemência e indignação, que isto é uma mentira, um absurdo, um crime”, afirmou a assessoria de Coelho. Antes do governo Temer recuar, Alcolumbre disse à reportagem que o motivo da conversa com o colega foi para discutir a saída de parlamentares do PSB para o DEM. E defendeu o decreto. “A gente já dá para o mundo a nossa contribuição, preservando 74% da floresta”, disse o senador, referindo-se à vegetação preservada no Amapá. “É preciso compatibilizar.”

A Vale, por meio de sua assessoria, disse que não comenta informações sobre o processo de articulação política de extinção do decreto da Renca. A empresa ressaltou que até 1984 era estatal e não comentou pedidos posteriores para mineração.

A Casa Civil afirmou que o decreto era de “competência do Ministério de Minas e Energia”, que não se pronunciou. O mesmo ocorreu com o ministro José Sarney Filho (Ambiente). As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.