14/07/2001 - 7:00
DINHEIRO ? A guerra entre os sócios da Brasil Telecom põe em risco o modelo de competição na telefonia desenhado pela Agência Nacional de Telecomunicações?
CARMELO FURCI ? O conflito é ruim não só para a empresa como também para o País. Quando uma operadora como a Brasil Telecom decide não antecipar as metas de universalização, ela fica restrita à sua área de concessão e aos serviços de voz. O que mais me preocupa é a decisão deliberada de não permitir que essa mesma companhia opere em alguns dos principais mercados do País, como São Paulo e Rio de Janeiro, quando 40% dos clientes corporativos da Brasil Telecom têm interesse nessas áreas. Como a Telefônica e a Telemar estão antecipando as suas metas, essas empresas irão invadir a área da Brasil Telecom, mas o inverso não poderá ocorrer. Qual é o risco? Os concorrentes podem chegar para os nossos clientes de Brasília, Porto Alegre ou Curitiba e perguntar: por que vocês são atendidos aqui pela Brasil Telecom e em São Paulo e no Rio por outras empresas? Não é melhor que uma só operadora preste todo o serviço? Além disso, a empresa poderá ficar fora de negócios mais lucrativos, como é a transmissão de dados.
DINHEIRO ? Se é assim, por que a direção da Brasil Telecom tomaria
uma decisão contrária aos
interesses da empresa?
FURCI ? Não há argumentos técnicos. No orçamento da empresa, estão previstos investimentos de R$ 3 bilhões. Com mais 10% disso, a empresa anteciparia as metas. Esse gasto seria facilmente compensado
com a receita que a empresa teria fora de sua área de concessão. Além disso,
não se trata de cumprir ou não as metas.
Se esses investimentos não forem feitos agora, terão de ser feitos de qualquer
forma nos próximos anos. Só que a
empresa terá perdido a chance de
concorrer nacionalmente.
DINHEIRO ? Pelas regras da Anatel, a Telecom Italia também poderia, em tese, perder o direito de iniciar a exploração do serviço móvel pessoal, o celular de terceira geração, em 2002. Como vocês pretendem reagir?
FURCI ? Só neste ano, a Telecom Italia Mobile decidiu investir R$ 1,3 bilhão para adquirir as concessões para prestar esse serviço. Foi a única empresa que adquiriu uma licença que lhe dá alcance em todo o território nacional. Depois de tudo isso, não faz sentido não poder cumprir o nosso projeto, que é investir ainda mais no Brasil. Acho que é por isso que a Agência Nacional de Telecomunicações já deu sinais de que pode permitir a exploração do serviço, mesmo sem a antecipação das metas. Uma solução diferente seria ruim para todo o mercado. A Telemar, por exemplo, adquiriu as concessões do novo serviço de telefonia celular na sua área de atuação. Se não houver uma outra empresa atuando em todo o País, como é o
caso da TIM, o aparelho da Telemar não falará, por exemplo, em Brasília ou em São Paulo, por falta de interconexão. Mas,
como eu disse antes, quem mais perde com essa decisão
de não antecipar as metas é a própria Brasil Telecom. Há uma destruição de valor na empresa.
DINHEIRO ? O Opportunity levanta a tese de que a Telecom Italia teria impedido a Brasil Telecom de entrar nos leilões dessa nova geração de celulares…
FURCI ? Não é verdade. Há votos do conselho da empresa, unânimes, a favor da participação da Brasil Telecom nas licitações. Foi criado até um comitê na empresa para que fossem definidos os valores dos lances. Mas só no dia do leilão soubemos que a companhia não participaria mais. Além disso, fomos surpreendidos pela decisão do Opportunity de criar uma empresa própria, a Serranby, para disputar o leilão. Nela, a Brasil Telecom seria minoritária, mas teria a responsabilidade pelo pagamento da licença.
DINHEIRO ? Quando começaram os conflitos?
FURCI ? Pouco depois da privatização. Em maio de 1999, descobrimos uma operação, que seria feita sem o conhecimento do conselho e que começou a minar a confiança entre os sócios. Eles pretendiam contrair um empréstimo para pagar a participação deles no leilão de privatização, oferecendo em garantia bens comuns, que eram as ações da Brasil Telecom. Depois disso, as coisas só pioraram. Neste ano, o programa de investimentos da empresa só foi informado aos demais acionistas em junho deste ano, o que não é nada usual. A empresa funcionou quase seis meses sem um orçamento apresentado, aprovado e discutido por seu conselho de administração.
DINHEIRO ? O banco alega que os problemas surgiram depois, em 2000, na operação de compra das ações da Companhia Riograndense de Telecomunicações, que pertenciam à Telefônica. Há insinuações de que a Telecom Italia teria aceito pagar US$ 850 milhões quando o preço justo, segundo o Opportunity, seria de US$ 730 milhões…
FURCI ? Não é essa a história verdadeira. Temos vários documentos que mostram que os fatos são bem diferentes. A intenção inicial do Opportunity era fazer com que a Portugal Telecom, que é ligada à Telefônica, adquirisse a CRT e depois cedesse essa participação à Brasil Telecom. Assim, na nossa companhia, haveria dois operadores: a Telecom Italia e a Portugal Telecom. Quanto ao preço, a própria Carla Cicco, presidente da Brasil Telecom por indicação do Opportunity, dizia que dificilmente a Telefônica venderia sua participação na CRT por menos de US$ 1,1 bilhão. Eles é que estavam dispostos a pagar mais.
DINHEIRO ? Se a Telecom Italia foi o maior investidor na privatização, por que aceitou uma estrutura societária da Brasil Telecom que não lhe dá poderes suficientes?
FURCI ? É uma pergunta que deve ser feita às pessoas que construíram essa situação. Na Telecom Italia, o responsável era a Carla Cicco, hoje uma pessoa que está ligada ao Opportunity. Mas, de qualquer forma, nós entramos na privatização como um operador industrial e o acordo de acionistas nos dá direito a três diretorias importantes: a de operações, a de redes e a de marketing. O problema é que, de forma arbitrária, nosso diretor de operações, o Roberto Medeiros, foi afastado pela direção da Brasil Telecom. Na diretoria de redes, o funcionário que era ligado à Telecom Italia, Sérgio Leo, foi para o outro lado. A última diretoria, a de marketing, continua conosco mas foi esvaziada pela atual gestão. O que se tem hoje na Brasil Telecom é uma administração que atua em favor apenas dos interesses de um dos acionistas, o Opportunity, que é justamente o que, diretamente, menos dinheiro colocou na privatização: 0,6% do total. Os demais investidores são os maiores prejudicados, pois, entre todas as ações de operadoras de telefonia, a da Brasil Telecom é aquela negociada com o maior desconto.
DINHEIRO ? Os fundos de pensão, que são os outros grandes investidores na Brasil Telecom, estão satisfeitos com
a gestão da empresa?
FURCI ? Não, mas eles entraram na Brasil Telecom por meio de fundos do Opportunity e só podem escolher um novo gestor com 90% da adesão dos cotistas. Só que um dos fundos, responsável pelos planos de previdência dos funcionários das empresas de telefonia, é administrado pela mesma pessoa que o Opportunity indicou para ser diretor financeiro da Brasil Telecom, o Paulo Pedrão Rio Branco. Nesse caso, não há independência. Sem esse fundo da telefonia, os demais fundos de pensão nunca chegam aos 90% necessários para nomear um outro gestor para os seus
investimentos na Brasil Telecom.
DINHEIRO ? Na sua avaliação, o governo deveria ser chamado a resolver esse problema?
FURCI ? Sempre que nós julgamos que uma decisão da Brasil Telecom é prejudicial ao mercado ou ao modelo de concorrência da Anatel, os fatos são levados às autoridades, como o ministro Pimenta da Veiga e o diretor da Anatel, Renato Guerreiro. Eles sabem que o conflito não é bom.
DINHEIRO ? Com tantos problemas, a Telecom Italia já
pensou em vender suas participações e, eventualmente, deixar o Brasil?
FURCI ? Por que sair do Brasil? Somos hoje o segundo maior investidor em telecomunicações na América Latina, só atrás da Telefônica. Estamos na Argentina, no Chile, na Bolívia, mas o Brasil é, definitivamente, um mercado prioritário. Nós não somos de desistir na primeira dificuldade que encontramos. Nessa briga da Brasil Telecom, vamos até o fim e poderemos ser compradores, jamais vendedores. Temos um projeto industrial e tecnológico para desenvolver a empresa, que, a nosso ver, é bom para o mercado de telecomunicações e para o País.
DINHEIRO ? Há algum diálogo com Daniel Dantas, o
controlador do Opportunity?
FURCI ? Não. Todo o nosso diálogo se dá por meio do conselho da Brasil Telecom. Como não é possível negociar, o conflito será resolvido pela Justiça e nós estamos confiantes.
DINHEIRO ? Surgiram rumores no mercado de que a
Telecom Italia estaria também interessada em adquirir a Embratel. É verdade?
FURCI ? É algo que não tem o menor fundamento.
DINHEIRO ? Na Itália, a sua empresa enfrenta acusações de agir contra os interesses dos acionistas minoritários e de favorecer os controladores. Há até processos contra o presidente da empresa, Roberto Colaninno. Isso não
fragiliza a sua posição?
FURCI ? Não, pois a Telecom Italia tem grande respeito pelos acionistas minoritários e isso está devidamente comprovado. Tanto é que temos em nosso board um dos maiores experts em governança corporativa, o professor Guido Ferrani. Além disso, a Telecom Italia foi uma das primeiras empresas européias a estabelecer regras claras de governança corporativa. Todas as acusações feitas são infundadas e estão sendo respondidas no foro adequado.