Vídeos e mensagens postados em redes sociais estão desestimulando os estrangeiros a virem para o Brasil durante a Copa do Mundo. Neles, seus autores querem punir o governo por ter sido tão leniente com a saúde e com a educação, por ter sido tão insensível com os mais indefesos e até com os nativos desta terra, os índios, tão desprezados e humilhados aqui dentro. É verdade, tudo isso envergonha os brasileiros. Existe um mundo paralelo de incontáveis abusos dentro do Brasil. Na semana passada, por exemplo, a Justiça concedeu ao assassino da freira americana Dorothy Stang prisão domiciliar, depois de cumprir apenas oito dos 30 anos de pena. 

 

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Também na semana passada ficaram conhecidas as viagens de jatinho da Força Aérea Brasileira para compromissos sociais dos presidentes da Câmara, Henrique Alves, e do Senado, Renan Calheiros. Isso é pavoroso e torna totalmente compreensível o protesto impresso nesses alertas distribuídos nas redes sociais. Mas não concordo com esse exercício de punição, desestimulando um visitante a vir ao País. Não por benevolência com o poder público, mas porque tal esforço vai punir o País e seu povo, que também precisa colocar as barbas de molho e refletir profundamente sobre o momento atual. É preciso ponderar por que essa distorção de valores impera por aqui. 

 

Os governos fazem o que querem porque, de alguma forma, a sociedade sempre ignorou a totalidade dos fatos. Agora, a internet está ajudando a ver o todo. De certo, as pessoas sempre acreditaram que as mudanças viriam somente pelo voto. E eis a frustração atual, pois nenhum governo, desde o início do regime democrático em 1985, foi capaz de eliminar chagas históricas. Estamos todos de acordo. Masfalar mal do Brasil lá fora não vai fazer as filas nos hospitais desaparecerem ou reduzir a violência policial. Não é a desistência dos estrangeiros visitar o País que vai resolver nossos problemas. 

 

São as instituições brasileiras que precisam ser cobradas, denunciadas e expostas, para que haja cada vez mais consciência coletiva sobre os caminhos democráticos de mudança. Sobre a Copa do Mundo de 2014, especificamente, é preciso lembrar que não são os governos que nos fazem ser um povo apaixonado pelo “ópio futebol clube”. O brasileiro ama o futebol e ponto. Sediar esse campeonato aqui parecia totalmente legítimo em 2007, mas as coisas não saíram conforme o esperado. Os projetos de mobilidade urbana não estão prontos e o custo dos estádios superou a média mundial – entre 10% e 16%, segundo estudo dos economistas Marcos Mendes e Alexandre Guimarães, produzido para o insuspeito Instituto Fernando Braudel. 

 

Deveria ter sido zero, para dar o exemplo. Mas não foi. Uma guerra de informações desencontradas chegou a falar em custo até 300% superior, o que aumentou a ira nacional. Um chute e tanto, diga-se, para ficarmos no linguajar típico do chamado esporte bretão. Exageros à parte, no final das contas, esses embates com o padrão Fifa foram didáticos. Eles estão ensinando o País a refletir sobre suas escolhas. É uma grande chance de a sociedade adquirir o hábito de cobrar mais do poder público em todas as suas instâncias. Não é de hoje, por exemplo, que existe uma legislação obrigando as prefeituras a abrirem suas contas – é preciso cobrá-las. 

 

Assim como é preciso cobrar os governos estaduais, as instituições federais, o Congresso e o Judiciário. Curiosamente, o momento vivido pelo País é de tanta intensidade, que até o ímpeto futebolístico está mais contido. O número reduzido de fogos de artifício que se ouviu nas comemorações da vitória da seleção nacional na final da Copa das Confederações é sintomático. Vale lembrar, ainda, que todos os países, até mesmo os mais desenvolvidos, têm seus esqueletos no armário, suas chagas sociais tremendas. Mas problemas domésticos se resolvem em casa.