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“Lula foi criticado por visitar os árabes, mas as exportações dispararam”

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“O que se chama de terrorismo no Iraque é resistência à ocupação”

 

 

DINHEIRO ? O Brasil irá sediar, em maio, um encontro de cúpula entre países da América Latina e do mundo árabe. De que forma isso pode alavancar a relação econômica entre os dois blocos?
AMRE MUSSA ? Eu estou convicto de que o encontro de cúpula será um passo fundamental para estreitar as relações econômicas entre as duas regiões. No ano passado, o comércio entre o Brasil e os países árabes alcançou US$ 4 bilhões. Tenho convicção de que é possível dobrar esse volume e chegar a US$ 8 bilhões em menos de cinco anos. Estou sendo até conservador, porque empresários me garantem que é possível alcançar essa meta num prazo ainda mais curto.

DINHEIRO ? O foco central do encontro será o aumento do fluxo de comércio entre as regiões?
MUSSA ? Sim, mas não apenas isso. As relações culturais, sociais e políticas entre as duas regiões são muito antigas e o encontro servirá para aprofundá-las ainda mais. A questão é que o mundo mudou muito nos últimos anos e exigiu um novo modelo de política externa por parte dos líderes globais.

DINHEIRO ? Fala-se hoje numa tendência de aproximação Sul-Sul, em detrimento das tradicionais relações entre países ricos e países em desenvolvimento.
MUSSA ? O líder político que percebeu esse fenômeno com clareza e tomou a liderança do processo foi o presidente Lula. No início do seu mandato, ele visitou vários países árabes. Em pouco tempo, as exportações de produtos brasileiros para lá cresceram 50%. É um caso típico de uma política comercial bem-sucedida. Nossa idéia agora é discutir como criar marcos comuns e ativar ainda mais a relação econômica. Algumas semanas atrás, preparamos um rascunho da declaração do encontro que aponta nessa direção.

DINHEIRO ? Isso significa que os países árabes e sul-americanos podem vir a adotar um discurso comum em entidades como a Organização Mundial do Comércio e também em outros fóruns?
MUSSA ? Claro, isso é plenamente possível na OMC, assim como nos outros organismos multilaterais. Até porque os interesses econômicos das duas regiões, em grande medida, não são conflitantes. Ao contrário. São complementares. Com o encontro, queremos definir padrões comuns de ação no comércio de bens e mercadorias, mas também em outras áreas, como serviços, investimentos e turismo, por exemplo.

DINHEIRO ? A diplomacia brasileira tem enfrentado críticas por essa opção Sul-Sul, como se isso excluísse acordos com as regiões mais desenvolvidas, como Estados Unidos e Europa.
MUSSA ? A crítica que se faz é injusta, equivocada, superficial e também não é sincera. Todos os que criticam sabem que, ao se aproximar dos países árabes, o Brasil não está excluindo negociações com as nações industrializadas. O comércio global não funciona de forma exclusiva, como se uma abordagem inviabilizasse a outra. O que me parece é que o Brasil, de forma competente, está tentando se aproximar das várias regiões do mundo. Uma aproximação com os países árabes visa somar e não subtrair algo de outro mercado ou simplesmente substituí-lo.

DINHEIRO ? Em que áreas a economia brasileira pode despertar o interesse de investidores árabes?
MUSSA ? São várias. O Brasil é um país que oferece grandes oportunidades para investimentos no agronegócio, na infra-estrutura e também no turismo. O passo fundamental para iniciar esse movimento é fazer com que empresários dos dois lados se conheçam. No encontro de cúpula, além dos chefes de Estado, virão dezenas de empresários dos países árabes, dispostos a conhecer boas oportunidades de negócio.

DINHEIRO ? Haveria interesse das gigantes petrolíferas do mundo árabe por áreas de exploração no Brasil?
MUSSA ? Sim, mas esse é o lado mais óbvio e mais fácil da relação econômica entre os dois blocos. Com a cúpula, queremos ir muito além do petróleo. Temos interesse em commodities agrícolas, em produtos industriais e em muitos outros setores.

DINHEIRO ? E no sentido inverso? Em que áreas as empresas brasileiras podem ganhar dinheiro nos países árabes?
MUSSA ? Diversas. O Brasil, por exemplo, tem muita tradição na área de construção pesada, na medicina de ponta, na mineração e em muitas outras áreas. O primeiro passo é fazer com que os dois lados se conheçam em profundidade. E ainda há uma necessidade de que o comércio entre as regiões seja equilibrado.

DINHEIRO ? Como assim?
MUSSA ? É simples. Nós não podemos vender para os países sul-americanos se não estivermos dispostos a comprar suas mercadorias. O ideal é que o fluxo de comércio ocorra de forma semelhante nas duas direções.

DINHEIRO ? Hoje, o barril do petróleo se aproxima dos US$ 60 e muitos analistas prevêem um novo choque dos combustíveis. Esse cenário é plausível?
MUSSA ? No mercado de petróleo, os preços são determinados pelas condições de oferta e procura. Há momentos de baixa e outros de alta. O fato é que, atualmente, há uma economia mundial superaquecida, puxada por países como Índia e China, e isso se reflete naturalmente nas cotações.

DINHEIRO ? Os preços não seriam fruto de uma ação coordenada e cartelizada dos países da Opep?
MUSSA ? O preço é fruto de uma economia aquecida e não da ação de um cartel.

DINHEIRO ? Bancos estrangeiros, como a Goldman Sachs, já traçam cenários apontando para um barril cotado a US$ 105. Isso é possível?
MUSSA ? Nos dias de hoje, tudo é plausível. Impossível prever, até porque a situação internacional se tornou extremamente fluida. São tantos riscos e tantos fatores de incerteza que qualquer previsão pode se provar verdadeira.

DINHEIRO ? Hoje, uma nova tendência que se aponta no mundo árabe é a expansão da democracia. De que maneira isso irá favorecer o comércio?
MUSSA ? De fato, em vários países estão acontecendo movimentos em direção à democracia. Todos os povos árabes anseiam por viver em sociedades abertas. Além disso, democracia e desenvolvimento caminham lado a lado. E isso é resultado da globalização, que impõe o livre fluxo de capitais, o livre fluxo de pessoas e também o livre fluxo de idéias.

DINHEIRO ? A presença militar norte-americana no Oriente Médio foi um fator positivo nessa direção?
MUSSA ? Os progressos democráticos são o resultado natural das mudanças do mundo após o fim da Guerra Fria. Com a desintegração da União Soviética e o fim de um sistema bipolar de poder, todos nós, do mundo árabe, passamos a lutar por avanços rumo a sociedades abertas, sem que nenhuma pressão externa fosse necessária. A pressão externa, ao contrário, pode até contaminar esse sentimento pró-democracia.

DINHEIRO ? Qual a sua avaliação sobre a situação atual no Iraque?
MUSSA ? Nós, da Liga Árabe, esperamos que o Iraque caminhe rapidamente para uma situação de maior estabilidade política e econômica, porque é um dos países mais importantes do mundo árabe, em termos econômicos e culturais. E não é isso o que estamos enxergando hoje com a presença americana.

DINHEIRO ? O que é necessário para gerar mais estabilidade?
MUSSA ? A questão fundamental envolve Israel e Palestina. Enquanto não se criar um Estado palestino independente não haverá qualquer paz duradoura no Oriente Médio. E isso é ruim para a economia global.

DINHEIRO ? O sr. acredita no chamado ?Mapa do Caminho?, o plano do governo americano para a criação do Estado palestino?
MUSSA ? Não se trata de acreditar ou não, mas sim de enxergar avanços concretos nessa direção. Só há um caminho para encerrar os conflitos: criar um Estado palestino, tornar Jerusalém a capital dos judeus e dos palestinos e fazer com que Israel suspenda a construção de novos assentamentos em territórios palestinos. Isso é bom para as duas sociedades e tudo, na região, depende disso. Especialmente a imagem dos Estados Unidos.

DINHEIRO ? O sr. acredita que o governo do presidente George W. Bush esteja disposto a colocar mais pressão sobre Israel?
MUSSA ? Não estamos vendo sinais nessa direção. Os Estados Unidos serão admirados no mundo árabe quando e se transmitirem a idéia de que têm uma postura justa em relação ao problema palestino. Uma posição enviesada e negativa em relação aos árabes jamais será aceita.

DINHEIRO ? No passado, o Brasil foi um dos parceiros comerciais do Iraque. Com a reconstrução, algumas empresas tentaram voltar, mas já houve o seqüestro de um engenheiro. Quando o país estará livre do terrorismo?
MUSSA ? É verdade que existem focos de terrorismo no Iraque. Mas parte do que vem sendo chamado de terrorismo é uma resistência natural e genuína à ocupação do país por tropas estrangeiras.

DINHEIRO ? A aposta americana na tese de que a democracia irá solapar o terrorismo é ingênua?
MUSSA ? Claro, porque a única solução é o Estado palestino. Muitos árabes ainda não conseguiram entender qual é a relação entre ser democrático e aceitar que Israel continue construindo assentamentos em territórios palestinos. Será que nós somos estúpidos? Nós, evidentemente, necessitamos de uma relação econômica sadia e sólida com os Estados Unidos, que são a nação mais rica do mundo e que merece admiração. Mas tudo depende de uma postura honesta numa questão tão importante quanto a Palestina.