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“Duhalde mostra disposição para negociar. Ele precisa de fatos positivos”

 

 

 

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O ministro Amaral tem se empenhado, mas nos falta cultura de exportação

 

 

 

DINHEIRO ? A crise da Argentina torna o Brasil mais competitivo no setor automobilístico?
RICARDO CARVALHO ? Ao contrário. A instabilidade lá é ruim para o Brasil, pois prejudica violentamente aquela que é a maior reivindicação do nosso setor, o estabelecimento de acordos internacionais de comércio. Temos um vínculo com a Argentina devido ao Mercosul e, pelas próprias disposições do tratado, os acordos internacionais devem ser negociados através do bloco. Com a tragédia argentina, as negociações estão completamente paradas.

DINHEIRO ? Quanto se perde com essa estagnação?
CARVALHO ? Se os acordos com México, Venezuela, Chile, África do Sul e União Européia fossem concretizados, até 2005 teríamos mais US$ 14 bilhões entrando na economia e agregaríamos à nossa produção mais 1,4 milhão de unidades. Mas cada vez que um novo governo assume a Argentina, há novo negociador e é necessário que eles se inteirem da situação do acordo, de seus fundamentos. Isso provoca um tremendo atraso. Nessa época de turbulência, não sabíamos sequer a quem procurar na Argentina para conversar sobre o acordo. Com o governo Duhalde, a situação parece se modificar. Ele parece disposto a retomar o Mercosul e as negociações. Acho que ele viu uma possibilidade de gerar fatos positivos no país e aquecer a economia. Houve um encontro entre representantes dos governos. Um outro já está marcado e talvez façam um convite para que o México participe.

 

 

DINHEIRO ? Então o descolamento
do Brasil em relação à Argentina não
foi integral?
CARVALHO ? Não foi total. É preciso entender que vários países e blocos, como a União Européia, só têm mandato para negociar com blocos. Então, só podem negociar com o Mercosul, não com países individuais. Além disso, a instabilidade social deste momento gerou uma suspensão da produção na Argentina. A queda do poder aquisitivo interrompeu o consumo e o comércio com a Argentina está quase paralisado. Várias montadoras têm pendências de fornecimento de componentes. O fluxo de dinheiro está interrompido e vem sendo liberado em um ritmo muito lento. Há, no entanto, conseqüências positivas na crise argentina. O país saiu da dolarização. A proposta futura é mais realista, pois trará mais competitividade ao país.

DINHEIRO ? Qual a conseqüência na demora dos acordos?
CARVALHO ? Podemos perder um terreno irrecuperável. Quanto mais demoramos para fechar esse acordo, o México desloca suas compras para outras regiões. O Brasil deveria acelerar o acordo automotivo. O que está pronto fecha e o resto negocia. O ministro Sérgio Amaral, do Desenvolvimento, está consciente disso e, durante uma reunião, ele nos disse que tinha uma previsão de fechar acordo com o México em março. Para nós seria uma alavanca, pois o México é o país que mais compra de nós. Hoje estamos prejudicados com imposto de importação de 23%, e com o acordo teríamos 8%. Poderemos exportar, de hoje até 2005, mais 800 mil veículos para lá. E a alíquota pode ser reduzida até a situação de livre comércio. Graças a acordos como esse, o México exporta até 75% de sua produção, o inverso do Brasil que tem 80% de seu volume de vendas no mercado interno. O que não podemos é perder o foco…

DINHEIRO ? Como assim?
CARVALHO ? Devido à demora em fechar o acordo, os mexicanos estão atrelando as negociações a acordos semelhantes com outros setores da economia como químico, eletroeletrônicos, etc. A última informação é que o governo brasileiro acenou com a abertura de negociações com novos segmentos para compensar uma vantagem que o País teria no acordo automotivo. É um atraso.

DINHEIRO ? Vocês concordam com isso?
CARVALHO ? De jeito nenhum, nós esperamos e solicitamos ao ministro Amaral que, independentemente de outros setores, o segmento automobilístico feche esse acordo, pois todas as partes já chegaram a um consenso. Teríamos uma tremenda vantagem para o Brasil. Há segmentos que sequer iniciaram a negociação. Isso levaria um tempão.

DINHEIRO ? Isso está mantido?
CARVALHO ? Eu espero que sim…

DINHEIRO ? Por que esses acordos são a principal reivindicação?
CARVALHO ? Os investimentos no setor superiores a US$ 20 bilhões nos últimos anos deixaram a indústria com competitividade internacional, pronta para exportar. Aliás, esses investimentos aconteceram a partir dessa expectativa.

DINHEIRO ? Por que o Brasil
demora tanto?
CARVALHO ? Há uma questão de cultura, pois até anos atrás éramos um país fechado. A cultura de exportação não tomou conta de nossas empresas e governantes. Comparados a outros países, estamos muito atrás. O México tem mais de 20 acordos internacionais. É um país que estava abaixo do Brasil e hoje está acima. O empenho do Sérgio Amaral existe, mas precisamos sair rapidamente desta estagnação em termos de acordos para uma posição mais dinâmica. Para isso, é preciso empenho, ficar lá fora, sentar em Bruxelas, ter uma presença constante lá, negociar… os produtos estão aí, os contatos com as entidade estão aí, então precisamos acelerar a parte governamental.

DINHEIRO ? E o que falta para o mercado interno deslanchar?
CARVALHO ? É necessário conciliar a queda de juros com a redução da carga tributária que é muito elevada. Hoje temos um veículo para cada nove habitantes. Na Argentina, é um veículo para cada cinco. Veja só: um país com crise se agravando nos últimos anos está melhor do que nós. A iniciativa privada tem feito sua parte, seu esforço, estamos aumentando as exportações. Este ano, as exportações atingirão 4,5 bilhões, 10% acima de 2001. Mas as exportações são castigadas pelas taxas de importação dos outros países. Faltam então os acordos no nível governamental e isso realmente está demorando. Esta é a grande ansiedade nossa.

DINHEIRO ? As fábricas brasileiras estão concentradas em modelos 1.0 só comercializados no Brasil? Não há um descompasso entre o perfil da produção brasileira e a necessidade dos mercados externos?
CARVALHO ? Os veículos 1.0 representam 75% das vendas internas. Não é o modelo ideal para exportação. Mas a indústria está pronta para se adaptar ao mercado externo. É uma situação inversa à do México que exporta 75% da produção.

DINHEIRO ? Por que o carro é tão caro no Brasil?
CARVALHO ? O carro ainda é caro, principalmente devido à carga tributária. É uma questão complexa, que deve ser resolvida olhando a economia como um todo. Somos punidos pela carga tributária e esse é o principal fator de encarecimento do carro. Além disso, as empresas estão carregando a amortização dos investimentos feitos nas fábricas. A questão da tributação precisa ser revista, de forma a diminuir a carga no mercado interno, pois, à medida em que vendermos mais no mercado interno, aumentamos a escala e teremos mais condições de exportar com competitividade. Hoje a carga de impostos diretos significa 33% do preço do veículo para o consumidor. No caso do carro popular, ela cai para 22%. Se incluirmos os impostos indiretos, a carga supera 50% do preço final.

 

 

DINHEIRO ? Por que o governo não aceita mexer na
carga tributária?
CARVALHO ? O governo aceita conversar… Há agora um projeto de lei que simplifica o processo do PIS e do Cofins. Isso ajuda. A redução é pequena, mas a burocracia é diminuída tremendamente. A principal reivindicação é investir nos acordos internacionais, mais do que a questão da tributação, pois a resposta é mais rápida.

DINHEIRO ? As montadoras exageraram nos investimentos feitos
no Brasil?
CARVALHO ? Na época em que esses investimentos foram decididos, o setor vendeu mais de 2 milhões de unidades e o Mercosul era promissor. Com as crises internacionais e as mudanças no câmbio a capacidade ociosa tornou-se enorme e hoje chega a mais de 40%. A perspectiva é que a situação melhore. As montadoras vieram para ficar e nosso parque é o mais moderno do mundo e os veículos são de alta qualidade. À medida em que os juros abaixem e a carga tributária fique menor, teremos bom aproveitamento da capacidade.

DINHEIRO ? Algumas montadoras podem desistir do Brasil?
CARVALHO ? Temos 15 marcas produzindo automóveis no Brasil. O caminho é uma retomada do mercado interno. Mas há uma estratégia mundial das marcas, pois elas já prevêem abastecimento de mercados a partir daqui. O índice de nacionalização de componentes também tem crescido, o que ajuda a reduzir custos e simplificar a logística. Há também potencial grande e a tendência é elas ficarem.

DINHEIRO ? Os juros também não prejudicam?
CARVALHO ? Hoje, de 75% a 80% dos veículos vendidos internamente são financiados. Juros para nós é vital. Os juros são altos. Mas também entendemos a necessidade de controle da inflação e da estabilidade. Os juros estão elevados e oneram demais o consumidor. Ele surpreendeu o mercado e espero que continue surpreendendo. Eu quero ter os juros baixos, mas gosto também da estabilidade e da inflação sob controle.

DINHEIRO ? Isso leva as montadoras a fazer promoções agressivas…
CARVALHO ? Hoje há muitas promoções e o mercado se acostumou a isso. Não sei até quando as montadoras poderão manter as margens tão limitadas. Isso é verdade, mas há competição intensa e limite em vendas, o que gerou a necessidade de promoções, que estão durando mais do que seria desejável. Para as montadoras, isso não será política. Elas têm procurado baixar os custos e isso provoca reação em toda a cadeia, do fornecedor ao distribuidor. O que ocorreu é que em 2001 o mercado quantitativamente cresceu e foi positivo e qualitativamente foi negativo, pois praticamente todas as montadoras perderam dinheiro no Brasil. O mercado consumidor se acostumou às promoções, o que não é bom para o negócio.

DINHEIRO ? E como sair disso?
CARVALHO ? É uma equação que cada empresa terá de resolver, com redução de custos e adequação de suas margens.