DINHEIRO ? Nesses dois anos e meio de governo Lula, a CUT não foi
pouco enfática na condenação de uma política econômica que criticava com veemência no governo de Fernando Henrique Cardoso? Em sua gestão isso mudará?
JOÃO ANTONIO FELICIO
? Quando o presidente Lula foi eleito, criou-se uma expectativa muito forte, e nós tivemos de agir de acordo com essa expectativa, com a esperança depositada no novo governo. O Lula foi obrigado a fazer um choque, pois a situação que ele encontrou era muito difícil. O País não tinha credibilidade, não era respeitado, a inflação voltara com muita força. Mas essa fase passou. Agora, ela exige uma radicalização de nossa parte na crítica à política econômica e aos juros altos, principalmente. Não podemos aceitar uma gestão econômica que mantém uma lógica com a qual não temos qualquer identidade. A situação de hoje já permitiria um afrouxamento na política de juros. Tivemos recentemente mais de um mês com deflação. Não há porque manter as taxas nesses níveis.

DINHEIRO ? Então por que a CUT está demorando para agir se a gestão do governo Lula é semelhante à de FHC?
FELICIO
? Eu nunca faria uma comparação entre eles. O Fernando Henrique criava 20 mil empregos por mês com carteira assinada. O Lula, 120 mil. Mas o Brasil precisa de um crescimento de 5% a 6% durante vários anos.

DINHEIRO ? Essa mudança passaria pelo afastamento de Henrique Meirelles da presidência do Banco Central?
FELICIO
? Por mim, o Lula deveria ter afastado o Meirelles há muito tempo. Eu já o teria demitido.

DINHEIRO ? E o Palocci (Antonio Palocci, Ministro da Fazenda)?
FELICIO
? Eu não entraria nesse processo. Ele faz parte do círculo íntimo de Lula, tem uma história vinculada ao partido e foi responsável por uma gestão boa em Ribeirão Preto. O que ele precisa é se libertar das amarras, da visão ortodoxa da economia. Tirar o Palocci agora seria temerário. É melhor fazer uma mudança paulatina do que uma ruptura brusca.

DINHEIRO ? Até onde essa radicalização pode chegar?
FELICIO
? Nosso objetivo é disputar espaço na opinião do governo e, para isso, podemos até nos aliar com setores empresariais que possuem críticas à política econômica. Mas podemos chegar a um grau de radicalização maior com diversos instrumentos.

DINHEIRO ? Quais?
FELICIO
? Podemos radicalizar as categorias profissionais que querem aumentos salariais. A greve, por exemplo, é um instrumento legítimo. Para ter aumento salarial, é necessário que a economia cresça.

DINHEIRO ? Com a crise política e o enfraquecimento do governo, o
sr. vê possibilidade de mexer na área econômica, a única preservada
no governo?
FELICIO
? Queremos preservá-la, mas com sinais de mudança, porque caso contrário não haverá crescimento duradouro. Não temos objetivo de derrubar ninguém. O governo Lula foi forçado a estabelecer certas alianças por ser um partido minoritário no Congresso.

DINHEIRO ? As alianças poderiam ser outras, e não essas com PTB e PMDB, que negam a própria história do PT?
FELICIO
? As alianças eram necessárias. O erro foi no método, como estabelecer alianças com partidos de comportamento fisiológico. O certo seria fazer alianças pontuais, em cima de projetos específicos. Por isso, quando o Lula tomou posse, a primeira grande reforma defendida pela CUT foi a política e, logo a seguir, a tributária. Esta é importante porque define a arrecadação, o tamanho do estado e quem vai pagar a conta. Hoje quem paga a conta é a classe média. O sistema financeiro não paga nada e é quem mais ganha no País.

DINHEIRO ? O sr., como antigo militante, não se sente traído quando vê essas denúncias no jornal?
FELICIO
? Eu me sinto como a grande maioria da base militante. Não tivemos informações e agora somos surpreendidos com um conjunto de informações que afeta a história do partido ? um partido que surgiu criticando duramente a falta de transparência e ética. Mas a história vai preservar esse partido. O PT vai se recuperar. Precisamos fazer um debate interno e mudanças necessárias na forma de gestão, para que o PT se volte novamente para os movimentos sociais.

DINHEIRO ? O envolvimento do deputado João Paulo Cunha é um caso em particular. Sua trajetória foi a de um típico militante de base do movimento sindical, da CUT e do PT. Como o sr. vê esse caso?
FELICIO
? Eu acho uma pena. Um deputado do PT, como o João Paulo, é informado de que há um montante de recursos numa agência bancária para financiar uma campanha. Depois ele é obrigado a se afastar, ser cassado ou a renunciar, pois apanhou esses recursos. A cassação é a opção mais radical. Mesmo que tenha havido um desrespeito à lei eu não optaria por esse tipo de radicalização.

DINHEIRO ? Não seria o momento de radicalização, já que é necessário dar punições exemplares para depurar o ambiente político?
FELICIO
? Observe bem: um deputado é informado de que havia recursos no banco para pagar despesas de campanha. Quem avisou esse deputado que os recursos eram de caixa dois? Você é informado que tem R$ 20 mil ou R$ 30 mil, e isso para os padrões das campanhas brasileiras é dinheiro de pinga, e de repente é cassado?

DINHEIRO ? E se essa situação chegar ao presidente Lula?
FELICIO
? Não acredito que vá aparecer evidências nesse sentido. Se aparecer vamos debater de acordo com a devida comprovação. Fora isso, não aceitamos o impeachment do presidente. O que há aí é um preconceito contra o Lula. Falam que a política econômica do governo é apoiada pela elite. Mas essa mesma elite, que pode estar satisfeita com a política econômica, nunca engoliu a figura do Lula, de um operário na Presidência da República. A nós é dado o direito de sermos os eternos habitantes da senzala. Na casa grande só pode entrar a elite. É isso que chamo de golpe. Não a quartelada, com generais empunhando espadas, mas há formas mais sutis de tirar gente do poder. Outro tipo de golpe é tentar colocar o PT na ilegalidade tirando dele o direito aos recursos que todos os partidos têm pela lei.

DINHEIRO ? O sr. vê condições de reeleição para o presidente Lula?
FELICIO
? Nós queremos a reeleição do Lula, pois vemos na figura dele a possibilidade de o Brasil continuar avançando e, assim, consolidar um projeto democrático e popular. Ele é melhor que o governo anterior. Há, por exemplo, o avanço na agricultura familiar. O Fernando Henrique investia cerca de R$ 2 bilhões por ano nessa área. O governo Lula, mais de R$ 7 bilhões por ano. O papel dos bancos públicos também mudou. O BNDES patrocinava a privatização de empresas que provocava demissões em massa. Essas empresas foram enxugadas. Isso acabou no governo Lula. Em 2006, pode ter certeza o movimento sindical, ou pelo menos a grande maioria dele, vai apoiar a reeleição.

DINHEIRO ? Mesmo assim o sr. diz que pode radicalizar as críticas à política econômica.
FELICIO
? Nossa prioridade é conduzir uma luta em comum acordo com os movimentos sociais pelas mudanças na política econômica do governo.

DINHEIRO ? Há propostas de mudança, como a do deputado Delfim Netto, de déficit zero.
FELICIO
? É um retrocesso, uma ortodoxia maior ainda. Nós queremos o contrário. Por isso, vamos apostar numa luta nacional para reduzir taxas de juros e o déficit primário. Precisamos procurar novas alternativas com acordos com empresários.

DINHEIRO ? É a volta da velha proposta do pacto social?
FELICIO
? Não.. Essa palavra significa que alguém tem que abrir mão de algo. Aliás, quem tem que ceder algo é o sistema financeiro, que já ganhou muito no Brasil.

DINHEIRO ? Qual a proposta então?
FELICIO
? Acho que o Brasil, talvez junto com outros países da América Latina, deveria propor uma forma de rolagem da dívida para um prazo mais longo. Vamos organizar atos em todos os estados do País para levar o debate sobre a política econômica para as ruas. O primeiro acontecerá dia 16 de agosto em Brasília.

DINHEIRO ? Mas o Brasil cresceu 5% no
ano passado.
FELICIO
? O crescimento do ano passado foi menos por méritos da política econômica do que pela conjuntura internacional. Queremos alavancar o crescimento duradouro e não o vôo de galinha que acomete a economia brasileira há décadas.

DINHEIRO ? O sr. falou em renegociação da dívida brasileira. Isso não é ruptura?
FELICIO
? É errado certa parcela da esquerda falar em calote. Isso afastaria capitais, empresas e investimentos. Seria um retrocesso e acho que o Lula não duraria três meses se fizesse isso.

DINHEIRO ? Por que a CUT não saiu às ruas para protestar contra o governo, como fez no caso de Fernando Collor?
FELICIO
? O ato público de 16 de agosto é pela moralização política. O que não é justo é punir um partido político porque cometeu o erro de fazer o mesmo que os outros. Alguns que tinham o discurso de vestais, de paladinos da ética também foram surpreendidos com a mão dentro do cofre ? a não ser que eles digam que foi o cofre que correu em direção às mãos deles. É o caso do PSDB , do PFL, do Eduardo Azeredo. Não acredito que os deputados do PT tenham embolsado dinheiro parra enriquecimento pessoal.

DINHEIRO ? Em sua opinião, isso diminui o erro?
FELICIO
? De hipótese alguma. Queremos uma legislação para financiamento público de campanhas. É mais barato para a sociedade, pois uma empresa que financia uma campanha tem esperança de receber favor de volta.

DINHEIRO ? Isso não evitaria a arrecadação de dinheiro não declarado, não é verdade?
FELICIO
? Seria necessária uma legislação rigorosa que levasse a punições exemplares, como se pune narcotraficantes, por exemplo. O que não pode continuar é saber que todos têm caixa dois e fica por isso mesmo.